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Tennessee Volunteers derrota Georgia Tech na abertura da temporada do College Football. | Kevin C. CoxAFP
Tennessee Volunteers derrota Georgia Tech na abertura da temporada do College Football.| Foto: Kevin C. CoxAFP

Falar sobre esporte universitário no Brasil traz a mente um cenário completamente amador; é possível contar nos dedos as instituições que realmente investem em esportes e trazem para seus campi atletas que possam representá-las em competições esportivas em troca de bolsas de estudos. 

Essa não é a realidade nos Estados Unidos. Por lá, o esporte universitário é celeiro dos grandes atletas olímpicos do país, envolve cifras bilionárias e modalidades como futebol americano e basquete têm audiências de televisão maiores que as do Brasileirão. 

Democracia esportiva 

Para Fabio Franzini, historiador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a prática de esportes é mais democrática nos Estados Unidos, o que fez com que as universidades se tornassem um polo de desenvolvimento esportivo. 

“No Brasil só temos acesso ao futebol. E não há espaços próprios para a prática esportiva”, diz. “Nos EUA o próprio governo provém locais públicos para isso, então as universidades se tornaram uma extensão da prática esportiva: a pessoa vai para lá estudar e quer continuar a praticar o esporte que fazia na sua cidade natal. E com o tempo isso acabou se tornando uma fonte de renda para elas”, completa. 

Michael Maccambridge, no livro America’s Game, que conta a história do futebol americano, afirma que o esporte universitário é enorme nos Estados Unidos por razões históricas. 

“As grandes distâncias nos Estados Unidos fazem com que muitos alunos de universidades não sejam da região. Ou seja, tornam a faculdade sua casa e criam laços afetivos com ela. Quando se formam, vão embora novamente e esse laço se mantém; o agora ex-aluno continua acompanhando sua universidade mesmo longe”, diz. 

Princípio nobre 

No início, o futebol americano universitário não tinha um órgão regulatório e as próprias universidades definiam regras de jogo e marcavam partidas umas com as outras. Foi só em 1906, após sucessivas mortes em decorrência da prática do esporte, que o então presidente americano Theodore Rooselvelt exigiu a criação de um órgão supra-universitário para reger a modalidade, sob ameaça de proibir a prática: foi criada então a National Collegiate Athletic Association (NCAA). 

 Baseada nos ideais olímpicos criados pelo Barão de Coubertin uma década antes, a NCAA tomou o amadorismo como um dos seus pilares: nenhum atleta poderia receber compensação financeira pela prática dos esportes. 

A regra não fazia muito sentido; na época não existiam muitas ligas profissionais e, quando o atleta deixa a universidade, normalmente passava a exercer a profissão em que se graduara – a própria NFL (National Football League), liga profissional de football, surgiu apenas em 1920 e passou a remunerar os atletas apenas na década de 70. 

Evolução natural 

Com a evolução do esporte, tanto técnica quanto física, universidades começaram a recrutar futuros atletas diretamente das escolas de ensino médio norte-americanas, o que propiciou o salto de qualidade que deu as condições para o esporte universitário ser o que é hoje. 

Outro ponto pouco discutido é que muitas universidades, como a University of Alabama ou a Pennsylvania State University, deixaram de ser nanicas para se tornarem verdadeiros centros de produção científica graças ao suor dos jogadores dentro de campo, ao dinheiro e notoriedade que o football trouxe para estas instituições. 

Por isso, muitos consideram que o modelo, em que estudantes não são remunerados, está esgotado. Para Ramogi Huma, presidente da College Athletes Players Association (CAPA) e da National College Players Association (NCPA), tudo não passa de uma desculpa para as universidades não dividirem suas receitas com os jogadores. 

“O amadorismo da NCAA só fazia sentido quando o esporte realmente era tratado como amador. Hoje, os atletas do futebol americano se preparam desde o início da adolescência para jogar e as universidades ativamente os recrutam para isso”, critica Huma. 

“E não é só no futebol americano ou basquete que isso acontece, veja o ocorrido com Katie Ledecky nas Olimpíadas do ano passado: ela não pode pegar a premiação pelas provas que ganhou para não perder sua bolsa de estudos em Stanford. O problema é que no football e no basquete isso é ainda pior, já que há também a questão dos direitos televisivos e de imagem dos jogadores”, completa. 

Até 2016 a NCAA obrigava todos os atletas universitários a assinarem um termo em que abriam mão de pedir compensação por direitos de imagem. A organização parou de exigir este documento após críticas, mas muitas conferências universitárias e as próprias universidades ainda exigem a assinatura deste termo. 

