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A saudação conjunta para a torcida, no clássico que não aconteceu, deu um ar de romantismo e rebeldia  a um momento em que a dupla Atletiba exerceu o direito de com quais gigantes fazer negócio. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
A saudação conjunta para a torcida, no clássico que não aconteceu, deu um ar de romantismo e rebeldia a um momento em que a dupla Atletiba exerceu o direito de com quais gigantes fazer negócio.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O adjetivo histórico acompanhou todas as análises sobre o Atletiba do YouTube. A qualificação é justa por ter sido o primeiro jogo de futebol no Brasil exibido exclusivamente em plataformas digitais. Com o bônus de ser um clássico de grande rivalidade dos gramados que conectou os protagonistas do mais acirrado clássico da web – afinal, o Atletiba do YouTube foi também do Facebook.

O inegável caráter histórico, porém, rapidamente foi transformado em fio condutor de uma narrativa que mescla ineditismo, almoço grátis e desafio ao status quo que em nada combina com os atores envolvidos na “revolução não televisionada”, como a internet rapidamente batizou o clássico. Uma troca de parceiros que não passou nem perto de representar uma negação ao establishment das empresas de mídia. Respira fundo que eu vou te contar detalhadamente.

Um jogo de gigantes. Apenas gigantes

A narrativa antissistema foi a primeira a ser construída em torno do Atletiba do YouTube. Cortesia da desastrada intervenção de Hélio Cury, que resultou na não realização do clássico na data original. Petraglia ganhou o palanque ideal para reconfigurar o episódio em uma cruzada contra o status quo do futebol brasileiro. Pelo sistema de som da Arena, o locutor oficial do estádio apressava-se em personificar o inimigo na Rede Globo, com quem não houve acordo financeiro para a transmissão do Campeonato Paranaense. Mesmo com o que estava acontecendo ali sendo um voo solo e camicase de Cury.

Os parceiros escolhidos para a “revolução não televisionada”, contudo, representam nada mais do que… o status quo. Responsável pela transmissão, o Esporte Interativo é integrante da operação brasileira Turner Broadcasting System. O canal já havia derrotado um consórcio entre ESPN e SporTV para ficar com a Liga dos Campeões e vencido o Grupo Globo na disputa pelos direitos em tevê fechada do Campeonato Brasileiro de mais de uma dúzia de clube, dupla Atletiba incluída.

Mundialmente, a TBS compunha, ao lado da HBO e da Warner Bros., as três divisões operacionais da Time Warner, comprada no fim do ano passado pela AT&T, pela bagatela de US$ 85,4 bilhões. Antes da aquisição, a Time Warner ocupava o 16º lugar no “Top Thirty Global Media Owners”, principal ranking de mídia do mundo, organizado pela agência ZenithOptimedia. Foram US$ 4,57 bilhões de receita de mídia em 2015, muito próximo dos US$ 4,83 bilhões do Grupo Globo, 14º colocado.

Com novos donos, a TBS pode fazer parte do top 5 do ranking, aberto exatamente pelo Facebook. A rede social de Mark Zuckerberg amealhou US$ 11,49 bilhões em receita de mídia em 2015. Difícil de medir é o tamanho da influência do Facebook. Ao longo das eleições norte-americanas, a empresa teve de conviver, primeiro, com a acusação de que sua curadoria de trending topics escondia postagens conservadoras. No fim da corrida à Casa Branca, recebeu o nada honroso rótulo de principal difusor de fake news. Fenômeno repetido no Brasil, onde as fake news de Lava Jato foram mais compartilhadas que as verdadeiras.

O top 30 das empresas de mídia é liderado pela Alphabet, dona do Google e do YouTube. Posição garantida pela receita de US$ 59,62 bilhões da holding, bem mais que o dobro da segunda colocada, The Walt Disney Company, com US$ 22,45 bilhões de receita.

