Inaugurada em novembro de 1975, a primeira loja do Kharina, no Jardim Botânico, foi baseada nos drive-ins dos filmes norte-americanos. | Arquivo/Divulgação
Inaugurada em novembro de 1975, a primeira loja do Kharina, no Jardim Botânico, foi baseada nos drive-ins dos filmes norte-americanos.| Foto: Arquivo/Divulgação

Nem só de saudade é feita a história de Curitiba. Ao longo dos seus 325 anos, inúmeras lojas e empreendimentos ajudaram a construir a identidade que a capital paranaense tem hoje. Alguns ícones presentes na memória da cidade sobreviveram ao tempo e continuam vivos, resistindo às crises econômicas do país e à concorrência das grandes redes internacionais. Eles provam que a combinação de gestão moderna e qualidade no atendimento são fatores essenciais para preservar as marcas curitibanas – sejam elas natas ou por convicção e vínculo com a população, como, aliás, acontece com boa parte dos moradores da cidade. 

O diretor da BrasilSul Propriedade Intelectual, Vasco Coelho Pereira, afirma que “não há nada mais curitibano do que cantar e contar as curitibanices que resgatam a memória afetiva da população e recontam um pouco da história da cidade”, numa referência ao escritor russo Leon Tolstói, que dizia “se queres ser universal, começa por cantar a tua aldeia”

Segundo ele, preservar essas curiosidades é resgatar um pouco da rivalidade entre os Natais da Hermes Macedo e do Prosdócimo, das alianças compradas na Bergerson ou na Big Ben e dos cafés das confeitarias Schaffer e das Famílias. “Essa é uma lição que o curitibano adora praticar”, brinca o diretor, que trabalha com o registro de marcas há 36 anos e está elaborando um livro sobre essas histórias. Ele afirma que se trata muito mais do que seu trabalho diário, mas algo que se tornou seu hobbie. 

Vasco fala que mexer com as marcas é reviver um pouco da cidade e resgatar a sua história e daqueles que a viveram. Todas as vezes que comenta sobre seu projeto, incorpora novidades e impressões ao seu arquivo pessoal, guardado carinhosamente com anotações. A gastronomia de Curitiba, destaca o empresário, merece destaque. 

“Há alguns locais que você comenta e as pessoas lembram do sabor, do cheiro da comida”, enfatiza. 

É o caso do pernil do Bar Triângulo, da pizza de queijo da Cracóvia com a vitamina no Acrópole ou o cheiro de fumaça misturado a tempero presente no Bar Palácio. “Tem gente que me disse que nunca havia provado a carne do Bar Palácio, mas adorava aquele cheiro”, diverte-se. 

Comércio ambulante 

Mas se alguns desses locais hoje fazem parte da memória, vários outros se reinventaram e sobreviveram à globalização. 

Passar no Au Au ou no Kharina para matar a fome depois da balada está entre os principais roteiros em Curitiba há mais de 40 anos. No Au Au, é possível encontrar o ex-jogador Alex e toda a sua família, que vão com frequência à loja da Rua Carlos de Carvalho, no Batel. Famoso no Coritiba e também nos gramados da Turquia, o boleiro é fãs do cardápio da lanchonete, que está no mesmo endereço desde a data da inauguração da loja, na década de 70. 

Primeiro modelo de carrinho da rede Au-Au Arquivo/Divulgação

Celebridades musicais como Zezé Di Camargo, Júnior (irmão da Sandy) e a dupla Anavitória também frequentam o Au Au quando estão em Curitiba. Mais discretos, porém, costumam fazer os pedidos dentro do carro para não causar alvoroço entre os fãs. 

A rede, que hoje conta com nove lojas próprias em Curitiba e no litoral do estado, ficou famosa na cidade a partir de 1974, em função dos carrinhos de cachorro-quente espalhados em vários locais e que se tornaram referência para os baladeiros da época. A ideia do radialista Luiz Gonzaga Brecailo, fundador da rede, foi baseada nos famosos “podrões” cariocas, como são conhecidos até hoje os trailers que vendem lanche nas ruas do Rio de Janeiro, modelo até então inédito no Paraná. 

