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O professor Cezar Bueno defende que, sem uma ideologia de vida, manifestações atuais caminham em direção a pequenas causas e pautas corporativas. | Antônio More / Gazeta do Povo
O professor Cezar Bueno defende que, sem uma ideologia de vida, manifestações atuais caminham em direção a pequenas causas e pautas corporativas.| Foto: Antônio More / Gazeta do Povo

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Venha dar a sua opinião sobre o tema "Liberdade ou intolerância", que norteará o próximo Papo Universitário, no dia 18, no Teatro Paiol, em Curitiba. A primeira edição de 2014 colocará no centro do debate as constantes queixas e mobilizações que ganharam força no Brasil após junho de 2013. Tá certo reclamar ou é só mimimi? A internet funciona mais como um palanque para quem quer protestar ou um ringue para combate de ideias? Até onde vai o nosso direito? Esses são os assuntos do encontro promovido pela Gazeta do Povo. As inscrições são gratuitas e serão abertas no site do jornal nesta semana. Participe!

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Engajamento virtual não se concretiza

Antônio More / Gazeta do Povo

Apesar dos poucos resultados efetivos dos protestos recentes, quem analisa a realidade brasileira com base nas manifestações em redes sociais imagina um país fervilhado de agitação social. A distância entre o número de pessoas que protesta na internet daquelas que fazem algo concreto é uma das reclamações mais recorrentes entre os que esperavam manifestações mais duradouras e mudanças eficazes.

"O problema é que é fácil reclamar deitado na cama, debaixo de cobertor, num lugar confortável", resume o universitário Luciano Marcel Semprebom. Para ele, sua geração reclama bastante e sobre temas variados, mas são poucos os que resolvem ir além da expressão de suas angústias.

Gerações

Já o professor Luís Lopes Diniz Filho, do Departamento de Geografia da UFPR, afirma ser impossível dizer se esta geração de estudantes reclama mais que a anterior, embora seja menos engajada. Para ele, a internet simplesmente deixou mais fácil a publicação de descontentamentos, possibilidade com a qual os universitários do passado não contavam.

"Quando houve uma grande greve de professores na USP, no meio da minha graduação, os alunos que não participavam da política estudantil e nem de partidos falavam contra a greve em conversas informais, já que não iam às assembleias. Hoje, é possível tornar conhecidas as reclamações de todo tipo com uns poucos cliques. Sem sair de casa", diz Diniz. (JDL)

Depois das manifestações que inundaram de gente as ruas do país, em junho de 2013, protestos menores por temas diversos ganharam visibilidade e continuam a fazer parte da pauta do dia. As mobilizações de hoje cativam muitos jovens e comparações inevitáveis com protestos do passado levam analistas a concluir que as razões de outros tempos não servem para sustentar manifestações atuais. Causas imateriais, como democracia ou ética na política, rendem muitos posts nas redes sociais, mas não empolgam lutas consistentes por longos períodos.

A relativa desilusão com esse cenário é relatada por Luciano Marcel Semprebom, 21 anos, acadêmico de Administração na UFPR. Ele participa de protestos desde o ensino médio e compareceu às convocações de junho, mas reconhece que o resultado não foi o que esperava. O motivo disso, segundo ele, se deve em grande parte à ocupação dos protestos por grupos violentos ou que comparecem aos atos por mero gosto pela agitação. "Sempre existirão os dois lados: os que apenas entram na onda e os que realmente sabem o motivo pelo qual estão nas ruas", diz o estudante.

Quase dez meses após o início dos protestos, Semprebom acrescenta que a essa altura esperava mudanças mais significativas. "Fizemos tanto barulho e acabou. Não deu em nada", lamenta.

Outros tempos

Para o professor de Ciências Sociais da PUCPR Cezar Bueno, a dificuldade em manter manifestações consistentes com base em valores cívicos está no contexto histórico distinto vivido por gerações anteriores, como o dos envolvidos com as Diretas Já. Segundo ele, o interesse menor por grandes temas sociais ou culturais, outrora tão mobilizadores, está associado ao relativo desenvolvimento econômico, democracia política e liberdade de manifestação dos quais o país desfruta hoje. "Sem uma ideologia para viver e uma grande bandeira para defender, o foco e terreno das manifestações atuais vão em direção às pequenas coisas e pautas corporativas", afirma Bueno.

O professor explica que, em um passado recente, o mundo pós-guerra – politicamente polarizado entre o capitalismo e o socialismo – motivou o engajamento da juventude. Soma-se a isso a repressão militar vivida no país, que deu origem a um movimento estudantil bastante combativo, preocupado com temas que iam desde o risco de uma terceira guerra mundial até o fortalecimento da democracia.

Entre os atuais manifestantes, no entanto, há quem não veja no romantismo dos protestos do passado a única forma efetiva de transformação política. O estudante de Direito na UFPR Sandro Vieira dos Santos, por exemplo, não sente falta do que chama de "panfletarismo" de outros tempos. Ele defende que não é preciso estar filiado a um partido político para interferir na realidade. "Basta compararmos o número de filiados e o número de jovens que se engajam em projetos sociais."

História

Confira importantes momentos da história brasileira na qual a mobilização estudantil fez a diferença:

Resistência à ditadura (1964 a 1984)

Com a instauração do Regime Militar, a classe estudantil tomou a frente em manifestações de oposição à ditadura mesmo tendo de enfrentar violentas repressões. Reuniões secretas, jornais clandestinos e músicas com letras politizadas moldaram uma cultura de protesto próxima a partidos de esquerda, tendência que resiste ainda hoje em muitos centros acadêmicos.

Diretas Já (1983 e 1984)

Com a abertura do Regime Militar à liberdade política, novos partidos foram criados e o movimento estudantil aproveitou a oportunidade para pedir avanços mais significativos, como o retorno das eleições diretas para a Presidência da República. Grandes comícios marcaram a época, sendo que boa parte da multidão presente nos atos públicos era formada por estudantes. Na ocasião, o Congresso definiu que as eleições de 1989 seriam diretas.

Caras-pintadas (1992)

Estudantes voltaram às ruas para protestar contra os problemas econômicas do país e a corrupção no governo de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito desde a redemocratização. Com rostos cobertos de tinta, os jovens ganharam o apelido de caras-pintadas e os protestos se espalharam por várias cidades do país, resultando na cassação do mandato do presidente.

Junho de 2013

Iniciado como um protesto local, contra o aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, milhares de pessoas foram às ruas em várias localidades do país e passaram a reclamar de problemas variados, desde o abuso policial até os gastos exorbitantes com os preparativos para a Copa do Mundo. A participação de vândalos nesses atos acaba por afastar manifestantes pacíficos, que temem a violência gerada pelos conflitos entre os chamados black blocks e a polícia.

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