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Mona Nemmer, nutricionista do Liverpool, conversa com o goleiro Adam Bogdan no centro de treinamento de Melwood. | Rob Stothard/NYT
Mona Nemmer, nutricionista do Liverpool, conversa com o goleiro Adam Bogdan no centro de treinamento de Melwood.| Foto: Rob Stothard/NYT

Jurgen Klopp não apresentou seus jogadores à mulher que sutilmente mudaria suas vidas logo de cara. Quando ela entrou para o grupo, na concentração pré-temporada do clube em Palo Alto, na Califórnia, em meados do ano passado, o técnico preferiu esperar uns dias, curioso para ver se suas ações conquistariam os atletas mais facilmente que suas palavras.

“Geralmente nessa fase os jogadores comem o máximo que podem, o mais rápido que der”, contou Klopp em entrevista concedida neste mês no centro de treinamento Melwood. Ele queria que os atletas desacelerassem, relaxassem, deixassem os fones de ouvido de lado, bem como essa atitude “chegar, comer, sair”.

Depois de uns dias em Palo Alto, ele percebeu algo diferente: os jogadores, doloridos por causa das sessões exigentes de condicionamento, começaram a passar mais tempo à mesa. Faziam fila no bufê de saladas, curiosos com as opções. “Nunca tinha visto esse clima. Eles estavam começando a comer de verdade e estavam adorando.” Só então Klopp se levantou, no meio do refeitório, e deu as boas-vindas formais ao novo membro da comissão técnica.

Mona Nemmer tinha saído do Bayern de Munique para ser a nutricionista chefe do Liverpool. Sua missão poderia ser bem complicada, já que os jogadores relutam muito em aceitar o que não conhecem.

Se Klopp tivesse explicado em detalhes o que ela foi contratada para fazer, certamente o grupo teria se mostrado cético. As metas de Mona – a criação de dietas cientificamente planejadas e personalizadas, o uso mais frequente possível de alimentos cultivados regional e organicamente, o estabelecimento de quatro refeições diárias obrigatórias e até aulas de culinária – teriam sido esclarecedoras até para profissionais tarimbados, muito mais ambiciosas do que aquilo que qualquer time de futebol oferece hoje.

Mas não precisou se dar ao trabalho. A comida falou por ele. Dois ou três dias saboreando as refeições preparadas por Mona foi toda a recomendação de que os jogadores precisavam. Recordando o início do processo, Klopp imita os jogadores pousando os talheres, olhos arregalados com uma concentração intensa. “Eles estavam comendo uma comida incrível. Ela já tinha causado uma ótima impressão e, por isso, eles prestaram atenção.”

Seis meses depois de assumir o novo cargo, Mona, considerada dentro do clube uma das melhores/maiores contratações feitas por Klopp, é modesta demais para reivindicar parte da responsabilidade na classificação do time, que começou com tudo é já está em terceiro lugar na tabela da Premier League. Faz questão de dizer que é apenas mais um elo na corrente. “Todos os departamentos – médico, psicológico, de treinamento, da ciência do esporte – desempenham papéis importantes”, afirma.

Cozinha nota 10

Mona Nemmer discute o menu com o chefe Leigh Lawson. No detalhe, dois pratos preparados para o time: bacalhau Atlântico e carne de veado com camada de ervas e nozes e ameixas torradas.Rob Stothard/The New York Times

Certo é que ela não se vê como guru. A palavra a que recorre – em inglês fluente, já marcado pelas inconfundíveis e aparentemente contagiosas vogais longas do sotaque local – é “holística”. “Estou aqui para dar apoio e agregar ao conjunto”, garante.

Os colegas, por sua vez, são mais veementes. Klopp insiste em dizer que “não há muita gente como ela por aí”; já foi a Boston para conhecer os donos do Liverpool, John Henry e Tom Werner. O meia Adam Lallana revela que o time todo “a ama de paixão”. “Ela trata a gente quase como filho”, completa, tímido.

Esse lado atencioso e pessoal faz parte de seu segredo. Alguns jogadores – principalmente o goleiro Simon Mignolet e o meia James Milner – a crivam de perguntas, interessados em aprender o máximo possível do que ela está fazendo e por quê. Com os outros, prefere assumir uma abordagem mais discreta. “Ela nunca tenta nos impressionar com dados científicos, técnicos demais”, afirma Lallana. O que não significa que não haja ciência no que faz.