Rede ampliou e hoje serve saladas, lanches integrais, massas e risotos Divulgação

O empresário César Brecailo – que hoje comanda a rede ao lado do irmão, Fábio –, afirma que, para sobreviver por 44 anos em um mercado tão competitivo e cheio de novidades, foi necessário atualização diária e a busca permanente pela qualidade. O cardápio, constantemente aprimorado, hoje oferece muito mais do que os tradicionais “hot dogs com duas vinas”. Saladas, lanches integrais, massas e risotos são algumas das opções. “O objetivo é que a população possa vir ao Au Au a qualquer hora”, destaca César. 

Drive-in curitibano

No Kharina, empresa do mesmo segmento do Au Au que foi fundada na década de 70, as celebridades também sempre estiveram presentes, inclusive do lado interno do balcão. Muitos clientes nem imaginam, mas podem ter sido atendidos pelo lutador de UFC Anderson Silva, que foi funcionário da rede entre 1991 e 1993, quando tinha apenas 16 anos. 

Lutador de UFC Anderson Silva foi funcionário da rede entre 1991 e 1993, quando tinha apenas 16 anos Arquivo/Divulgalção

Inaugurada em novembro de 1975, a primeira loja do Kharina, no Jardim Botânico, foi baseada nos drive-ins dos filmes norte-americanos. 

“O cardápio era bem diferente de hoje, o atendimento era feito no balcão e o forte da casa era o cachorro quente com purê”, relembra o empresário Rachid Cury. 

A segunda loja da rede, na Bispo Dom José – primeiro endereço no Batel, que depois se transferiu para a esquina com a Rua Coronel Dulcídio –, foi inaugurada somente no início da década de 80 e veio consolidar o clima de paquera que predominava em toda a extensão da Avenida do Batel já naquela época. 

Com cinco lojas próprias e com três unidades programadas para serem inauguradas ainda este ano em São Paulo, Cury afirma que o segredo para a sobrevivência do Kharina foi a adaptação às exigências do público curitibano. “Fomos incrementando novas opções no cardápio e sempre mantivemos um rigoroso controle de qualidade em toda a rede”, afirma o empresário. 

Segredo para a sobrevivência do Kharina foi a adaptação às exigências do público curitibanoAmarildo henningDivulgação

Protocolo imperial 

Mas além das exigências do público local, os clientes de fora de Curitiba também servem de termômetro para os empreendimentos que se estabeleceram na cidade. Pelo Bourbon Curitiba Convention Hotel, no Centro de Curitiba, por exemplo, já passaram reis, imperadores e grandes nomes do cinema e da música mundial. 

É o caso do imperador japonês Akihito e sua mulher Michiko, o Rei Carlos e Rainha Silvia da Suécia, o diretor de cinema Francis Ford Coppola, cantores como BB King, Elton John, Seal, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Ivete Sangalo são apenas alguns dos hóspedes ilustres. 

A visita do imperador japonês Akihito e sua mulher Michiko a Curitiba em 1997 foi um dos momentos que mais marcaram a rede de hotéis Bourbon Orlando Kissner/SMCS

No caso da visita do casal imperial japonês, em 1997, o cerimonial do imperador apresentava um grande protocolo e diversas exigências para todos aqueles que estariam, de alguma forma, em contato com eles – dos repórteres que fariam a cobertura da visita aos anfitriões que os receberam, como prefeito e governador. 

Para o hotel, entre as exigências registradas pelos jornais da época, estavam questões como andar exclusivo ao casal imperial, além de diversos andares ocupados somente por integrantes da comitiva do imperador. O presidente do Bourbon Hotéis & Resorts, Alceu Vezozzo Filho, lembra que a rede nasceu em Londrina, em 1963, e apenas 25 anos depois chegou a Curitiba. Entretanto, Vezozzo salienta o forte vínculo com a capital paranaense. 

Pelo Hotel Bourbon já passaram grandes nomes do cinema e da música mundial. Divulgação

“Curitiba é uma cidade especial, exigente. Para o Bourbon, foi um passaporte para qualificar ainda mais a rede de hotéis e almejar sonhos maiores”, enfatiza o empresário, que é filho do fundador da rede, Alceu Vezozzo, ainda na ativa.