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“As pessoas estão em pânico no Rio. Isso não chegou ainda em Curitiba. Eu não acho que seja uma cidade violenta. Sei que os índices são violentos. Sei que a periferia tem violência. Aqui as pessoas andam no centro, é mais aquela coisa de sinal, e mais na periferia.” | Antônio More/ Gazeta do Povo
“As pessoas estão em pânico no Rio. Isso não chegou ainda em Curitiba. Eu não acho que seja uma cidade violenta. Sei que os índices são violentos. Sei que a periferia tem violência. Aqui as pessoas andam no centro, é mais aquela coisa de sinal, e mais na periferia.”| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

Ele é carioca, conhece a realidade violenta do Rio de Janeiro, mora em Curitiba e detesta o famoso autofagismo curitibano. Alexandre Menezes, o Xandão, guitarrista da banda O Rappa, reside em uma casa no bairro Santa Cândida há nove anos com a família. "Parece que Curitiba é um fardo enorme para o curitibano", avalia. Xandão veio da capital fluminense para o Paraná em uma fuga da rotineira troca de tiros das ruas cariocas. Defensor ferrenho de Curitiba, o músico está entrosado com a cidade e, sobretudo, com as dificuldades na área de segurança. "O problema está crescendo e está aos olhos pelos números. Porém, ainda não é uma cidade em estado de medo", explica.

Xandão acredita que a segurança na cidade tem solução simples. O guitarrista recebeu a reportagem da Gazeta do Povo em seu estúdio, no bairro Cabral, para um bate-papo sobre violência e o envolvimento da banda em ações sociais. "Não adianta mais na sociedade moderna esperar que os eleitos tomem conta de tudo sozinhos".

Por que você veio morar em Curitiba?

Vim em razão do meu casamento e da violência (no Rio de Ja­­neiro). Sou casado com uma curitibana. Eu vivi uma situação com a minha esposa no Rio e com a minha filha, que tinha 1 ano de idade na época. A gente ficou preso no trânsito, na Linha Vermelha, e começou um tiroteio entre favelas. A minha mu­­lher se desesperou. Se jogou em cima da minha filha. Decidi que aquela era a hora de meter o pé.

Qual foi a primeira impressão da cidade e dos moradores?

Quando vim para cá parecia que a cidade era muito cultural e dinâmica. E percebi que não é nada disso. Tem mais teatro, mas sem aquela coisa de rua. Vejo o curitibano reclamando muito. Parece que Curitiba é um fardo enorme pro curitibano. Eu venho de fora e adoro a cidade. Você vê o ônibus de turismo aqui lotado o tempo todo. Fim de semana, tem uma fila gigante na frente da Ópera de Arame. As pessoas têm de entender que o que temos de melhor é para vender para os outros. A prefeitura deveria fazer um grande projeto em relação a isso para conscientizar as pessoas. Por mim, colocaria na Rua XV uma pista de esqui do começo ao fim no inverno, fazendo um torneio downhill internacional.

Como você percebeu a questão da violência em Curitiba e entre os curitibanos?

Eu não posso mentir. A cidade não é violenta. No Rio de Janeiro, se você vê um policial, uma blitz, você se mija todo. Você não sabe se é policial ou bandido. Isso pra mim é estado de violência, que transcende a coisa da arma. É uma situação de opressão, medo. As pessoas estão em pânico no Rio. Isso não chegou ainda em Curitiba. Eu não acho que seja uma cidade violenta. Sei que os índices são violentos. Sei que a periferia tem violência. Aqui as pessoas andam no centro, é mais aquela coisa de sinal, e mais na periferia.

Mas o que aconteceu no Rio?

O Rio tem a situação de uma cidade que convive com a violência há muitos anos. Na época do (Leonel) Brizola, ele não deixou mais a polícia subir o morro. Claro, a polícia não podia subir lá metendo o dedo, achando que todo mundo ali era bandido. Porém, aqueles 5% da população que era bandida, depois que a polícia não subiu mais, se transformou em uma facção muito bem armada. Eu já subi quase todos os morros do Rio, já fiz vários projetos lá. Chegava ao ponto de ver até 200 homens armados.

O que é necessário para não chegar neste estado de pânico?

É perceber antes o que pode acontecer e a sociedade se mexer. A população tem de se colocar. Educação. Sempre nos envolvemos com projetos sociais dentro das periferias. Começamos a tirar a mão de obra do tráfico. Eles (os traficantes) não são imbecis. O dono da boca olha você nos olhos e diz: eu não quero essa vida para o meu filho, leva ele com você para o projeto. Por isso ele deixa você entrar, educando os moleques. Isso é importante para exemplificar para os meninos. Nem o traficante quer que o filho dele entre nessa.

O Paraná ainda está carente de projetos sociais dentro das áreas de periferia?

Não vou dizer que está carente, porque não sei o que existe. Mas não há melhor hora para essa mobilização. O problema está crescendo e está saltando aos olhos pelos números. Uma vez fui parado pela polícia aqui. Era uma operação para ver documento. Eu disse "muito obrigado por me parar" e elogiei. Nunca vi um policial tão bem alinhado, sem um amassado na calça, educado. Já passei por isso em outros lugares e os policiais parecem bandidos. Acho que a sociedade curitibana ainda está estruturada. Ainda existe a coisa do "muito obrigado", "por favor", gentileza. Claro que os policiais que estão em situação de conflito nas periferias são mais duros. No entanto, não se pode abandonar a cidade como se fosse uma guerra vencida. Me assombra muito acharem que aqui é extremamente violento. Eu não acho.

Que tipos de projetos se encaixariam na nossa realidade?

A Fundação Cultural me procurou querendo que o Rappa viesse fazer um show nos 30 anos do projeto Oficina de Música, que acontece todo mês de janeiro em Curitiba. A gente ficou honrado. A relevância de ser lembrado é fantástica. Só que eu não gostaria de ser chamado só para tocar, mas para criar algo mais consistente aqui. Em Curitiba há várias regionais (da prefeitura). Pega a regional e faz inclusão desses moleques nas aulas de música. Como foi o início do envolvimento do Rappa com as ações sociais?

Foi muito natural. No primeiro disco, fomos fazer um DVD. E o pessoal do Afroreggae estava começando com um projeto em Vigário Geral (favela na Zona Norte do Rio de Janeiro). A gente não tinha um cenário. Tinha acabado de ocorrer a chacina de Vigário Geral, em que morreram mais de 20 pessoas. E resolvemos fazer tudo por lá. Perguntaram se queríamos montar nosso show num palquinho de cimento lá para a comunidade. Depois a molecada iria lá conhecer os instrumentos. Na semana seguinte, a gente fez o troço. E foi muito moleque. Um dos que estavam lá é o baterista da banda hoje.

Como foi ver um verso da música "Minha Alma" como nome da campanha contra a violência "Paz Sem Voz é Medo", do Gru­po Paranaense de Comu­nicação (GRPCom)?

Eu fiquei envaidecido. É uma frase muito importante. Ela diz muita coisa. O principal é chamar a sociedade para discussão. Não adianta mais na sociedade moderna esperar que os eleitos tomem conta de tudo sozinhos. A felicidade dessa frase é esse convite a discutir. É uma frase tão bacana que os jovens todos conhecem, porque é de uma música importante. O link é direto. E os mais velhos vão começar a perceber.

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