Para fazer história, a dupla Atletiba apenas trocou de gigantes na escolha dos parceiros. Detalhe: sem cobrar nem “uma merreca” sequer de Facebook e Google pelo direito de transmissão da partida.

Facebook e YouTube ganham dinheiro exatamente como a TV aberta

“Estive no Google por 15 anos e a fonte de receita sempre foi a publicidade. E suspeito que sempre será, porque a publicidade é parte significativa dos fenômenos globais e um retorno mais preciso de investimento.”

A declaração do ex-CEO do Google, Eric Schmidt, durante a edição 2016 da Startup Fest Europe, foi definitiva sobre como a empresa faz dinheiro. O ponto de virada do Google foi o início da venda de publicidade. Uma transposição para o meio digital do consagrado modelo de negócio das emissoras de tevê aberta mundo afora – Brasil incluído.

A vantagem competitiva do Google vem da escala. Presente no mundo inteiro, a empresa consegue jogar no chão o preço unitário dos anúncios e fazer fortuna pelo volume de públicos. Essa fórmula fez a empresa de Mountain View abocanhar 54% da receita de mídia dos Estados Unidos no terceiro quadrimestre de 2016: US$ 9,5 bilhões de um bolo de US$ 17,6 bilhões. Com a mesma combinação, o Facebook mordeu 45% do bolo, ou US$ 3,4 bilhões.

Para os dois, o desafio atual é apresentar métricas confiáveis ao mercado. O Facebook viu a Procter&Gamble, maior anunciante do mundo, descurtir seu barco azul quando ficou evidente que os números oferecidos pela empresa eram inflados. Mark Zuckerberg admitiu que entregava números superestimados do alcance dos vídeos e da publicidade em sua plataforma. Prometeu corrigir o problema – que relativiza, inclusive, parte do sucesso numérico do Atletiba na rede.

Calibrar os algoritmos para que eles entreguem métricas confiáveis é questão de sobrevivência para Facebook e Google. Sob risco de arruinar um modelo de negócio em que a publicidade banca a navegação inteiramente gratuita nas plataformas. Gratuita?

Eu vi o Atletiba no celular e paguei por isso. Você também

Parte da minha experiência de assistir ao Atletiba foi pelo telefone celular, no caminho de casa. Os 40 minutos de deslocamento torraram uma parte do pacote de dados. Quanto?

O WhistleOut, site australiano que compara planos de telefonia móvel e banda larga fixa, traz uma tabela de quanto de dados um vídeo no YouTube consome. Cada hora de vídeo a 480p no YouTube come 1,2 gigabytes de dados. Assim, 90 minutos de bola rolando consomem 1,5 Giga.

O Melhor Plano, site que compara planos de operadoras de telefonia, revela quanto custa um pacote de 1,5 Giga no Brasil. Tim e Oi têm franquias deste tamanho a R$ 39,90. Na Claro, a R$ 44,99. Na Vivo, a R$ 49,99. Se você assistiu ao clássico pelo 3G ou 4G, foi isso que você pagou pelo jogo.

Não ao YouTube, ao Facebook ou aos clubes, mas às operadoras. Exatamente como pagamos à Copel (aqui no Paraná) para ver um jogo na TV aberta. Ou a operadoras de tevê a cabo – com uma fatia menor indo aos canais e outra mais reduzida aos clubes – quando a partida está em um canal fechado ou no pay-per-view.

Obviamente para quem viu na banda larga residencial o custo se diluiu na mensalidade. Realidade – bem sabemos – com os dias contados no Brasil. O ministro de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, promete para o segundo semestre a conclusão do estudo para limitar o consumo de banda fixa no país, como ocorre no Canadá e nos Estados Unidos.

WhatsApp, Netflix e alguns bancos já possuem parcerias com empresas de telefonia para que seus serviços não consumam plano de dados. Banquete para o qual Google e Facebook dificilmente serão convidados. Após anos tentando usar o Mobile World Congress, de Barcelona, para fechar esse tipo de parceria, em 2017 finalmente Mark Zuckerberg de que essa é uma briga perdida para sua empresa.