Atenção e zelo com os alimentos oferecidos

Ela não supervisionou mudanças estruturais radicais no estádio do clube, em Anfield, nem no centro de treinamento. O refeitório ali não tem nada de diferente, apenas uma bancada que serve sucos preparados na hora, outra que oferece granola e nozes e seu famoso bufê de saladas. Entretanto, abriu um espaço de preparação de sucos no vestiário do time principal, de modo que os jogadores possam recuperar as energias assim que saem do campo. Em Anfield, há uma cozinha ao lado do vestiário, onde as refeições podem ser preparadas após as partidas.

As diferenças, estruturais, não são explícitas; na verdade, acima de tudo, se concentram nos próprios alimentos. “Tento basear a dieta em produtos locais e sazonais tanto quanto possível. O meu foco é a comida de verdade e o objetivo é manter o nível da nutrição o mais alto que puder.”

Quando necessário, Mona chega até a viajar em busca dos melhores fornecedores: ao lado de seus chefs, ela compra peixe e carne de caça da Escócia, carne de veado de Norfolk, carne bovina orgânica de Chester. “É importante que o animal tenha uma grande qualidade de vida”, explica. Uma de suas primeiras missões ao chegar a Liverpool foi ir a Londres para encontrar a padaria certa.

Ela evita os alimentos pré-preparados, optando sempre por molhos e condimentos que possam ser criados na hora. O cuidado com os detalhes chega ao ponto de determinar o tipo de óleo em que a comida é feita. Usa sal marinho em vez do sal de mesa, tratado quimicamente. “O segredo é aproveitar ao máximo a influência que o produto exerce e a forma como pode ser benéfico.”

Certos métodos de preparação – como a fritura de imersão, por exemplo – são considerados “terreno perigoso”, mesmo que a filosofia de Mona pregue que “nada é proibido”. “Podemos fazer pudim de chocolate, claro, mas usando leite de arroz ou amêndoas, um cacau de ótima qualidade, melaço em vez de açúcar. O produto final é totalmente diferente.”

Sua ênfase é na variedade e na acessibilidade. “Não adianta só recomendar o consumo de maçã, uva passa branca e aveia no café da manhã; é preciso também oferecer esses itens”, explica. O refeitório agora, garante ela, parece “uma feira”. Os jogadores podem escolher o que quiserem – como é o caso com as saladas e os sucos –, e Mona sabe que todas as opções são excelentes.

Atendimento personalizado aos atletas

A outra grande novidade no Liverpool é que tudo agora é personalizado para jogadores específicos. “Se não somos todos iguais, não faz sentido comermos todos as mesmas coisas”, ensina Klopp.

Mona, depois de consultar os jogadores, definiu recomendações alimentares específicas para o time, que dependem não só dos resultados de vários testes – levando em consideração a massa corporal e gordurosa, taxas de metabolismo e outros fatores –, mas detalhes como nacionalidade e posição em campo.

“Os níveis de energia são diferentes, dependendo da posição em que se joga. O goleiro não corre como o meia. Os brasileiros, por exemplo, tomam um café da manhã totalmente diferente do dos ingleses. Tudo é diferenciado levando-se em consideração a cultura, o tipo físico, a posição. Temos jogadores mais voltados para as proteínas e outros que precisam de minerais e eletrólitos diferentes.”

Adoção de novos hábitos

Devagar, quase imperceptivelmente, Mona vem mudando hábitos. Em vez de um docinho para restaurar as energias no intervalo, Lallana, Milner e Jordan Henderson agora tomam uma dose de suco de maçã com cafeína.

Há vários tipos de massas, com uma seleção de molhos caseiros, disponível após os jogos; Mona viaja com a equipe para garantir que o hotel siga à risca seus cardápios. Sob sua direção, o time também recebe refeições no ônibus.

De fato, sua comida provou ser tão popular que Klopp não precisa mais forçar seus jogadores a fazerem as quatro refeições diárias no centro de treinamento. Muitos se aproveitam da vantagem daquilo a que Mona se refere, brincando, como “serviço de entrega”. Os atletas também aprendem a preparar as próprias refeições em casa, e há planos de convidar suas famílias para participar da ação este ano.

“É um sonho distante, mas pensamos até em abrir uma loja, quem sabe fazer um livro de receitas”, confessa Klopp. Ambos seriam grandes sucessos, sem dúvida. Os jogadores podem até não ter percebido, mas agora fazem parte do que há de mais moderno na ciência nutricional.

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