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Dalton Precoma analisa o controle de colesterol e teve de alterar sua pesquisa para fugir da burocracia de importação. | Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Dalton Precoma analisa o controle de colesterol e teve de alterar sua pesquisa para fugir da burocracia de importação.| Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

INTERATIVIDADE

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Solução passa por ajustes na legislação

Uma solução definitiva para os entraves provocados pela burocracia é discutida há anos por pesquisadores, universidades e entidades ligadas à pesquisa científica, mas o problema está tão difuso em diferentes esferas e instituições que a categoria parece convencida de que aperfeiçoamentos em legislações específicas são o caminho mais viável.

Desde 2011 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que daria origem ao Código Nacional de Ciência e Tecnologia, que resolveria grande parte dos problemas dos pesquisadores. Contudo, a abrangência do documento faz com que o projeto seja visto como politicamente inviável pelos parlamentares, diz o pró-reitor da UFPR Edilson Silveira, envolvido na discussão da proposta.

Com isso, várias entidades, como a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), estão empenhadas na aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 290/2013, que cria o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que pode encurtar o caminho para a compra e a importação de materiais de pesquisa.

A proposta estava programada para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados em 25 de fevereiro, mas a votação foi adiada por falta de quórum. Ainda não há uma nova data para que a proposta seja votada.(JDL)

Poucas queixas

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alega, por nota, que tem cumprido os prazos legais para a liberação de material de pesquisa, que seriam de 24 horas. No entanto, diz a agência, não é possível manter o mesmo prazo quando a encomenda não está corretamente identificada como material de pesquisa. A nota da agência também diz que os cientistas não costumam reclamar diretamente ao órgão quando ocorrem problemas. "A Anvisa tem pouquíssimos questionamentos de pesquisadores sobre este assunto, normalmente são demandas que chegam pela imprensa", informa. A reportagem pediu um posicionamento da Receita Federal, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

"Toda a comunidade científica espera por mudanças na lei. Da maneira como está, o sistema de importação para ciência e tecnologia inviabiliza ou retarda as pesquisas, mesmo que tudo seja legalmente aprovado."

Paulo Broffman, cardiologista e presidente da Fundação Araucária.

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Ninguém escapa

Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

A burocracia em processos científicos é tão abrangente que mesmo pesquisadores que contribuem diretamente com órgãos de fiscalização se tornam vítimas. O presidente da Fundação Araucária, o cardiologista Paulo Broffman (foto), é integrante da câmara técnica da Anvisa e trabalha em um projeto encomendado pela agência. Para o desenvolvimento do projeto, foi preciso importar um tipo de soro animal usado no isolamento de células. O produto chegou a Curitiba em 2 de fevereiro, mas, pelo menos até o dia 25, ainda não havia chegado às mãos de Broffman. "O material está preso na Anvisa e eu não sei se ainda estará bom quando for liberado", reclama. Segundo ele, o material foi importado e autorizado outras vezes e, embora desta vez o atraso pareça maior, a espera é sempre longa.

Mesmo diante de tecnologias e processos logísticos que permitem que encomendas sejam feitas em poucos minutos e entregas cheguem em alguns dias, a demora imposta pela burocracia existente em várias esferas faz com que pesquisas universitárias sejam adiadas e até canceladas. Materiais importados, essenciais a parte dos estudos, levam pelo menos seis meses para chegar aos pesquisadores brasileiros.

Os longos prazos e o excesso de procedimentos para avançar estudos são entraves a serem contornados pelos pesquisadores, impedem o Brasil de ser cientificamente competitivo e comprometem avanços que trariam impacto na vida de toda a população, como o desenvolvimento de medicamentos mais acessíveis e eficazes. Embora instituições públicas sejam as mais prejudicadas, devido à obrigatoriedade de fazer licitações, até entidades privadas tornam-se reféns do emaranhado de entraves que esgotam recursos, tempo e a paciência dos pesquisadores.