“Oferecer o Facebook Messenger sem consumir dados canibalizaria nosso serviço de SMS. Isso sempre foi óbvio para nós, mas não era para eles”, definiu ao site especializado The Information o CEO da Globe Telecom nas Filipinas, Ernest Lawrence, presente aos quatro últimos jantares oficiais com executivos do Facebook no Mobile World Congress.

Experiência melhor, mas não inédita

Como jornalista nativo da área esportiva, diretor de Redação obcecado pelos conteúdos que oferecemos ao público e torcedor de um dos rivais (façam suas apostas!), obviamente saquei o celular para assistir ao Atletiba do YouTube. A transmissão era de elevado padrão, tanto técnico como artístico. Não deixava nada a dever para a televisão – exceto pelo tamanho da tela e amplitude do som. Para ser mais exato, não deixava nada a dever para inúmeras outras transmissões de futebol via streaming em dispositivos móveis.

Já aceitei a derrota na disputa pelo controle remoto com minha filha de 4 anos. Enquanto desenhos e filmes infantis passam em looping na telona (quando não no tablet), rodo entre Premiere Play, Globosat Play, Watch ESPN e Fox Play para degustar um pouco do velho esporte bretão. Transmissões em alta resolução, sem delay, em alguns casos de jogos que estão disponíveis apenas na web.

A primeira alternativa colocada na mesa para a dupla Atletiba era para a transmissão com produção própria, essa sim, uma investida 100% independente, que poderia ser oferecida a portais, canais fechados e até a Google e Facebook. Os clubes, porém, viram essa solução como mais cara e arriscada, o que comprometeria o alcance e a qualidade. Ao se associar a Google e Facebook, ganhou o alcance inegável e a experiência social das duas plataformas. Ou seja, os rivais fizeram história por potencializar o clássico com a junção de alguns mundos, mas definitivamente não entregaram um produto 100% inédito.

Tá, mas e daí?

Se o seu celular não foi arremessado na parede logo nos primeiros parágrafos é porque, no mínimo, você quer saber onde eu quero chegar com esse texto. Repito o que falei lá no começo: há um caráter histórico inegável no Atletiba do YouTube. O futebol é parte da indústria do entretenimento – e todo o restante dela já está na internet.

A indústria da música parecia que entraria em colapso quando o Napster surgiu. Steve Jobs profissionalizou a traquinagem de Shawn Fanning com o iTunes. As gravadoras entenderam as novas regras e voltaram para o jogo. Hoje, ganham junto com os artistas e o público na própria Apple, no Google e nos novatos Spotify e Deezer.

A Netflix tem suas produções originais, mas reparte o bolo com os “velhos estúdios”. E os “velhos estúdios” estão no comando do crescente mercado do streaming de vídeo por meio de seus donos: Hulu (propriedade da Disney e da Universal e distribuidor de conteúdo da 21st Century Fox), HBO GO (agora da AT&T/ Time Warner) e Crackle (da japonesa Sony Entertainment).

O esporte inevitavelmente seguirá a mesma tendência. O público está cada vez mais presente na internet, seja via dispositivos móveis, desktops ou smart TVs. Os clubes (donos do espetáculo), as emissoras de tevê (produtoras do conteúdo) e as operadoras (distribuidoras do conteúdo) estarão lá porque é onde seus clientes e torcedores estão. Ninguém perderá o trem bala da história.

Google e Facebook (as plataformas) já estão à espera de todos, para fazer negócio com todos. Sem heroísmo nem narrativas pretensamente revolucionárias. Mas em busca de uma fórmula em que todos tentarão, com razão, lucrar o máximo possível. E oferecer ao público o melhor serviço possível, mediante o inevitável pagamento de uma fatura. Não haverá almoço grátis no futebol da internet. E sim, mais um grande negócio com diversos atores. Capitalismo em estado puro e sem narrativas revolucionárias que morrem na página 2.

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