Programa de inovação em saúde tem conexão com as mudanças de aprendizagem adotadas nos últimos tempos. | Shutterstock
Programa de inovação em saúde tem conexão com as mudanças de aprendizagem adotadas nos últimos tempos.| Foto: Shutterstock

Uma queixa recorrente em relação às universidades brasileiras diz respeito a uma certa “desconexão” com a sociedade. Nossos cientistas e pesquisadores são muito respeitados, seus trabalhos figuram nas principais publicações científicas do planeta, mas com frequência essas ideias não chegam ao dia a dia das pessoas. “No Brasil, os poucos recursos para a ciência normalmente vão para centros de pesquisa linkados às universidades, mas muitas vezes elas estão desconectadas da realidade. Para muitos pesquisadores brasileiros, um paper [trabalho incluído numa publicação científica de renome] tem mais importância do que a patente de um produto ou seu impacto na sociedade”, critica Paulo Henrique Fraccaro, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos (Abimo).

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E é precisamente essa maior sinergia com a comunidade, contribuindo para identificar e resolver seus problemas reais, o maior legado do hiPUC – programa de inovação em saúde desenvolvido em parceria com professores e egressos mentores e egressos do Programa de Inovação em Tecnologias Médicas (Biodesign), da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, cuja fase Bootcamp se encerra no próximo dia 15. “Tive a oportunidade de participar como tutor de pessoas de diferentes áreas que estiveram no hospital, vivendo o dia a dia da atividade clínica, em contato com os problemas e dificuldades da nossa rotina”, observa Roberto Pecoits, nefrologista da Escola de Medicina da PUCPR e um dos mentores do programa. “O profissional médico não é treinado para resolver os desafios que não sejam diretamente ligados à nossa área – principalmente os de tecnologia. Mas, ao mesmo tempo, nós que estamos no front temos a noção exata das demandas. O impacto de um programa executado de maneira intensiva é sensacional, porque põe pessoas acostumadas a resolver problemas de tecnologia, engenharia, design e outras áreas em contato com o profissional que lida com essas necessidades no mundo real. É um modelo fantástico!”.

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Ele também chama a atenção para o fato de o programa ser desenhado para criar soluções às demandas locais – embora possam ter alcance global. “Na Medicina, ainda dependemos muito da tecnologia e do conhecimento produzido fora. Este é um passo importante para ajudar a encontrar soluções customizadas e criar tecnologias e informações que possam ser desenvolvidas aqui, com reflexos nas patentes e direitos autorais. Será um ganho enorme na geração de riqueza”, considera.

O nefrologista acrescenta que o programa está perfeitamente alinhado às estratégias já adotadas pela PUCPR: “Temos o substrato para tudo isso: uma Escola de Medicina atuante, massa crítica, um programa de pós-graduação bastante sólido, acesso aos hospitais, outras áreas que dão suporte ao desenvolvimento de tecnologias, como engenharias e design, e ainda uma Agência de Inovação com uma aceleradora para viabilização de empreendimentos… temos tudo para expandir o programa e fazer da cidade um polo de inovação em saúde e de formação de empreendedores”, destaca.

Pró-reitor de Graduação da universidade, Vidal Martins concorda: “Esta é mais uma iniciativa que tem conexão total com os processos de mudança de aprendizagem que temos implementado”, destaca. “E não é uma mudança em um professor, uma equipe ou um núcleo. A proposta é fazer a transformação na universidade como um todo. E, com relação ao programa, ano que vem vamos fazer novamente, não é uma ação isolada. A tendência é que ganhe corpo e contribua efetivamente para um ecossistema de inovação em saúde em torno da universidade, com todos os seus desdobramentos na comunidade. É um projeto sustentável e permanente.”

E com reflexos em outras partes do mundo. CEO da Tissue Regenix, empresa que licenciou a tecnologia das válvulas cardíacas descelularizadas na Europa, o britânico Antony Odell considera a iniciativa importante para “ampliar a rede de contatos para promover a inovação, permitindo que pessoas de diferentes países possam trabalhar juntas”: “Temos trabalhado com a PUCPR há mais de 5 anos e tem sido uma troca muito boa de conhecimentos. Torcemos para que esse projeto prossiga por muito tempo”, conclui.

Serviço: Saiba mais sobre o hiPUC no site www.hipuc.com

Mentores de Stanford estão otimistas

Os mentores estrangeiros do hiPUC se mostraram bastante satisfeitos com o projeto: “Nosso objetivo é tornar o evento permanente na universidade, e esta é uma grande forma de começar. Vejo que vocês têm todos os ingredientes necessários, e está sendo muito bom trabalhar aqui. Essa metodologia, em que o aluno passa um tempo na universidade e então faz um serviço para a sociedade é uma forma muito boa de aprendizado. Quando as universidades reconhecerem esse valor, isso durará para sempre”, analisa o médico Eric Sokol, professor associado, inventor e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford. “Os resultados virão com o tempo, e não necessariamente estarão ligados a fazer dinheiro. O sucesso também pode estar relacionado a criar um ambiente melhor para a saúde e fazer as pessoas mais felizes.”

O americano Ravi Pamnani, egresso do programa Biodesign de Stanford e diretor de Marketing e Relacionamento Médico da Transcend Medical, destaca que “há grandes oportunidades a explorar” em Curitiba a partir do programa, mas que o principal nem são as soluções que vão surgir nesta primeira etapa: “O principal objetivo é desenvolver uma ideia. Esperamos que o maior produto do hiPUC Bootcamp sejam os próprios participantes. Se eles saírem daqui e disseminarem o conteúdo de alguma forma, já estamos felizes”.

Ravi não acha que Curitiba deva perseguir o objetivo de ser o “Vale do Silício brasileiro” em inovação médica. “Ao invés de ser o segundo Silicon Valley, a cidade deve ser o primeiro ‘Curitiba Valley’. Replicamos aqui o que aprendemos lá, mas excluindo o que não tem a ver com a realidade brasileira e adicionando o que pode dar certo aqui. Claro que duas semanas é muito pouco, mas com essas ideias sendo repetidas ano a ano, podemos criar um polo”, acredita.

Para o oftalmologista Robert Chang, outro mentor e palestrante do Centro para Inovação em Saúde Global da Universidade de Stanford, este é apenas o primeiro passo. “Cuidar da inovação é um grande desafio. Temos que começar aos poucos. Curitiba é uma cidade diferenciada, os participantes são empolgados e os mentores muito competentes. É bom estarmos fazendo isso aqui, pois é necessário mostrar e falar sobre isso para as próximas gerações de aventureiros”, avalia. “Mas é apenas o começo. Temos que fazer o programa várias vezes, com disciplina, competência e perseverança. Esse é o segredo do sucesso.”

E dá um último conselho: “Precisamos ensiná-los a criar novas soluções, sem que sejam necessariamente tecnológicas. Temos que ensinar o básico, a perceber as necessidades e criar confiança. Nosso objetivo é criar um movimento, elaborar projetos, dispositivos e soluções de saúde e melhorar a vida das pessoas”.