“Quando falamos que jogadores universitários precisam ser pagos, não queremos que as universidades paguem salários a eles e sim que o bolo dos direitos televisivos e de imagem sejam divididos”, pondera Huma. 

Negócio bilionário 

Mas só no futebol americano as emissoras pagam quantias absurdas de dinheiro para garantir a exclusividade nas transmissões. A Southerneastern Conference (SEC), principal conferência universitária, paga anualmente US$ 34 milhões em direitos televisivos para cada um de seus membros - que alegam gastar anualmente cerca de US$ 176 mil em cada aluno-atleta, entre custos acadêmicos e esportivos, para justificar o não pagamento de compensação a eles. 

Para Huma, o argumento de que o custeio da vida acadêmica já é uma espécie de compensação, é falacioso: “As universidades não custeiam seus programas esportivos só com as cotas de televisão, há outras fontes de receita que eles omitem quando passam os dados. Elas não quebrariam caso pagassem os direitos de imagem dos jogadores”, explica. 

Sucesso acadêmico? 

Aproximadamente 73 mil jogadores universitários passam pelas universidades das três divisões da NCAA anualmente, mas só 1,5% se torna uma profissional do esporte. O restante nunca pisará em um campo da NFL. 

Mas como o nível de exigência durante a faculdade é intensa, exigindo dedicação quase exclusiva ao esporte, muitos desses atletas acabam tendo uma formação acadêmica deficiente e, como consequência, dificuldades de encontrar seu espaço no mercado de trabalho.

“Esse é um daqueles segredos a céu aberto: a maioria das universidades não quer seus jogadores fazendo cursos complexos como Engenharia ou Psicologia, então os direcionam para graduações com baixa exigência acadêmica. Isso faz com que os jogadores que não se profissionalizam entrem no mercado de trabalho totalmente despreparados”, critica Huma. 

 No início dos anos 2000, sob a alegação que os jogadores não estudavam, a NCAA impôs um coeficiente para medir o progresso acadêmico: o Academic Progress Rate (APR). Neste coeficiente, é feita uma média entre zero e 1.000, usando fatores como taxa de graduação anual e notas médias de atletas nos últimos quatro anos, como forma da instituição acompanhar e punir as universidades com baixo desempenho acadêmico. Segundo Huma, foi neste momento que as universidades começaram a encaminhar os jogadores para cursos de baixa exigência acadêmica como forma de burlar a fiscalização. 

“A NCAA e as universidades lavam as mãos para o fato que estão jogando no país um exército de ex-jogadores sem preparação nenhuma para a ‘vida real’ fora do esporte”, diz. “As universidades usam os jogadores e depois os esquecem, ficam jogados à própria sorte com diplomas que não valem nada. É desumano”, desabafa 

Impasse 

Não há uma solução fácil para este problema. Por serem considerados estudantes, os jogadores não podem se unir em associações ou sindicatos para pleitearem seus direitos, então uma tendência atual são ex-jogadores entrarem com ações coletivas contra a NCAA e as universidades para tentar, retroativamente, conseguirem o dinheiro que lhes é devido e tornar a legislação favorável aos jogadores atuais. 

Mesmo assim os resultados vêm sendo irregulares. No processo mais recente sobre o caso, a justiça norte-americana decidiu que a NCAA e as universidades cometem ilegalidades ao não pagarem direitos de imagem e as condenou quitarem o que era devido aos ex-jogadores, mas não estabeleceu nenhum procedimento para que isto não volte a acontecer com os jogadores atuais. 

Outro lado 

O argumento da NCAA e das universidades de que se pagassem os jogadores teriam que retirar parte dos investimentos no esporte também é verdadeiro. Em 2015, a Duke University teve receita de US$ 80 milhões, mas acabou com lucro de apenas US$ 146 mil. 

Levantamentos feitos por empresas de auditoria mostram que caso as universidades começassem a remunerar os estudantes, teriam que cortar investimentos em centros de treinamento e no pagamento de comissões técnicas, o que levaria a um efeito cascata na diminuição da qualidade do esporte, audiência e receita vinda dos contratos televisivos. 

Já um estudo feito pelo American Institutes for Research, mostra que não há um consenso em como seria feita a remuneração ou como seria definido o que cada jogador deveria receber por direitos de imagem. 

Mas enquanto não se chega a um meio termo, Ramogi Huma promete continuar a brigar pelos direitos dos jogadores universitários. “Se eu e a CAPA não fizermos isso, quem fará? A opinião pública já está conosco, só precisamos mudar a mentalidade das próprias universidades quanto a isso. E acredito que estamos perto de alcançar este objetivo”.

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