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Sérgio Rodrigues: história de amor com a língua falada no Brasil | DivulgaçãoBel Pedrosa
Sérgio Rodrigues: história de amor com a língua falada no Brasil| Foto: DivulgaçãoBel Pedrosa

Com afeto, “Viva a língua brasileira!” fala sobre questões difíceis que envolvem nosso jeito de falar e de escrever o português. O autor do livro, Sérgio Rodrigues, demonstra uma lucidez cativante ao abordar modismos, origens mentirosas de palavras, cascas de banana e patrulhas que adoram corrigir o que não está errado. 

Rodrigues escreve romances (o mais conhecido talvez seja “O Drible”, de 2013), tem experiência como jornalista (em várias das principais redações do país), criou o blog Todo Prosa (uma referência para qualquer um que gosta de livros) e hoje mantém uma coluna no jornal “Folha de S.Paulo” sobre questões que envolvem a “língua portuguesa brasileira”. Que ele ama. 

Na entrevista a seguir, ele fala desse amor. 

 O livro “Viva a Língua Brasileira!” mudou minha opinião sobre várias questões (para citar só um exemplo, vou passar a escrever “cheguei em casa” sem me sentir culpado). Você poderia citar algum caso em que você mudou de ideia sobre alguma questão mais ou menos relevante de português? 

Foram tantos que fica difícil pinçar um. Todos aqueles do livro que fizeram você repensar alguma lição de gramática aprendida na escola refletem um percurso semelhante meu. Um exemplo: sempre fui, como jornalista, dedicado a aplicar nos textos dos subordinados a regra de não contrair preposição e artigo quando este é parte do sujeito de uma nova oração. “Hora de a onça beber água”, “antes de o sol nascer” etc. Um caso claro de hipercorreção, de engessamento gratuito da escrita. Foi uma libertação descobrir que nenhum escritor português escreve assim e que um gramático como Evanildo Bechara, que não pode ser acusado de libertário, já relativizou essa regra faz tempo. Só falta a imprensa descobrir.  

Você explica que o livro “dança na corda bamba de sombrinha” — não é careta e não aceita o vale-tudo na língua brasileira —, mas conseguiria me explicar como você faz isso? Na prática, como mantém o equilíbrio? 

Com grande dificuldade. Pesquisando, lendo pontos de vista diferentes, tanto o de gramáticos conservadores quanto o de linguistas modernos. E ponderando, mudando de ideia, voltando atrás. Em caso de dúvida, seguindo o ouvido e o faro de escritor, de quem tem paixão por essa língua e escreve profissionalmente há mais de 30 anos. 

Quando cita Vinicius de Moraes, você fala que o poeta “toma partido da língua viva”. Como escritor, esse é também o partido que você toma? 

Sem dúvida. Não acho que um escritor possa tomar outro partido. Isso não quer dizer necessariamente escrever em linguagem ultracontemporânea, veja bem. Adoro os clássicos, prezo a correção, a articulação, tenho minhas ideias de elegância e estilo e tal. Mas a vida da língua é condição básica. O escritor que escreve em língua fossilizada ou moribunda está frito. 

 Você é mais Chico Buarque ou Vinicius de Moraes? (Pelo livro, fiquei com a impressão de que prefere Chico.) 

Chico Buarque é um artista muito mais importante para mim do que Vinicius. Ouvi muito mais o Chico, ele fez a trilha sonora de momentos importantes da minha vida. Acredito até ser possível provar que, em termos absolutos, ele é um compositor bem maior do que Vinicius, um caso de aprendiz que superou o professor, mas não gosto desse tipo de competição em arte. 

 Se o idioma é sempre atualizado por quem o fala, como saber quando as atualizações devem ser promovidas (e aceitas)? 

O tempo costuma se encarregar de fazer a filtragem. Nunca vai ser um processo pacífico, há os ultraconservadores e há os afobadinhos, os novidadeiros. Prefiro o meio termo. No fim das contas, as gramáticas mais caretas e os dicionários mais sisudos acabam tendo que dar conta dos novos usos que vingaram. Não têm como evitar isso. Se fosse possível congelar a língua, qualquer língua, não falaríamos português, mas latim. 

