A criadora da Casa Sambambaia, Bruna Castro: “abrir sua casa para outras pessoas é quase um ato rebelde com carinho”. | Divulgação 
A criadora da Casa Sambambaia, Bruna Castro: “abrir sua casa para outras pessoas é quase um ato rebelde com carinho”.| Foto: Divulgação 

“As casas dizem muito sobre nós, pois nossa identidade também é formada a partir dos espaços. Se hoje cada vez mais pessoas abrem suas portas, é um bom sinal. Vivemos em um mundo solitário em que somos ensinados a conquistar, merecer, acumular e ter medo de que alguém nos roube. Acredito que abrir sua casa para outras pessoas é quase um ato rebelde com carinho. Quem abre a casa não vive na cultura do medo e também não quer estar só.

Por isso o compartilhamento de casas ou espaços me chama muito a atenção. Existe a motivação econômica, mas também uma motivação humana. 

A Casa Samambaia, sem dúvida, foi meu maior laboratório no que diz respeito à economia colaborativa. Para começar, eu nem tinha dinheiro para me mudar para aquela casa imensa. Então, postei no Facebook se alguém queria ajudar na mudança, e vieram umas 40 pessoas. Foi lindo. Minha avó tinha morrido no dia anterior e eu estava muito triste. Encheu meu coração ver aquelas pessoas pintando, limpando, montando cama. Nunca vou esquecer. 

Eu cometi vários erros enquanto “criadora” do local. Mas aprendi muito. A Samambaia era minha casa, e, nos momentos em que eu saía para trabalhar, outras pessoas ocupavam ali como seu escritório. Além disso, tinham almoços abertos todo mês - onde qualquer pessoa podia vir e comer na cozinha de casa, além de outras programações culturais, como exibição de filmes e palestras. Tinha massagem e até leitura de tarô. 

Relembrando assim, foi muita coisa. Mas o mais legal foi ter me unido a outros amigos que ocuparam os demais andares do Edifício Anita. Sem dúvida, a coisa mais linda que fizemos juntos foi um evento de Natal em que bandas locais se apresentaram para a população pelas janelas do prédio. Foi incrível ver a rua viva, as pessoas convivendo em paz, consumindo cultura gratuitamente. 

Agora, é muito importante dizer que trabalhar com isso não significa que não há dinheiro envolvido. Tenho muito receio da não-profissionalização destas áreas, especialmente da economia criativa. Nem tudo pode ser trocado, é óbvio. 

A economia colaborativa não é de hoje. Tampouco tem apenas a ver com os aplicativos que conhecemos. Moedas sociais e bancos de tempo, por exemplo, existem há muito tempo. Quando eu comecei a me relacionar com meus vizinhos, emprestando coisas, trocando móveis, cozinhando junto, eu não sabia que isso tinha um nome. Era só o jeito que a gente vivia. 

Desde que saí de casa, aos 19 anos, algumas práticas muito simples já faziam parte da minha vida, como me relacionar com meus vizinhos e meu entorno. Lembro-me de dividir máquina de lavar, por exemplo. Não fazia sentido cada vizinho ter a sua. Depois, vagou um quarto lá em casa e comecei a receber, sobretudo, estudantes estrangeiros. Comecei a hospedar pessoas antes de ficar sabendo do Couchsurfing. Quando entrei para a plataforma em 2009 foi uma surpresa descobrir que já existiam milhares de pessoas fazendo a mesma coisa. 

Depois veio meu envolvimento com o Airbnb. Foi muito legal ter sido reconhecida pela marca como uma boa anfitriã. Graças à experiência que tive no evento global do Airbnb na Califórnia pude ter o insight da Samambaia, porque lá me hospedei em muitos lugares que já deixavam de ser apenas casas. 

Desde 5 de setembro do ano passado estou sem casa. Ou seja, tenho experimentado viver o outro lado da moeda. De anfitriã, me coloquei no lugar de hóspede em dezenas de casas em vários países. Neste tempo, amigos, amigos de amigos, colegas e desconhecidos me hospedaram. 

Nunca tive um carro, uso bastante serviços como o Cabify. Ainda não usei, mas gosto do exemplo do FarmSquare. Sou fã dos MOOCS (Massive Open Online Courses) cursos online, gratuitos. Até meu portfólio eu “paguei” para um amigo fazer em troca de textos e um sofá. 

A minha vida pessoal e profissional é bastante misturada. Não consigo (e nem quero) fazer muito uma separação do que é colaborativo e o que não é. Aliás, quanto mais eu conseguir unir, melhor será. A parte da economia colaborativa é a forma como eu vivo, e, às vezes, faz parte do meu trabalho, como foi o caso da Samambaia. 

Como eu quis sair de Curitiba, resolvi seguir novos rumos. Acredito que a natureza do ser humano é viver em comunidade. Há quem discorde, claro, mas é só olhar a nossa história. 

O mundo é um lugar hostil o suficiente, eu não quero me trancar em casa com medo dos outros, medo de morrer, medo de ser roubada, medo, medo... tanto medo. Eu acho que é necessário lembrar que nós precisamos do outro. É um exercício de humildade, eu diria. Precisamos romper com modelos econômicos tradicionais e promover a valorização do que é intangível, do que é cultural”.