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 | Augusto Junior /Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Augusto Junior /Arquivo Gazeta do Povo

Meu pai trabalhou como cientista para a Bell Telephone Laboratories. Ele foi pioneiro no estudo do uso de computadores para fins educativos na década de 1950, uma época em que os computadores eram do tamanho de salas de aula inteiras e “programação” era o que os executivos faziam para o rádio e a televisão. No final dos anos 70 – logo antes de a Bell Labs ser abalada por uma decisão judicial que dividiu sua empresa controladora, a AT&T, pondo fim ao seu reino como a instalação de maior destaque em todo o mundo no ramo da pesquisa corporativa –, o mundo via a computação como o futuro. As previsões de fontes de maior credibilidade insistiam, com os políticos, que, para se manterem competitivos e darem conta das necessidades do campo da tecnologia da informação do amanhã, os EUA precisavam criar uma geração dotada de um talento extraordinário em matemática e ciência.

Meu pai já era uma pessoa com tendência a perder a cabeça, mas esse argumento o deixava possesso. Ele defendia em casa – e nas conferências também – que, apesar de a matemática e a ciência terem grande importância, ainda mais nessa momento, a ideia de que precisaríamos de mais alunos dessas áreas no futuro era uma visão fundamentalmente equivocada: como ele defendia, seriam os computadores cada vez mais potentes que acabariam fazendo a maior parte do trabalho que exigia das pessoas aptidões técnicas, científicas e matemáticas. Segundo ele, o que acabaríamos precisando seria, na verdade, é de menos gente capaz de fazer contas ou programar (mas, para deixar claro, não é que ele não reconhecesse que a matemática e a ciência eram necessárias, e é certo que, como cientista, ele valorizava esses talentos acima de todos os outros, como atesta seu filho aqui, formado em literatura e língua inglesa).

Estudo nos EUA descobriu que os alunos de hoje têm três vezes mais chances de receber nota A do que 70 anos atrás. Isso não se dá pelo fato de os alunos estarem ficando mais inteligentes, mas porque as provas são mais fáceis: na verdade, a sociedade contemporânea parece querer mais que eles se sintam bem consigo mesmos do que aprendam

Mas, até o momento, sua proposta – por mais que eu acredite que esteja correta – ainda não tem o apreço que merece.

Hoje, há bons motivos para cultivar essas aptidões, particularmente em escolas onde há um número cada vez maior de alunos menos dispostos a encarar desafios e mais inclinados a pegar caminhos mais fácies quando o assunto é ensino superior e carreira (e isso parece valer para todos os caminhos: um ex-professor da Duke University, analisando as notas entre 1940 e 2013 de mais de 400 faculdades dos EUA, descobriu recentemente que os alunos de hoje têm três vezes mais chances de receber nota A nas matérias do que 70 anos atrás. O estudo também aponta que isso não se dá pelo fato de os alunos estarem ficando mais inteligentes: na verdade, é porque a sociedade contemporânea parece querer mais que eles se sintam bem consigo mesmos. Uma coluna do Washington Post comparou esse fenômeno com a ideia de entregar troféus “pelo esforço”).

Mas, desde a época do meu pai na Bell, não houve qualquer mudança no hábito de acumular em uma mesma sala um bando de alunos da área de exatas, conhecida nos EUA como STEM [sigla em inglês que se refere a Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática]. Os computadores continuam movimentando o desenvolvimento do futuro. Sim, o mundo está todo conectado, o que vem criando maiores oportunidades econômicas e atividades pela internet. E, sim, sensores e computadores potentes – para não dizer nada do acesso a dados e à habilidade de analisá-los – vêm dando mais força a inovações científicas. Mas será que investir em STEM e só em STEM é ainda a abordagem correta? A resposta é sim e não: isto é, nós vamos precisar mesmo é de uma realidade moderna que exige não só STEM, mas STEAM – somando Artes à Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática – para prosperarmos no novo ambiente criado.

