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A primeira geração e jovens descendentes do mesmo berço | Fotos: Albari Rosa/Gazeta do Povo
A primeira geração e jovens descendentes do mesmo berço| Foto: Fotos: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Nascimento da pista ainda é incógnita

A Pista do Gaúcho tem o nascimento desconhecido. O Ippuc não sabe, nem a Casa da Memória, muito menos a Secretaria de Meio Ambiente – responsável pelos parques e praças da cidade. Os antigos comerciantes da região, como o herdeiro da Sorveteria do Gaúcho ou mesmo funcionários de longa data do tradicional Bar Pudim, divergem sobre a inauguração. A Confederação Brasileira de Skate e a Federação Paranaense da modalidade também não possuem esse registro.

Nos sites especializados em skate surge a data de 1973, um ano após a elaboração do projeto de Lauro Tomisawa. Há quem jure que foi à inauguração em 1978, tanto que um grupo se reuniu ano passado para comemorar 30 anos do local. Entre os mesmos amigos tem quem garanta que em 1977 já andava por lá. Uma monografia sobre a região data a pista de 1974, como um marco da Praça que foi também a primeira a receber um telefone público em Curitiba. (ALM)

  • Luiz Vicente Horokoski, 49, trinta anos de skate
  • Ex-jogador do Colorado, Ronaldo Miranda, 43
  • Campeão Daniel Vieira: cria da Pista do Gaúcho
  • Juarez Matter, 46, artista plástico

Eles não tinham skates. Então, imitavam os inventores californianos, desmontavam patins para usar as rodinhas em shapes improvisados e construíam os próprios equipamentos. Eles não tinham pista e se especializaram em pegar compensados nas construções para montar suas rampas. Eram jovens, cabeludos, ouviam muito reggae e rock, usavam o legítimo All Star, calças justas compradas na Prosdócimo Underground e formavam a primeira geração do skate curitibano.

Três décadas depois, alguns dos precursores voltaram ao ninho, a Pista do Gaúcho, para relembrar o início da modalidade, matar saudade e, claro, deslizar pela primeira pista pública do Paraná e a segunda do Brasil (atrás apenas do pico de Nova Iguaçu-RJ).

Um marco do esporte no país que será alvo este ano de um processo de tombamento como patrimônio nacional – assim como outras pistas tradicionais brasileiras. Uma iniciativa da Confederação Brasileira de Skate (CBSK) para a perpetuação e reconhecimento do berço de vários atletas paranaenses e que começou com um grupo de rapazes na década de 70.

Eles eram os reis da praça. De alguma forma ainda são. Mesmo com menos cabelos, mais barriga e rugas, os quarentões e cinquentões foram rapidamente reconhecidos pelas novas gerações que pararam suas manobras esta semana para observá-los dominar a pista que juram ter ajudado a construir.

Afinal, alguns deles levaram à prefeitura de Curitiba na época revistas norte-americanas sugerindo como seria o lugar ideal para praticar o esporte recém-criado nos Estados Unidos. Uma iniciativa de surfistas para ocupar o tempo quando não podiam dropar as ondas. As publicações estrangeiras inspiraram o arquiteto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) Lauro Tomizawa, que assinou o projeto em 1972.

Dá para imaginar a excitação quando a praça no bairro São Francisco começou a ser escavada para a nova pista. "Vínhamos todos os dias ver como estava a obra", conta o artista plástico Juarez Matter, 46 anos.

Com a inauguração, a Praça do Redentor, que nunca foi chamada pelo nome e nasceu para os frequentadores como Praça do Gaúcho em referência à sorveteria mais antiga da capital (1955), ganhou dupla identidade e reforçou-se como point da cidade. Assim contou em março de 78 o artigo de Aramis Millarch, publicada no jornal O Estado do Paraná.

"Nos fins de semana, as filas que se formam frente à sorveteria do Gaúcho se igualam ao volume de pessoas que, extasiadas, assistem às evoluções e acrobacias dos garotos que, em pouco tempo, se tornaram verdadeiros ases do ‘skate’. Pois se, ironicamente, se costuma dizer que o paulista gasta seus domingos vendo os aviões pousarem e partirem no aeroporto de Congonhas, agora os curitibanos vão nos sábados, domingos e nas encaloradas noites deste verão-78 ver os garotos brincarem de ‘skate’".

Começava ali quase uma irmandade. "Éramos muito amigos, uma época incrível. A gente vivia aqui. Era no Ano Novo, Natal e estávamos na pista. Passávamos a ceia com a família e vinhamos mostrar os tênis novos de skate para os amigos e andar na pista", contra o psicoterapeuta e produtor de eventos Fernando Jhonson, 48 anos.

"Quando alguém aparecia com uma manobra nova todo mundo ficava louco para copiar. Ninguém era egoísta e ensinava os outros. Isso é muito legal no skate. Havia muito respeito", explica Luiz Vicente Horokoski, de 49 anos, criador da marca M27 e colunista da revista Freex. Respeito e muita criatividade. Skatistas que andavam ali como Marcos Maguila e Eduardo Dias criaram marcas de equipamentos e roupas que se tornaram referência nacional como Maha e a Drop Dead, respectivamente.

Veteranos do pedaço, eles também faziam muitas brincadeiras com os mais jovens, facilitadas pela vizinhança inusitada. "Era normal fazermos os mais novos entrarem no cemitério à noite para poder integrar a turma", relembra o tradutor simultâneo José Álvaro Nea, 52 anos. Da pista às vezes viam um conhecido morador de rua da região acenar com as mãos de cadáveres sobre o muro do Municipal.

Sustos com mortos e confusão com os vivos. Os entreveros eram constantes com os taxistas cujo ponto ainda é ao lado da pista. "Sempre voavam os skates e batiam nos carros, quebravam vidros, amassavam portas. Às vezes sequestravam o nosso skate e só devolviam após pagarmos os reparos", lembra Ronaldo Miranda, 43 anos.

Ex-zagueiro das categorias de base do Colorado, ele trocou o futebol pelo skate. Levou uma surra e tanto do padrasto e então técnico do juvenil do clube, Ernesto Marques, pai de Cláudio Marques (ex-jogador do Coritiba). Hoje empresaria skatistas, tem programas sobre a modalidade nos quais fala das novas gerações do skate curitibano, inevitavelmente crias da Pista do Gaúcho.

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