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Antonuce Conceição, em casa, rodeado pelos troféus conquistados: história de superação e dor. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Antonuce Conceição, em casa, rodeado pelos troféus conquistados: história de superação e dor.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Vergonha e orgulho caminham lado a lado na vida de lutador do paulista Antonuce Conceição.

Com apenas 25 anos, sete deles como profissional de artes marciais mistas (MMA), ele já protagonizou 54 lutas. Quase sempre competindo em pequenos eventos regionais, conquistou 24 vitórias. Número expressivo, mas que é ofuscado pela quantidade de derrotas que transbordam de seu cartel.

Foram 30 revezes até aqui – mais da metade por nocaute ou nocaute técnico.

“Sinto orgulho [da minha trajetória], mas meio que sinto vergonha [de tantas derrotas]. Quem vai querer ajudar um perdedor?”, questiona o atleta, criado em São José dos Pinhais e há cinco meses morador de Piraquara, também na região metropolitana de Curitiba.

QUEM É?

Nome: Antonuce Conceição

Idade: 25 anos

Naturalidade: Pariquera-Açu (SP)

Altura: 1,73 m

Categoria: pena (até 66 kg)

Cartel: 24 vitórias e 30 derrotas

Nariz esmigalhado e dúvida sobre o futuro

Das 54 lutas profissionais que Antonuce Conceição realizou, uma não sai da cabeça do lutador. Em julho de 2012, ele enfrentou o carioca José Lucas de Melo, conhecido como Bob Esponja, pelo emergente torneio WOCS, no Rio de Janeiro.

O duelo, que teve transmissão ao vivo pela televisão, foi até o fim do terceiro round, com vitória do adversário por decisão unânime. O saldo da noite, contudo, foi muito pior do que acrescentar sua 20.ª derrota ao currículo.

“No segundo round levei uma pancada forte no rosto. Levei três socos em seguida no mesmo lugar e no terceiro senti um abalo muito forte. Pensei comigo, quebrei alguma coisa”, recorda o atleta, que recebeu R$ 500 pelo combate.

O arco zigomático, estrutura composta pelos ossos malar e temporal, quebrou em três lugares. O nariz simplesmente “esfarelou”, relata.

“Na gana de lutar eu continuei. Mas não levei mais nenhum soco em cima. O médico me disse que se tivesse levado, o perigo de perfurar o olho, de acontecer algo pior, era grande”.

A lesão abalou Nuce. Desistir do esporte cruzou sua mente durante os seis meses de recuperação. O retorno ao ringue foi concretizado somente quase um ano depois. E a contagem de lutas diminuiu drasticamente deste então.

Foram “apenas” 13 – com nove vitórias e quatro derrotas.

Se a mácula claramente o atrapalhou na busca por um eventual patrocínio, nunca o impediu de continuar. Coragem e persistência, aliás, são características marcantes do faixa-preta de muay thai e kickboxing. Exatos 16 dias depois de fazer sua primeira aula de muay thai, ele estreou no MMA profissional. Totalmente cru.

Em 4 de outubro de 2008, aos 17 anos, durou 1min55s no ringue até ser finalizado pelo também estreante Altair “Tratorzinho” Alencar, em Curitiba. A bolsa não passou de R$ 100, mas ajudava a pagar as contas.

Antonuce perdeu mais três vezes até sair vitorioso pela primeira vez, em março de 2009, contra o novato Diego Silva, em Londrina. Nas 20 primeiras, porém, lutas já somava 15 derrotas.

O ritmo dos combates seguiu insano. Até outubro de 2015, quando competiu pela última vez, o atleta da academia Paraná Vale-Tudo (PRVT) entrou no ringue, em média, uma vez a cada mês e meio. Como nunca recusou um desafio, Conceição chegou a calçar as luvas com incríveis sete dias de diferença.

Não há registro oficial, mas é muito provável que o paulista seja o lutador de sua faixa etária com mais lutas profissionais no Brasil.

“Servi de escadinha para muita gente, mas nunca fui obrigado a lutar, é o que gosto de fazer. Diversas vezes chegava na quinta-feira e o mestre Paraná perguntava se queria entrar no lugar de alguém que tinha se machucado. Eu nem perguntava peso ou dinheiro. Já aceitava na hora e dali a dois dias estava lutando”, conta, orgulhoso.

“Não é que eu me ache mais macho que todo mundo, mas o cara mais macho sou eu. Perder 10, 15 lutas e continuar lutando... Às vezes fico pensando, caraca, sou meio doido”, confessa, aos risos.

Luta x bandidagem

Infância não está no dicionário pessoal de Antonuce. De família pobre, foi criado somente pela mãe desde os cinco anos, quando ela decidiu fugir do marido agressivo e alcoólatra no interior de São Paulo. O destino foi São José dos Pinhais, onde o garoto começou a trabalhar cedo.

Aos oito anos, era responsável por cuidar da casa e dos irmãos. Trabalhou ainda na roça, com colheita de morangos, e depois vendendo picolés na rua. Raramente sorria. “Comemos o pão que o diabo amassou, mas foi o que nos manteve vivos”, enfatiza.

A luta entrou na vida dele aos 17 anos. E foi crucial para afastá-lo das más companhias. “O Antonuce tinha uma condição de vida bem ruim. Ou era lutar ou virar bandido. Os amigos dele, em sua maioria, estão presos ou mortos”, confirma Paraná, que “adotou” o paulista de Pariquera-Açu como filho.

Três meses depois de lutar MMA pela primeira vez, Antonuce mudou-se para Londrina, onde ajudou seu mestre a abrir uma filial da academia e começou a trilhar a carreira de atleta. Sua rotina era treinar, dar aulas e lutar. Além do vale-tudo, fez mais de 50 lutas de muay thai, boxe e jiu-jítsu. Os troféus e cinturões que ganhou decoram orgulhosamente a sala de sua casa.

O cenário, contudo, mudou no ao passado, quando o lutador já estava de volta à capital. Seu último duelo aconteceu em outubro de 2015 – uma derrota por finalização no segundo round. Depois disso, desanimado após sair das duas academias onde dava aula, resolveu procurar um emprego com carteira assinada. Atualmente, é porteiro noturno em um condomínio residencial.

Sinto muito orgulho da pessoa que sou, que me transformei. Poderia ter ido para um caminho diferente, do tráfico, do roubo. Já me passou pela cabeça, não vou mentir. Mas a força de vontade de ser uma pessoa honesta me tornou melhor. Estou vencendo

Antonuce Conceição lutador de MMA

Um problema no coração descoberto recentemente endossou a troca de profissão. Até conseguir fazer exames mais completos, foi orientado a não praticar exercícios físicos. Está na dependência do SUS.

Só que o sonho de lutar não morreu. Nem o de dar uma vida melhor para sua mãe e filho de dois anos. “Posso, como vou [voltar a lutar]. Independente das circunstâncias. Esse sonho me consome dia após dia”, sentencia Conceição.

“Sinto muito orgulho da pessoa que sou, que me transformei. Poderia ter ido para um caminho diferente, do tráfico, do roubo. Já me passou pela cabeça, não vou mentir. Mas a força de vontade de ser uma pessoa honesta me tornou melhor. Estou vencendo”.

Albari Rosa/Gazeta do Povo
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