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Manoela Martins e Leonel Filho com os filhos: ensino em casa. | Marcelo AndradeGazeta do Povo
Manoela Martins e Leonel Filho com os filhos: ensino em casa.| Foto: Marcelo AndradeGazeta do Povo

No tempo que eu e meu marido temos adotado o homeschooling (ensino domiciliar) para o nosso filho de seis anos, nenhuma vez alguém nos perguntou sobre o nosso currículo. 

Nem familiares, nem amigos, nosso pediatra ou outros pais no playground. Nem mesmo desconhecidos no mercado, que questionam em voz alta por que o meu filho está lá comigo às 10 horas da manhã de uma terça quando ele “deveria estar na escola”. 

Ninguém quer saber quando nós planejamos ensiná-lo adição e subtração, tópicos de linguagem, os presidentes dos EUA ou uma língua estrangeira. Ninguém nos pergunta sobre o tempo, esforço e energia que gastamos todo ano planejando estudos unitários e atividades complementares. Ninguém pergunta quantas horas por dia nós ocupamos com ensino tradicional versus aprendizado interativo. 

O que eles querem saber é quando o meu filho começará a ir para a escola, ou: “Eu acredito que está bom por enquanto, mas vocês irão mandá-lo para a escola eventualmente... certo?” 

A maioria das pessoas expressa as suas preocupações previsíveis sobre socialização: “Como ele irá aprender a brincar com outras crianças?” 

Ou eles perguntam se não seria mais fácil para nós mandá-lo para fora de casa todo dia: “Você já não tem trabalho demais com os outros filhos?” 

Por fim, algumas pessoas duvidam na qualidade da educação que ele pode estar recebendo em casa: “Professores vão à universidade para aprender como ensinar! Como vocês estão qualificados para fazer esse trabalho?” 

Na maior parte das vezes, eu entendo a preocupação e confusão que motiva essas questões. Homeschooling não é a norma cultural vigente. Meu marido e eu sabemos que nós escolhemos nadar contra a maré quando nos retiramos do sistema educacional tradicional. 

O que eu tenho dificuldade de entender é porque tão poucas pessoas pensam em fazer a pergunta que trataria da maioria das suas preocupações e alimentaria quase toda a sua curiosidade a respeito da nossa escolha por homeschooling: “O que vocês estão aprendendo?” 

Perceba que eu disse “O que vocês estão aprendendo?” e não “O que vocês estão ensinando ao seu filho?”. Há uma grande diferença, que está no cerne da nossa decisão por homeschooling. 

Para a nossa família, o homeschooling diz respeito ao que todos nós estamos aprendendo, juntos. É um esforço coletivo e um estilo de vida, como decidir ser uma família que viaja regularmente ou que pratica exercícios juntos. Os benefícios são vastos: meus filhos mais novos, apesar de oficialmente não terem idade suficiente para participar de homeschooling, estão absorvendo uma quantidade surpreendente de conhecimento apenas observando e participando nos seus níveis individuais. Apesar de não sermos educadores, meu marido e eu também estamos aprendendo – e essa participação coletiva na educação do nosso filho nos permite cultivar um lar em que a aprendizagem é empolgante e faz parte organicamente da nossa rotina diária. 

Por exemplo, meu filho gosta de mapas, castelos e dragões. Por necessidade, nós tivemos que revisar o básico de geografia, história e fatos de mitologia que eu nunca consegui fixar quando estava em idade escolar. Quando nós decidimos que criar galinhas seria um bom modo para ensinar aos nossos filhos sobre os ciclos da vida, a cadeia alimentar e tarefas domésticas, meu marido e eu aprendemos sobre pecuária (agora ele é o nosso especialista residente em galinhas). Meu filho de quatro anos sabe a diferença entre crocodilos e jacarés porque o seu irmão mais velho é obcecado por répteis. E até mesmo o meu filho de dois anos sabe apreciar um poema engraçado de Shel Silverstein quando ele escuta ser recitado. 

