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Na frase de Nelson Rodrigues, "o Brasil de 1950 era um vira-lata entre as nações." Não só no futebol, mas em tudo — ou quase tudo. Dizia o dramaturgo e jornalista: "Por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima."

Éramos cerca de 52 milhões. A política tinha três partidos principais: o PSD (Partido Social Democrático), de centro; a UDN (União Democrática Nacional), de direita; e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), de índole socialista. O presidente da República era o general Eurico Gaspar Dutra, que queimou as reservas acumuladas durante a guerra em importações de bugigangas (ioiôs e bambolês de plástico), eletrodomésticos e carrões, ao invés de investir na renovação industrial.

Na campanha de 1950, Lacerda ameaçava: "O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." Getúlio, em tom profético, dizia: "Tenho plena certeza de que serei eleito; mas sei também que, pela segunda vez, não chegarei ao fim do meu governo." De fato, ele se matou com um tiro no peito na madrugada de 24 de agosto de 1954.

O sonho da classe média era construir uma "casa americana". E ter um automóvel também americano, daqueles com nomes sonoros: Hudson, Nash, Oldsmobile, Studebaker, Lincoln, Dodge, Packard, De Soto e – a cereja do bolo – Cadillac rabo de peixe. A gasolina barata – o galão custava 27 centavos de dólar – estimulou a construção de rodovias e sepultou as ferrovias, que seriam a solução ideal para um país de dimensões continentais.

No cinema, Oscarito e Grande Otelo parodiavam os sucessos americanos, como Nem Sansão, nem Dalila. Éramos colonizados culturalmente pelos ianques, mas dávamos o troco, com nosso lado moleque.

A TV chegou ao Brasil em 1950, quando Assis Chateaubriand colocou no ar a TV Tupi de São Paulo. O equipamento era importado e os aparelhos de TV também, o que restringiu a audiência às classes mais ricas. O Brasil vivia o auge da Era do Rádio.

Foi em Curitiba, sentado ao lado de um rádio com meu avô, já cego, que chorei a derrota do Brasil para o Uruguai. (Sentia-me tão cego quanto ele, os locutores nos davam uma ideia fantasiosa do que se passava em campo.) Por causa do rádio, torcíamos sempre por mais de um time. Eu pelo Ferroviário local; Corinthians, de São Paulo; e Vasco, do Rio.

A música dividia-se entre a canção de fossa, as marchinhas de Carnaval e o baião. Os sucessos do Carnaval em 1950 foram Daqui não saio, Nega Maluca e General da Banda. Dalva de Oliveira arrasava com dramalhões musicados. Marlene e Emilinha faturavam com Paraíba e Baião de dois. O Rei da Voz, Francisco Alves, teve vários sucessos em 1950.

Nas artes plásticas, imperavam Portinari, Di Cavalcanti; despontavam Djanira e Pancetti. Na poesia, as estrelas eram Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meireles. No romance, Jorge Amado, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz.

No vasto mundo lá fora, a Guerra Fria esquentava: em junho, a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, apoiada pela China. O Presidente dos EUA, Harry Truman, não só ameaça jogar bombas atômicas na Coreia, como anuncia em 1950 a construção da Bomba de Hidrogênio, 750 vezes mais possante que a Bomba-A.

A esta altura, por distante que se sentisse do mundo, o Brasil não parecia mais tão protegido do Apocalipse global. Aqui mesmo, em Curitiba, o moderno campus do Colégio Estadual do Paraná, inaugurado em 1950, possuía abrigos subterrâneos de proteção contra bombardeios atômicos. Aluno do CEP, eu me perguntava: e esses abrigos nos protegeriam da Bomba-H?

A derrota no Maracanã, a tragédia de Getúlio, o complô frustrado para impedir a posse de Kubitschek, eleito presidente em 1955, foram marcos negativos da primeira metade da década. Já a segunda, com as metas de JK e o slogan "50 anos em 5", traria a redenção do Brasil. A "pátria de chuteiras" vingava o Maracanazo nos campos da Suécia (58) e do Chile (62). E a pátria sem chuteiras brindava o mundo com a beleza de sua música e de suas artes e empreendia sua jornada de autodescoberta que, neste avançado 2014, ainda mal começou.

Roberto Muggiati é jornalista, tradutor e escritor.

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