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Alpaslan Durmus, responsável pelo Ministério da Educação turco, anuncia medida  | Reproduçãoeba.gov.tr
Alpaslan Durmus, responsável pelo Ministério da Educação turco, anuncia medida | Foto: Reproduçãoeba.gov.tr

A Turquia removeu a teoria da evolução do seu currículo do ensino médio, em uma ação que os críticos temem ser uma nova tentativa do governo de Recep Tayyip Erdogan de corromper o caráter secular do país. 

A partir de setembro, um capítulo sobre a teoria da evolução não aparecerá mais no livro escolar do nono ano porque é considerada uma ideia muito “controversa”, de acordo com um anúncio oficial na última semana. 

“Nossos alunos não tem a bagagem científica necessária e o contexto informativo exigido para compreender” o debate acerca da teoria da evolução, disse Alpaslan Durmus, presidente do Ministério da Educação e Conselho de Disciplina, órgão que determina o currículo escolar, em um vídeo publicado no site do ministério. 

A notícia aumentou entre os críticos de Erdogan a preocupação  de que o presidente, um muçulmano conservador, queira mudar radicalmente a identidade de um país que foi fundado em 1923 com base em linhas firmemente seculares. 

“Os últimos traços de uma educação científica secular foram eliminados”, diz Feray Aytekin Aydogan, presidente do Egitim-Sem, um sindicato de professores dedicados ao ensino secular. Aydogan também zombou da ideia de que a teoria da evolução é muito complexa para adolescentes entenderem. 

“Esqueça o ensino médio, você pode explicar confortavelmente na pré-escola”, disse em entrevista telefônica. “Esse é um dos tópicos básicos que você precisa para entender os seres vivos, a vida e a natureza.” 

Ao longo dos últimos cinco anos, analistas notaram como o governo de Erdogan tem aumentado constantemente as referências ao islã no currículo escolar e removido algumas referências às ideias de Mustafa Kemal Ataturk, fundador da Turquia. O governo também aumentou o número de escolas religiosas, conhecidas como escolas iman hatip, e falou sobre o desejo de Erdogan de criar “uma geração devota” de jovens turcos. 

Erdogan também caminhou gradativamente para uma redução nas restrições no uso de vestimentas islâmicas. Em 2011, ele eliminou a proibição de véus em universidades, e em 2013, retirou uma proibição similar no serviço público. Este ano, ele fez o mesmo para as mulheres nas forças armadas, uma instituição até então considerada o último bastião de um secularismo rígido. 

Para alguns, essas mudanças representam apenas uma tentativa progressiva de abrir os espaços públicos e os discursos para uma parcela devota da população que foi por décadas marginalizada pela elite secular e militar do país. 

“Não é verdade que a Turquia está se tornando menos secular”, disse Ezgi Yagmur Kucuk, 20, uma anestesista trainee que não usa véu. “Todo mundo pode acreditar no que quiser”. 

Outros, entretanto, veem uma tentativa não apenas de promover a liberdade religiosa, mas de garantir a sua supremacia. De acordo com Kerem Oktem, autor do livro “Angry Nation”, uma história da Turquia contemporânea, o país “não está continuando um processo de secularização – está entrando em um contexto pós-secular.” 

Ainda assim, não é provável que a Turquia se transforme em um novo Irã. O relacionamento conturbado do país com o secularismo também é anterior ao mandato de Ergodan. 

Tecnicamente, o Estado e a mesquita nunca se separaram completamente na Turquia, mesmo durante a época de Ataturk. Em vez disso, a religião foi colocada sob o controle do Estado. O processo de legitimação do pensamento islâmico foi, em parte, iniciado durante o governo de Kenan Evren, o general que tomou o poder em um golpe em 1980 e que via o Islã como uma barreira contra o comunismo. 

Para aumentar a complexidade, o partido de Erdogan – o Partido da Justiça e Desenvolvimento, ou AKP – tem um relacionamento confuso com o islã, ou com a crença em uma sociedade governada de acordo com a lei islâmica. Ele não exige a aplicação da lei charia, ou do direito islâmico. 

Historicamente, seus líderes tem negado que são islâmicos, preferindo ser reconhecidos como conservadores. Diferentemente da ala política da Irmandade Muçulmana do Egito, um grupo a que o AKP costuma ser comparado, muitas das suas legisladoras não usam véu. 

Um dos apoiadores mais notórios de Ergodan, Cem Kucuk, um comentarista sem rodeios, pediu inclusive que islamistas mais rigorosos fossem expulsos do partido. 

Eles “usam a religião para ganhar votos”, disse Jenny White, especialista nas mudanças do papel do islã e do secularismo na Turquia. “Mas eles não tem uma ideologia religiosa e teológica coerente.” 

O partido e a política da Turquia no geral são melhor vistos através de uma lente autoritária do que uma lente islâmica, disse White, autora de “Nacionalismo Muçulmano e os Novos Turcos” (“Muslim Nationalism and the New Turks”), um livro sobre identidade na Turquia contemporânea. 

“O AKP se trata de manter-se no poder – e seja o que for que eles precisarem fazer para se manter no poder, eles farão”, disse. 

Quaisquer outras tentativas de “islamizar” a sociedade turca provavelmente enfrentariam resistência, disse Oktem. Apesar do autoritarismo crescente de Erdogan, aproximadamente metade do país ainda votou contra os seus planos de dar mais poder a ele em um referendo recente. 

“A maioria dessas pessoas são aqueles que não acham que a religião deve ter um lugar tão central na sociedade”, disse Oktem. 

“A Turquia continua não sendo uma sociedade profundamente islâmica, e muito da visibilidade pública do islã não tem necessariamente uma base muito profunda”, acrescentou. 

Mas para Aydogan, o líder do sindicato de professores, a perspectiva do secularismo na educação já é sombria. 

Retirando a teoria da evolução do currículo, disse Aydogan, a Turquia é colocada no mesmo grupo que a ultraconservadora Arábia Saudita, onde a teoria é mencionada brevemente no currículo, mas veemente criticada.

Tradução: Andressa Muniz

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