Na nossa escola doméstica, todos nós aprendemos um com o outro – e por meio de muitos recursos diferentes. Nós exploramos tutoriais online sobre tudo, de matemática a arquitetura, tiramos dias de folga para viagens a museus e aquários, emprestamos sacolas cheias de livros da biblioteca e passamos dias imersos na floresta. Necessariamente entrelaçadas a essas atividades estão oportunidades de socializar com os outros, seguir o nossos interesses naturais com a profundidade que quisermos e aplicar o que aprendemos em situações reais e concretas. 

Homeschooling não é só uma coisa que fazemos para o nosso filho, mas sim uma parte integrante da nossa vida familiar. É como planejamos mostrar para os nossos filhos que a aprendizagem pode acontecer em qualquer lugar, não só dentro do prédio da escola, e que o processo de aprender algo – em vez de apenas o seu resultado – é algo valioso por si só. 

Esse raciocínio é responsável em grande parte por escolhermos o homeschooling. Aos poucos, o método de educação pública está transformando o ato de aprender em algo que deve ser pontuado, ditado cuidadosamente e medido comparativamente. Não importa o que ou como uma criança aprende, desde que tenha aprendido o suficiente e no tempo certo. Aprendizagem está se tornando um meio para um fim. 

Com o homeschooling, aprendizagem é só o começo. Não é uma balança para medir o sucesso, mas uma chave que abre portas. Meu marido e eu acreditamos que existirá tempo de sobra para os nossos filhos aprenderem sobre tabelas de multiplicação, pronomes e textos argumentativos. Mas nós acreditamos que existe uma janela de tempo menor e mais frágil para ensiná-los algo muito mais importante: que aprendizagem pode – e deve – ser algo prazeroso. 

Quantas crianças que recebem educação tradicional dirão que aprender os deixa mais contentes? Provavelmente poucas. Mas quando o meu filho abre um livro novo e descobre qual o tamanho de uma baleia azul, o seu rosto fica cheio de alegria. Ele quer saber mais. Nós pesquisamos sobre baleias azuis na internet. Nós assistimos a um documentário sobre os animais do oceano. Quando acaba, ele se joga de barriga na cama e engole um krill imaginário. Ele pergunta se podemos fazer observação de baleias algum dia, visivelmente agitado com empolgação. 

Ele ama aprender, mas mais importante do que isso, ele não enxerga aprendizagem como algo separado do resto do seu dia – a sua aprendizagem se parece muito com viver. Ele se sente como uma criança, do melhor jeito possível. Fazendo muitas perguntas e sendo encorajado a encontrar as respostas. Tendo o mundo inteiro na sua frente, com tempo infinito para explorá-lo, e com pais que dizem: “Claro, nós podemos instalar uma pista com obstáculos de super-herói no quintal. Vamos chamar de educação física!”. Vivendo e aprendendo ao mesmo tempo, no mesmo lugar, e encontrando alegria em ambos: é por isso que escolhemos homeschooling esse ano e decidimos fazê-lo novamente no próximo ano. 

É um direito da nossa família fazer essa escolha, mas eu entendo que é um pouco estranho. Não é para todo mundo. Certamente não é convencional. Eu entendo que a maioria das pessoas tem dúvidas sobre como é o homeschooling para as famílias que praticam. 

Mas na próxima vez que você encontrar alguém que opta por homeschooling, deixe de lado a inquisição. Seja quem for ou qual a sua filosofia, eles provavelmente já gastam muito tempo se preocupando com socialização e gerenciamento de tempo e como conseguirão ensinar álgebra aos seus filhos. (Spoiler: Eles provavelmente não vão ensinar, porque é para isso que servem os tutores de matemática, as aulas cooperativas para homeschooling e a Khan Academy.) 

Eles não querem falar sobre essas coisas. Eles optaram por homeschooling porque eles amam aprender, e a vida da sua família inteira está centrada em todos os jeitos únicos de aprender sobre qualquer coisa que os seus corações desejem. 

Em vez disso, pergunte a eles quais pássaros eles viram na sua caminhada matinal pela natureza. Pergunte para onde eles foram na última excursão ou qual capítulo de livro eles estão lendo juntos. Peça para eles contarem sobre o seu experimento científico mais interessante, seu projeto de arte mais bagunceiro e a sua criatura marinha preferida. Pergunte a eles o que eles estão aprendendo. Eu garanto que eles estão loucos para te contar.

Tradução: Andressa Muniz

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