Professor carrega bebê de aluna para que ela possa anotar a aula

A cena, postada no Facebook, ocorreu em uma aula de Direito Internacional em Acapulco

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Muitas vezes, os argumentos a favor da educação artística se centram na ideia de que ela promove a criatividade. Apesar de isso ser verdade de fato, esses argumentos acabam sugerindo que a educação científica e matemática não faz o mesmo – o que é ridículo. Alguns dos maiores exemplos de criatividade na história humana vieram de cientistas, matemáticos, engenheiros e outros que ‘reimaginaram’, reinterpretaram e reconstruíram nosso mundo.

Precisamos nos concentrar na educação artística por motivos distintos e profundamente fundamentais: precisamos das artes para continuarmos humanos. Os artistas nos ajudam a explorar os mistérios da vida e se aventuram em lugares aos quais raramente nos permitimos ir em nossa existência cotidiana de dia após dia de trabalho.

Pensem no novo mundo em que estamos entrando: dentro de uma década, talvez, pela primeira vez teremos cada pessoa no planeta conectada a um ecossistema cultural. Historicamente, as culturas costumam terminar nas fronteiras, naturais ou imaginárias, e nisso elas têm um papel crucial em definir as comunidades e as diferenças entre nós, diferenças culturais estas que levam a conflitos e tensões – o que hoje é exemplificado nas manchetes sobre os embates entre o Islã e o Ocidente, o medo dos refugiados, ou a necessidade de se construir muralhas para separar as pessoas.

O hardware do computador, por mais incrível que seja, não molda a forma como as pessoas se veem, seus sentimentos sobre os grandes temas da sua época, seus humores ou os temas que elas discutem em suas comunidades

Mas hoje temos uma oportunidade – e um imperativo – de usar essas tecnologias para nos ajudar a imaginar como seriam culturas sem fronteiras: isto é, através da expressão criativa, podemos unir as pessoas, não importa onde elas vivam ou que tipo de perspectivas tenham, não importa o quão antigas. Novas tecnologias, desde a realidade virtual até a inteligência artificial até fenômenos tecnológicos como a onipresença de câmeras e ferramentas para construção de sites, permitem que os indivíduos se expressem e distribuam sua obra até chegar a um público global, de tamanho ilimitado, com o apertar de um botão.

O hardware do seu computador, por mais incrível que seja, não molda a forma como as pessoas se veem, seus sentimentos sobre os grandes temas da sua época, seus humores ou os temas que elas discutem em suas comunidades. Tampouco podem fazer isso os botões, os roteadores, a internet ou até mesmo grandes pacotes de software. As conexões humanas continuam sendo feitas através da expressão dos sentimentos humanos.

Pense nas grandes transformações nas atitudes públicas da última década, mais ou menos. Grandes mudanças como a da postura em relação aos direitos LGBT, os direitos das mulheres, a mudança climática ou a Primavera Árabe. Será que essas transformações foram de fato motivadas só por discursos políticos ou foram também às vezes movidas sobretudo por filmes, músicas, livros, desenhos, o humor e outras formas de expressão artística sobre essas questões?

Precisamos investir na educação artística, com a educação científica e tecnológica, porque ela produz alunos versáteis, porque produz gente mais humanizada, porque protege nossa herança cultural e permite que os alunos compreendam algumas das grandes criações que moldaram o desenvolvimento da civilização e porque as artes têm um papel imenso em nossas economias.

Mas precisamos dela, porque estamos num ponto de virada tecnológico e cultural sem precedentes, quando não apenas as artes irão mudar, mas também o potencial que cada artista individual tem para mudar o mundo, que tende a se tornar ainda maior. Não é preciso uma mente muito criativa para ver que o mundo precisa de uma mudança dessas. Mas serão necessárias mentes criativas muito bem treinadas para proporcionar essa mudança e garantir que ela irá nos levar rumo a esse futuro melhor que todos procuramos.

* CEO e editor do FP Group, é autor do livro “National Insecurity: American Leadership in an Age of Fear” [“Insegurança Nacional: a Liderança Americana numa Era de Medo”, em tradução livre, ainda inédito em português].
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