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Tostão reflete sobre futebol brasileiro nos últimos 60 anos em novo livro. | Bob Wolfenson/
Tostão reflete sobre futebol brasileiro nos últimos 60 anos em novo livro.| Foto: Bob Wolfenson/

Um dos principais jogadores da seleção brasileira tricampeã mundial em 1970, Tostão nunca se encaixou no perfil típico de um ‘boleiro’. Sempre gostou de ler e, ainda como atleta, levava livros para a concentração. Após encerrar a carreira precocemente aos 26 anos, foi estudar medicina. Tornou-se médico e professor. Voltou ao futebol como comentarista na década de 90 e, hoje, é um dos principais cronistas esportivos do país.

Em seu livro “Tempos vividos, sonhados e perdidos” , lançado neste mês, Tostão faz uma reflexão sobre o futebol nas últimas seis décadas aliada às suas experiências pessoais dentro e fora dos gramados.

A montagem da equipe nacional que encantou o mundo em 1970, o período nas salas de aula e hospitais, o convite para ser diretor técnico da seleção antes do Mundial de 2002, a visão sobre o 7 a 1 da Copa de 2014. Estes são alguns dos temas tratados na obra.

Confira os principais tópicos da entrevista com Tostão:

- Seleção de 70 é a melhor de todos os tempos?

- O trabalho de Tite na seleção atual

- Tostão “barrou” Levir Culpi da seleção antes da Copa de 2002

- Time paranaense campeão nos pontos corridos? Impossível

- Os melhores times do Brasil e do exterior atualmente

- Livro escrito à mão e distância das redes sociais

Por que resolveu escrever o livro?

Pensei nele depois da última Copa e comecei a escrevê-lo há um ano e meio. A ideia era fazer uma síntese da evolução do futebol no Brasil e na Europa, culminando com o 7 a 1 e a situação atual. Mas vi que, se ficasse só nisso, seria muito enfadonho para ler, ficar com detalhes táticos, etc. Então foi nascendo a ideia de colocar uma visão mais pessoal, contando progressivamente, como se fosse um diário, como acompanhei o futebol desde criança, no tempo de jogador, no período que fiquei fora como médico e depois como comentarista e colunista.

Nesta semana faleceu o Carlos Alberto Torres, capitão da seleção de 70 da qual você fez parte também. Foi o melhor time nacional que o Brasil já montou?

A maioria das pessoas acha que foi a de 70. Individualmente, talvez a de 58 tenha sido melhor porque ela teve Pelé e Garrincha que nunca perderam um jogo juntos. São as duas maiores expressões do futebol brasileiro em todos os tempos. Mas a de 70, além de ser formada por grandes jogadores, foi uma seleção revolucionária. Ela uniu talento individual com jogo coletivo. Era extremamente organizada, disciplinada, teve uma preparação científica. Tudo isso representou novidade no futebol brasileiro. Foi o início de uma nova era.

Capa do novo livro de Tostão.Divulgação

Como avalia nossa seleção atual?

O futebol brasileiro nos últimos 20 anos teve um retrocesso muito grande, em parte por causa dos treinadores. O Tite representa uma nova visão. Os conceitos dele, já da época do Corinthians, são os conceitos das grandes equipes do futebol mundial. Então, a presença dele ajuda numa reconstrução. Depois da Copa do Mundo, muito técnicos daqui acordaram para a realidade e estão mudando a maneira de jogar. Está se tirando um atraso.

Provavelmente o Brasil vai ter um time muito melhor do que teve nos últimos anos até pelo crescimento técnico de alguns jogadores, como Neymar e Douglas Costa, e o surgimento de novos como o Gabriel Jesus.

Mas essa ‘lua de mel’ de torcedores e imprensa com o Tite não é exagerada?

O Brasil vai da depressão ao delírio em um instante. Qualquer coisa corriqueira que o Tite faz ou fala agora é endeusada. As pessoas perdem o senso crítico. Isso é ruim. Primeiro porque cria uma expectativa exagerada. Segundo, porque o técnico não tem capacidade de fazer o time ganhar e jogar bem sempre. Vão acontecer insucessos. É preciso mais bom senso, pés no chão, por melhor que seja o Tite. Quatro jogos é pouco para toda essa euforia.

