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Funcionário do governo há 23 anos, seu Geraldo assistiu à transformação do prédio em Palácio das Araucárias | Arquivo/Geraldo dos Santos
Funcionário do governo há 23 anos, seu Geraldo assistiu à transformação do prédio em Palácio das Araucárias| Foto: Arquivo/Geraldo dos Santos

Ele já foi chamado de "Esqueleto", de "Elefante Branco" e até de "Castelo Mal Assombrado". Hoje, possui um nome oficial, mais solene e nobre: é o Palácio das Araucárias. Localizado no Centro Cívico de Curitiba, o edifício permaneceu, por muitos anos, invisível aos olhos das autoridades. Mas, esse descaso não se refletiu nas atitudes dos curitibanos. Eles nunca deixaram de olhar para a estrutura inacabada. De aparência inóspita, o prédio também abrigava vidas.

O terreno do Palácio foi espaço das brincadeiras de criança de Irani Weinhardt, moradora do bairro há 61 anos. A praça Nossa Senhora da Salete, local onde estão localizados os prédios do governo, era a extensão da casa de dona Irani. "Tinha muito barro, capim alto e aquela flor marrom na ponta, de brejo mesmo." Ali ela andava de bicicleta, caçava rã com os primos e dividia o espaço com animais de circo quando o picadeiro fazia a alegria das crianças na cidade. A base do Palácio das Araucárias era o seu quintal. E, como diria o escritor israelense Amós Oz, "há mais verdade no quintal do que no jardim da frente".

Ela assistiu a construção do Palácio Iguaçu, Prefeitura e demais órgãos localizados no Centro Cívico. Mas foi só na década de 1980, durante o mandato do ex-governador Álvaro Dias, que o prédio começou a ganhar forma. O projeto inicial previa que o edifício abrigasse as instalações do Tribunal de Justiça, o que nunca se concretizou.

A parte estrutural já estava concluída quando a construção foi paralisada por problemas técnicos. "Não era uma obra bem feita, tanto que o governo na época a embargou. Era má execução mesmo", explica Celso Martins, engenheiro civil da empresa responsável pela recuperação da obra. Entre os problemas encontrados por ele estavam pisos desnivelados e estrutura comprometida.

Dona Irani relembra os comentários sobre a condenação do edifício: "Diziam que se soltasse uma bolinha, ela corria para o outro lado do prédio".

O abandono era alvo de protestos. "Tinham manifestações em que eles colocavam pano preto em volta pra dizer que a justiça estava de luto", conta Irani. Esses episódios não surtiram efeito, pois o prédio ficou vazio por quase duas décadas. Foi nesse período que ele ganhou os apelidos de Esqueleto e Castelo Mal Assombrado.

Pântano de supertições

"Teve gente que morreu ali. Tinha mendigo, pessoal da rua e drogados. Eles faziam festas e aconteceu da polícia até encontrar mortos no prédio", conta seu Geraldo dos Santos, garçom do gabinete do governador. Há 23 anos, o Centro Cívico é seu local de trabalho. No Palácio das Araucárias, seu Geraldo serviu aos ex-governadores Roberto Requião e Orlando Pessutti, além do atual Beto Richa.

Há relatos de que dezenas de mortes tenham acontecido no local, entre suicídios, acertos de contas e acidentes. Na época, esses fatos alimentaram boatos de que ali seria um "Castelo Mal Assombrado". Histórias que perderam força com o passar dos anos. "Fiquei ali várias noites, mas nunca vi assombração não. Aquele lugar era meio sombrio. Cheguei várias vezes meia-noite, uma hora da manhã, mas nem pensava nisso. Se pensasse, não entrava", conta aos risos seu Geraldo.

O prédio abandonado não foi apenas palco de dramas pessoais. Sua estrutura também foi cenário da luta pela reforma agrária.

Um pedaço de terra, por favor

Pés de milho, alface, trigo dividiam espaço com barracas de lona na praça Nossa Senhora da Salete. Em 8 de junho de 1999, os sem-terra foram protagonistas da mais longa manifestação no Centro Cívico. Foram 172 dias de protesto, que tinha como principal reivindicação a reforma agrária no estado. "Eles eram organizados, não incomodavam nada. Plantavam ‘uns pezão’ de alface. Era até bonito de ver", relembra seu Geraldo. "Eles fizeram uma padaria aqui na praça e, no fim da tarde, sempre tinha pão quentinho. Todo mundo comprava", conta Mauro Hamilton Mensur, auxiliar técnico da Casa Civil.

O quintal da infância de Dona Irani era naquele momento o lar de outras tantas crianças que acompanhavam a luta dos pais. "Durante a ocupação, os sem-terra criaram uma escola ali no esqueleto, no primeiro e no segundo andar. Eram escolas com carteiras de madeira para as crianças", afirma Irani.

A escola atendia em torno de cem crianças, em período integral, de 1ª à 4ª série, além da pré-escola. Existiam no assentamento 25 professores, três deles com curso superior. Lonas foram colocadas nas laterais do prédio abandonado para torná-lo mais confortável e livre da umidade do acampamento.

O inverno castigava as crianças e militantes do MST causando problemas respiratórios e resfriados. A chuva molhou colchões, cobertores e roupas dos quase 1.500 manifestantes, instalados no Centro Cívico. A opção encontrada por eles foi procurar abrigo no Esqueleto.

Na madrugada do dia 27 de novembro, a polícia cercou o local e retirou todos os manifestantes. Quarenta ônibus reconduziram os sem-terra às suas cidades de origem, em diversas regiões do Paraná. Dona Irani descreve a cena vista pela janela do banheiro. "Eu fiquei olhando. Lógico que estava com medo, mas a curiosidade é muita, né? Muita polícia, aquelas luzes, cachorro, fogos para iluminar. Eu ouvia tiros, não sei se era de festim ou não. Eles se esconderam no Elefante Branco que estava abandonado. A ação levou horas, foi até amanhecer".

Com a saída do MST, o local voltou ao abandono. Ele permaneceu vazio até 2004, quando o então governador Roberto Requião fechou acordo com o Tribunal de Justiça e o prédio foi cedido ao governo do estado. Com a retomada das obras, o edifício foi batizado de Palácio das Araucárias.

Vida e poder ao Palácio

Por problemas estruturais, iniciou-se o desmonte dos quatro pavimentos superiores do prédio. Esta foi a primeira etapa da reforma que duraria cerca de dois anos. Neste período, um acidente de trabalho tirou a vida de um operário e feriu outro. Foram removidos sete mil metros quadrados de lage.

Em seguida, uma nova empresa assumiu a obra. "Fizemos uma revitalização na base. Foi feito um reforço estrutural das vigas, lages, pilares e inclusive novas fundações", explica Celso Martins, engenheiro responsável pela revitalização do edifício.

Depois de duas décadas de abandono, o Esqueleto ganhou órgãos e transformou-se, provisoriamente, no principal corpo do Poder Executivo do Paraná. O governador, seus assessores e as principais secretarias mudaram para o edifício, enquanto o prédio oficial, o Palácio Iguaçu, era reformado. O Palácio das Araucárias foi sede do governo entre 2007 e 25 de janeiro de 2012.

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