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| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Uma pergunta nova – incluída na quarta edição do estudo Retratos da Leitura no Brasil – coloca uma pedrinha no sapato de educadores, gestores públicos e pesquisadores em geral. A questão é simples como isso: “Gostaria de ter lido mais?”. Pois 77% dos 5 mil entrevistados em todo o território nacional responderam que “sim”. Desse total, 43% disseram que não leram mais por falta de tempo.

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Ainda que se argumente que pesquisas de hábitos e práticas culturais tendem a vir recheadas de meias verdades – quem, afinal, gosta de admitir ao “recenseador” a barbaridade de não gostar de ler? – há motivos a rodo para confiar na sinceridade dos entrevistados.

Levantamentos anteriores – como o feito pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, a Ritla, em 2007 – levantaram a lebre de que a brava gente brasileira se atrapalha com estudo, leitura e afins, mas não sem antes pelo menos tentar. A Ritla averiguou, por exemplo, que um jovem brasileiro evadido do ensino se empenha em voltar aos bancos escolares, em média, seis vezes. E seis vezes não é conta de gente desinteressada. Bom seria saber por que ao retornar, esse estudante tende a fracassar mais uma vez.

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A versão 2016 da Retratos da Leitura no Brasil provoca indagação semelhante. Se tanta gente afirma desejar o status de leitor, o que a impede de ter um livro às mãos? A própria pesquisa dá pistas. 1) Ao lado da propalada falta de tempo – o que é, tanto quanto uma desculpa, uma condição real da vida urbana – está o estorvo crônico de boa parcela da população em ler com fluidez, logo, com a alegria que a atividade pede. Respostas como “não gosto de ler” (28%); falta da paciência (13%); prefiro outras atividades (10%) e, por fim, “sinto dificuldades” (9%) podem ser entendidas, com folga, como sintomas da mesma enfermidade: a baixa performance técnica da leitura, não raro por falta de um bom oculista. Não há desejo que resista a tanto desprazer.

Mais gente gostaria de encontrar nas estantes das bibliotecas não propriamente Crime e castigo, de Dostoiévski, mas títulos populares – como o da curitibana Kéfera Buchmann, em sua citação de estreia na lista, ao lado de outros nomes que, por certo, não arriscam risos de satisfação de bibliotecários e professores de literatura: Augusto Cury, Paulo Coelho e Zíbia Gasparetto

2) Parte da culpa para a resposta “quero, mas não consigo” se deve à morosidade da sociedade em geral em assumir que a melhora dos índices de leitura não pode ficar nas costas largas da escola. Nesta edição, 55% dos entrevistados disseram identificar onde fica a biblioteca pública de sua cidade – um avanço. Mas somando os que acham o acervo defasado e os que sugerem que o acervo traga títulos mais interessantes, chega-se a 54%. Não à toa, 73% reafirmaram a máxima de que biblioteca é lugar para estudar. Talvez não tenham razões para achar diferente. Em tempo – apenas 37% dos frequentadores de bibliotecas públicas “não” são estudantes. Diz muito.

3) As críticas dos pesquisados à qualidade dos acervos permite arriscar um palpite: mais gente gostaria de encontrar nas estantes não propriamente Crime e castigo, de Dostoiévski, mas títulos populares – como o da curitibana Kéfera Buchmann, em sua citação de estreia na lista, ao lado de outros nomes que, por certo, não arriscam risos de satisfação de bibliotecários e professores de literatura: Augusto Cury, Paulo Coelho e Zíbia Gasparetto, para apontar três dos milhares de best-sellers capazes de atrair público de ocasião. Não se trata de se render ao gosto médio, mas de admitir outro elemento que leva tanta gente a fracassar na leitura – a ausência de mediadores.

4) Ainda que pareça a informação mais feijão-com-arroz do mundo, os exemplos dos leitores arrastam mais do que as palavras. Na linguagem culta, a prática da leitura é mais antropológica do que estatística. Nesse quesito, as quatro versões da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil são um banquete. Na edição deste ano, a mãe volta a aparecer como o maior influenciador (33%), seguido do professor (7%) e seria quase lindo se 67% dos entrevistados não tivessem dito que nunca encontraram alguém que lhes incentivasse a ler. Noves fora, desde 2000, quando a Retratos começou, aparece nas entrelinhas que ler ou não ler parece uma questão de esfera privada – não por menos uma massa de 81% dos ouvidos disseram ler em casa, ou na sala de aula (25%) e ainda na biblioteca (19%). Sem dizer que essas respostas indicam que para a maioria “ler equivale a fazer lição de casa”.

5) Por fim, a pesquisa Retratos da Leitura do Brasil colocou a faca no peito de metade da nação tupi. Aos fatos: 73% da população não estuda mais – algo como 137,8 milhões de pessoas que não estão debaixo da asa do maior influenciador de leitura, a escola, seguido, é provável, das igrejas e do mercado de trabalho. O impasse é que apenas 13% desse grupo tenha curso superior e 33% o ensino médio. Com menos do que esse nível de estudo, os leitores tendem a se comportar como “leitores de exceção” ou “leitores ocasionais” – parte daquela parcela que leu, por exemplo, o fenômeno editorial Ágape, do padre Marcelo Rossi. A pesquisa indica que 46% da população tenha o ensino fundamental e 8% seja analfabeta ou com baixíssima exposição à escola. Sem políticas específicas para esse grande grupo – alheio à influência de um professor ou da família – o índice tende a ficar parado.

Essa gente toda precisa do mediador de leitura, para além do ambiente escolar, preparado para lidar com adultos que se apartaram da escola, que leem com dificuldade, que não se sentem íntimos das bibliotecas e não compram livros, grupo que oscila entre 30% (nunca comprou) e 76% (não comprou nos últimos três meses) da população. Mas como eles mesmos disseram – gostariam de ler. Não se nega um pedido como esse.

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