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| Foto: ATTA KENARE/AFP

Entre tiros de kalashnikov e estouros de morteiros, um outro som corta os céus da Síria. São fogos de artifício. E eles sobem alto e rasgam a paisagem sonora para celebrar o maior feito da seleção de futebol do país: um empate aos 48 minutos do segundo tempo que pode levar o escrete à Copa do Mundo pela primeira vez.

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A guerra não parou, nem vai parar. Já não há mais um Pelé jogando entre nós para frear conflitos bélicos e o apetite por sangue parece ser insaciável por aquelas bandas. Mas que haja um naco de alegria e um pedacinho de júbilo brotando na cara daquela gente e o gol de Omar Al Soma terá sido pura filantropia em tempos de aflição.

Hoje, um dia depois da benesse, os sírios experimentam um sentimento que há muito não sentiam: a expectativa. Pela primeira vez em anos, aquele povo tem agora um horizonte. Eles sonham. Em meio a escombros e desconsolo, eles têm uma nova ilusão para lhes alimentar o espírito.

*Velho Cronista é o alter ego de um escritor anônimo, criado no tempo em que o futebol era jogado de chuteiras pretas. Leia mais no site ou acompanhe as fábulas pelo Twitter .

Podem cair mísseis de Assad, podem chover bombas das forças rebeldes, mas continuará havendo sonho. Porque se não há como frear a violência, também não há como brecar a esperança. Nem Pinochet, nem Franco, nem qualquer outro homem possuído das piores intenções descobriu ainda como aniquilar esse sentimentozinho teimoso que floresce nos terrenos mais áridos da nossa alma.

Haverá, portanto, sonho e loucura. E haverá em larga escala. E se irá por toda a Síria, das ruínas de Damasco ao apocalipse de Alepo. Crianças e velhos vão acreditar que é possível passar pela Austrália na repescagem e que existe, detrás de toda a fumaça e poeira, uma Copa do Mundo recompensadora que, se não cessa o combate, ao menos coloca um banquinho no canto do ringue, que é pra respirar entre uma pancada e outra.

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O pai daquele menininho afogado na praia da Turquia já não tem muito no que se agarrar na vida, como não tem outras famílias dos mais de 500 mil mortos. Mas toda essa gente sorriu ontem um pouquinho. A dor parou pra ver a festa passar, tocando tambor e virando pirueta.

Ninguém sabe se o circo vem mesmo, e se a alegria vai se hospedar na cidade. Mas por ora, eles nem querem saber. Só vivem de esperar que um país inteiro, pelo menos por uns dias, vire picadeiro.

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