 O seu livro é um alento para quem convive com sabichões que gostam de corrigir o que não está errado. No dia a dia, como você lida com esses sabichões? 

Tenho prazer especial em apontar o erro de quem, com base em raciocínios furados ou incompletos, sai por aí corrigindo o que nunca esteve errado. É uma postura ridícula. O livro é cheio de casos desse tipo: o cara que diz que “aluno” é uma palavra condenável porque vem de “sem luz”, o que afirma que o certo é “um peso e duas medidas”, o que condena a expressão “risco de vida”. Não é difícil desmenti-los, basta pesquisar. Os sabichões sabem bem pouco.  

Ao ler um romance, quando encontro um diálogo, às vezes parece que o escritor (ou o tradutor) penou para transformar a oralidade em texto. Ou o diálogo soa formal demais, ou os personagens ficam caricatos, falando “cê tá bem?” ou coisa assim. Você já teve essa impressão? No livro, você diz: “língua escrita e língua falada não coincidem perfeitamente em idioma algum”. Mas já ouvi profissionais dizerem que essa é uma das dificuldades impostas pelo português. Como escritor, você sente essa dificuldade? 

Por características históricas que têm a ver com um monte de fatores, da nossa herança escravocrata à educação de mentirinha da “pátria educadora”, existe no Brasil um abismo maior do que a média entre língua popular e língua culta. Isso acaba tendo interferência na questão da oralidade, sem dúvida, que tende mais ao primeiro registro do que ao segundo. Mas existe também o fato de que escrever diálogos é dureza em qualquer língua. Requer um aprendizado específico, há escritores que sabem fazer e escritores que não sabem fazer. 

 No embate entre os que defendem o uso de “entrevistar ele” (errado segundo a norma, mas falado por todo mundo) e os que preferem “entrevistá-lo” (certo, mas estranho de ouvir quando se vê, por exemplo, um personagem de telenovela falando assim), com qual lado você se sente mais à vontade? E por quê? 

O uso do pronome reto como objeto direto, no lugar do oblíquo, é um traço marcante do português brasileiro oral, tanto no registro popular quanto no culto. Não duvido que a gente esteja caminhando para assimilar isso também por escrito daqui a alguns anos, mas ainda não chegamos lá. Em condições normais eu falo “vi ele” e escrevo “o vi” (a menos que esteja escrevendo a fala ou o fluxo de consciência de um personagem, caso em que é “vi ele” mesmo). Não vejo problema nesse descompasso. Há uma série de diferenças entre oralidade e escrita, é normal que haja. Existem escritores, hoje, que já começam a bancar “vi ele” por escrito, mas não sou um deles. Ainda me parece o tipo de opção que chama demais a atenção do leitor para o texto, desviando o foco do que está sendo dito para o como é dito. Tudo bem se for essa a intenção, mas pode não ser. 

 O livro saiu em agosto do ano passado. Você já consegue analisar a repercussão que ele teve nesse período desde o lançamento? Conseguiu estimular discussões? Tem algum episódio marcante para contar? 

A recepção que o livro mereceu tem sido uma alegria constante, muito mais acolhedora e instigante do que eu podia imaginar. É curioso como, por causa do título, ele desperta a ira de alguns portugueses, como se eu defendesse a total independência do “brasileiro”, o que não faço. Mas isso é mal-entendido, coisa de quem viu o livro de longe. Os portugueses que realmente leram reconhecem, em geral, um bom serviço prestado à língua que é também a deles.

Clube da Gazeta do Povo – 20% 

“Viva a Língua Brasileira!”, de Sérgio Rodrigues, foi publicado pela Companhia das Letras, tem 384 páginas no formato 16 cm por 23 cm e custa R$ 49,90. Na Livraria da Vila, assinante da Gazeta do Povo tem 20% de desconto e o livro sai por R$ 39,92.

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