O estudo sobre colesterol conduzido pelo professor Dalton Precoma, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), por exemplo, teve de ser adaptado a um plano B. A pesquisa dependia de um produto alemão que permite controlar o nível de colesterol em cobaias, mas, mesmo com recurso disponível, os prazos aduaneiros inviabilizaram a execução da pesquisa. "Aquele era o material ideal, mas a burocracia é tão grande na Receita Federal e na Anvisa que nós mudamos nossa linha de pesquisa para uma alternativa local", afirma.

Precoma destaca que esse contexto deixa pesquisadores nacionais como meros coadjuvantes no cenário internacional, já que estudos publicados e testados em vários países só se tornam viáveis no Brasil meses ou anos depois. A queixa se estende à falta de coerência entro os prazos exigidos pelas entidades financiadoras e o tempo de liberação das importações. "Enquanto alguns órgãos públicos emperram a vinda dos materiais, outras entidades, também públicas, como o CNPq e a Capes, não querem nem saber se a demora ocorre por culpa do próprio governo e são rigorosas no cumprimento de prazos."

Públicas

Pesquisas de universidades públicas têm obstáculos extras. A atual legislação não concede dispensa de licitação para pesquisas científicas quando o pedido parte de universidades. "Um processo licitatório normal leva de três meses a um ano para passar pelas etapas necessárias. Isso não é condizente com o tempo que nós, pesquisadores, temos para sermos competitivos em pesquisa", diz o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Edilson Silveira.

Na prática, o pedido de um produto usado no desenvolvimento de vacinas, por exemplo, percorre o mesmo caminho e enfrenta os mesmos prazos que uma solicitação de compra de tijolos.

Leis divergentes geram conflito de interpretação

Legislações conflitantes e interpretações diversas são os principais causadores da burocracia que trava pesquisas no Brasil, diz a diretora da Divisão de Importação da UFPR, Alba de Araújo. O departamento trabalha com cerca de 200 processos de importação por ano, dos quais 99% são dedicados à pesquisa. Alba reconhece que acelerar os processos é um desafio árduo, mesmo assim, na maioria das vezes, as entidades responsáveis pela morosidade estariam apenas cumprindo exigências legais.

Ela aponta a contradição entre duas legislações usadas em importações como grande complicadora dos processos. Enquanto a Lei 8.010/90, que trata da importação de bens destinados à pesquisa científica, autoriza a importação direta por instituições devidamente credenciadas pelo CNPq (categoria na qual estão as universidades públicas), a Lei de Licitações – 8.666/93 – não dispensa as universidades públicas de processos licitatórios quando recursos próprios são usados.

"A burocracia começa dentro da própria instituição porque os responsáveis por aprovações ficam reféns da uma legislação conflitante", diz Alba. É comum, por exemplo, que os departamentos responsáveis pela apreciação jurídica de um pedido de compra de material peçam três orçamentos ao pesquisador, como ocorre com qualquer outra compra da universidade.

No entanto, quando se trata de ciência, muitas vezes essa regra nem sempre é aplicável, sob o risco de comprometer resultados, lembra o professor Edilson Silveira. "Usando esse procedimento, eu não posso garantir a qualidade [da pesquisa] com um material mais barato e acessível, comparado àquele que realmente atende à necessidade da pesquisa", destaca.

Alfândega

A subjetividade das interpretações também emperra a liberação de encomendas pela Receita Federal. Embora a Constituição proíba a cobrança de imposto sobre imposto por parte da União, estados e municípios, na interpretação de alguns fiscais, material importado de pesquisa científica não estaria enquadrado como renda, patrimônio ou serviço, portanto, deveria ser tarifado.

A classificação tarifária é outra fonte de impasses, diz Alba, pois, quando há divergência de interpretação entre Receita Federal e universidade quanto ao tipo de uma mercadoria, muitas vezes, por minúcias técnicas, a universidade é multada.

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