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Operário pinta o símbolo da Universidade do Chile no campus da instituição em Santiago | Reprodução / Universidad de Chile
Operário pinta o símbolo da Universidade do Chile no campus da instituição em Santiago| Foto: Reprodução / Universidad de Chile

O governo do Chile está empenhado em abolir gradualmente o sistema de mensalidades nas universidades públicas do país. Mas, segundo um novo estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), o projeto pode acabar prejudicando os mais pobres.

A pesquisa, publicada em 27 de outubro, afirma que a política de gratuidade defendida pelo governo tende a afastar os estudantes de baixa renda do ensino superior.

Com base em dados fornecidos pelo Ministério da Educação chileno, o pesquisador Alonso Bucarey faz projeções pouco otimistas do efeito do novo modelo, aprovado no final de 2015 e implementado gradualmente, sobre a camada mais pobre de estudantes do país sul-americano. 

De acordo com a pesquisa, uma das consequências da nova proposta seria uma queda de 20% na presença de alunos de baixa renda nas universidades. A principal razão é esta: os estudantes mais ricos, que pela proposta do governo teriam de mudar para universidades públicas sem gratuidade, acabariam por tirar o lugar de alunos de baixa renda nestas instituições de ensino.

Ao mesmo tempo, parte dos alunos de baixa renda, hoje beneficiados por bolsas de estudo, perderia o benefício e também não conseguiria o direito à gratuidade.  É uma questão matemática: pagar 70% de bolsa para 100.000 alunos custa o mesmo que pagar 100% de bolsa para 70.000 alunos.

“Concentrei minha atenção nos estudantes pobres, porque eles são afetados pela gratuidade mesmo sendo a principal motivação para a existência de auxílio financeiro”, afirma Bucarey no estudo. 

O estudo mostra que, para prosperar, a política de gratuidade precisaria ser acompanhada de uma expansão de capacidade de 10% nos programas universitários. Com a ampliação, a taxa de matrícula dos estudantes pobres se manteria no seu nível médio. Para que não houvesse um risco de perda de espaço deste público, o crescimento deveria ser de 20%. “Não está claro se as instituições estarão dispostas a expandir suas vagas nesse nível, de modo que os formuladores de políticas devem incorporar a ampliação de vagas como parte do projeto de expansão o auxílio financeiro”, recomenda a pesquisa acadêmica. 

O prognóstico de Bucarey colide com a intenção do governo chileno, que enxerga na política de gratuidade uma forma de melhorar o acesso universitário de grupos historicamente deixados de lado pelas políticas de ajuda financeira. 

A partir da nova lei, que ainda gera controvérsia na opinião pública chilena, o governo colocou em prática a política de gratuidade já em 2016. No ano passado, segundo o ministério da Educação do Chile, 178 mil estudantes conseguiram ingressar na universidade. Neste ano, mais de 561 mil chilenos receberam benefícios estudantis, sendo que 46% deles foram contemplados com a gratuidade. Em 2018, a projeção do governo é de que mais 360 mil pessoas ingressem no ensino superior sem custos. O objetivo do governo é universalizar o acesso gratuito até 2020, meta que parece ser difícil de ser batida devido ao alto custo estimado para concretizá-la. 

Mesmo com a quantidade de bolsas já distribuídas até o momento, o estudo sugere que a nova política provoca uma migração dos estudantes de classe média e alta para faculdades mais caras e de boa qualidade. Este comportamento, causado pela reserva de vagas nas 32 instituições que aderiram ao programa de isenção, poderia resultar em uma redução do acesso dos mais pobres à faculdade. Isso ocorreria, também, em razão da dificuldade que as universidades inscritas no novo modelo têm de ampliar o número de vagas. A gratuidade, segundo levantamento da pesquisa, geraria uma elevação de demanda por vaga de 36%. 

Como resultado prático, os estudantes de baixa renda acabariam entrando em faculdades de menor qualidade ou ficariam até mesmo alijados do ensino superior. Bucarey estima que cerca de 5% podem ficar sem vaga na faculdade por conta do novo modelo. Ele também diz que, para atender a todos os alunos de baixa renda, 20% dos estudantes mais ricos não podem receber uma bolsa de estudos. 

Aumento de vagas e mudança na seleção podem ser soluções 

O estudo sugere que os esforços estatais para a expansão da gratuidade devem ser acompanhados de um aumento no número de vagas ou por modificações nos processos de seleção, com mecanismos mais bem elaborados. 

As universidades tradicionais, que fazem parte do sistema de admissão centralizado (similar ao ENEM), no entanto, tiveram uma expansão de apenas 5% no número de matrículas nos últimos nove anos. 

“A política acaba tendo um impacto social negativo, com perdas entre US$ 3 e 6 mil para estudantes de baixa renda, enquanto produz ganhos de até US$ 1,5 mil para estudantes de alta renda”, calcula a pesquisa do MIT, que alerta o perigo de um aumento na desigualdade de renda. “Ambos os modelos mostram efeitos de bem-estar negativos para alunos pobres, com ganhos de bem-estar modestos para estudantes mais ricos”. 

As conclusões da pesquisa levantam uma questão: qual é o modelo correto da auxílio financeiro para ajudar os alunos pobres? Um estudo publicado pela Unesco neste ano, intitulado de “Seis formas de garantir a educação superior sem deixar ninguém para trás”, corrobora os apontamentos de Bucarey. O documento da entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a política adotada antes, de combinação de bolsas e empréstimos com base na necessidade financeira, “não só ajuda a aumentar o acesso equitativo para estudantes de baixa renda, mas também melhora a persistência até a graduação”. Críticos do modelo de gratuidade universal argumentam que o custo é muito elevado - e que, para se pagar, seria necessário um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima da média. 

Também divulgado neste ano, o estudo “Em uma Encruzilhada: Ensino Superior na América Latina e Caribe”, do Banco Mundial, traz ao debate a observação de que alunos que não arcam com o custo da faculdade estão mais propensos a abandonar os estudos. “Além disso, até mesmo alunos com chance de se formar possivelmente demorem mais em fazê-lo, podendo até ser reprovados”, diz o documento. 

O estudo do MIT é apoiado na observação de dados de 2015, último ano de vigência do sistema privado, em que todas as universidades chilenas cobravam mensalidades, inclusive as instituições públicas. A pesquisa levou em conta a participação de 171.011 alunos. 

Saiba mais sobre o sistema universitário chileno 

Os estudantes chilenos podem se candidatar a três tipos de instituições: universidades, institutos profissionais e centros de formação técnica. Há duas formas de ingressar na universidade: por meio uma avaliação centralizada (que leva em conta o desempenho escolar no Ensino Médio na aplicação de prova e uma análise de renda) ou por vestibulares independentes promovidos por universidade privadas (alunos destas instituições também podem receber bolsas do governo ou financiamentos). 

Existe um grupo de 33 universidades que faz parte do Conselho de Reitores das Universidades (CRUCH). Essas, diferentemente do restante do sistema de Ensino Superior, recebem fundos do governo. Nessas faculdades, os estudantes são contemplados por auxílios financeiros mais elevados. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2015, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Chile tem 29,9% da população até 64 anos com diploma de graduação. No Brasil, o índice é de 16,6%.

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