Você conta no livro que foi convidado para ser diretor técnico da seleção brasileira em 2001 após a demissão do Leão. Por que não aceitou?

Um intermediário me ligou perguntando se eu falaria com o Ricardo Teixeira. Fiquei curioso, mas eu já sabia que não ia aceitar porque sempre fiz muitas críticas à CBF. Ia me sentir mal em aceitar um cargo de confiança. Conversei duas vezes com ele [Ricardo]. Falou que eu escolheria o próximo técnico da seleção, perguntou se eu tinha alguma preferência. O Felipão era o principal técnico do futebol brasileiro. Lembro que ele me perguntou o que eu achava do Levir Culpi e, na época, eu achava que ele não tinha condições. Falei isso para o Ricardo Teixeira. Hoje o Levir é um técnico melhor.

SERVIÇO

Livro: Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o futebol
Editora: Companhia das Letras
195 páginas
Preço: R$ 39,90

Qual time você mais gosta de ver jogar no Brasil e no exterior?

No Brasil, quando o Grêmio joga como na última vitória contra o Cruzeiro [na Copa do Brasil] é o time que mais gosto. Mas não é frequente. É o futebol que jogava com o Roger como técnico. É o estilo com posse de bola, troca de passes envolvendo o adversário. Gosto também do Palmeiras, que não é repetitivo; do Atlético-MG, principalmente quando joga em Belo Horizonte. Então não tem um time; existem momentos de alguns clubes. Na Europa, os que mais gosto são Barcelona, Real Madrid e Bayern. Agora tem o Manchester City com o Guardiola que sempre sai da mesmice. Às vezes dá certo, outras não, mas é interessante.

Na temporada passada, o Leicester conquistou o Campeonato Inglês. Foi uma grande zebra. Aqui, é possível que times fora do chamado G12, que recebem menos dinheiro, como a dupla Atletiba por exemplo, vençam uma Brasileiro de pontos corridos?

É muito difícil, quase impossível de acontecer em um campeonato de grande duração. O time teria de jogar no máximo de suas forças em todas as partidas. Agora se esses times conseguirem contratar uns quatro jogadores de nível mais alto, aí aumentam as chances. O próprio Paulo Autuori, em entrevista recente, elogiou o planejamento do Atlético, disse que o time é bem organizado como as melhores equipes, mas isso até a bola chegar na intermediária do adversário. Ou seja, falta jogador, mais qualidade. Então se esses times quiserem dar um passo a mais, tem de contratar com qualidade.

Bob Wolfenson

Todas as áreas de trabalho estão cada vez mais digitalizadas. Você não tem redes sociais, nem smartphone e escreve suas colunas à mão. Como lida com isso?

Cada vez mais a gente é pressionado para aderir a certas coisas. A internet é indispensável, mas não sou dependente. Porque tenho que ficar mandando mensagem toda hora no Whatsapp? As pessoas que eu gosto eu telefono. Não sinto necessidade dessas redes repetitivas. Não preciso mais do que isso.

Gosto de escrever ainda à mão porque eu me acostumei e acho bom. Eu escrevo, levo o papel para cozinha, para qualquer canto da casa, lembro de uma coisa já reescrevo, risco etc. Na hora que termino, aí sento no computador. Eu escrevi todo o livro assim, à mão. Não estava com pressa [risos]. Não criei os hábitos modernos.

Você fala de sonhos que ainda não viveu. Algum relacionado ao esporte?

Ah, a gente fica com algumas dúvidas na verdade. Se vou continuar sempre na mesma rotina. Uma coisa que tem me incomodado, por exemplo, é que estou vendo jogos demais, por questão de responsabilidade, estar bem informado e por gostar, lógico. Mas estou deixando de fazer outras coisas, diversões. Gostaria de viajar mais. Vou fazer 70 anos. Então, fico em dúvida sobre o que vem pela frente, divagando, pensando em alguma coisa diferente.

Antes, estava com o livro, mas agora acabou. Só com as colunas [publicadas duas vezes por semana], fica faltando alguma coisa. A rotina chega a um ponto que passa a me incomodar muito. A editora tem me incentivado e, já tinha pensado nisso também, para escrever um romance, ficção, que tenha o futebol como fundo. É uma possibilidade.

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