Arquitetura

Sete pontos para entender a polêmica sobre o novo Angeloni no Bom Retiro

José Pires*
03/10/2017 21:30
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Desde que foi anunciada em agosto passado, a construção de uma unidade do supermercado Angeloni no Bom Retiro vem mobilizando moradores da região e ativistas ambientais. Um grupo contrário à instalação do empreendimento na área onde ficava o antigo Hospital Psiquiátrico Bom Retiro criou um movimento intitulado “A Causa Mais Bonita da Cidade”, que coletou mais de 3,6 mil assinaturas por meio de um abaixo assinado virtual e já arregimentou 5,5 mil seguidores em uma página do Facebook.
As iniciativas dos manifestantes, no entanto, não se limitam ao espaço virtual. Além de passeatas e atos simbólicos em frente à área que foi vendida ao conglomerado catarinense, o grupo vem atuando politicamente para conseguir o tombamento de elementos do terreno de 60 mil m² localizado na Rua Nilo Peçanha.
Na última quarta-feira (27), o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Curitiba – órgão autônomo composto por representantes da prefeitura e da sociedade civil – recebeu um requerimento, de autoria de uma das integrantes do movimento, que pede o tombamento dos remanescentes históricos e paisagísticos do antigo hospital e a proibição da emissão de alvará de demolição, terraplanagem e escavação da área. Em reunião, os conselheiros deliberaram, por unanimidade, pela inclusão de um alerta na guia amarela dos dois imóveis (áreas pertencentes tanto ao Angeloni quanto à Federação Espírita do Paraná (FEP), proprietária do restante do terreno), destacando que se tratam de locais sobre os quais há estudos voltados à sua preservação. Isso faz com que em todas as licenças que venham a ser solicitadas para estes imóveis, como alvarás de construção, conste tal informação.
Para os integrantes do movimento essa foi uma vitória significativa. “Sabemos que o Angeloni ainda não tem alvará de construção e, caso ele solicite, será alertado sobre o pedido de tombamento que fizemos. É uma vitória importante que visa preservar o que ainda resta do antigo hospital, como toda sua planta baixa, uma horta e um pomar que ainda existem lá, o túmulo de Lins de Vasconcelos e todo o muro que cerca o terreno”, destaca o advogado Guilherme Scholz, que representa a requerente e participa, ele próprio, do movimento.

Reivindicações dos moradores

“A Causa Mais Bonita da Cidade”, segundo seus organizadores, não agrega apenas moradores do Bom Retiro. “Apesar da participação cada vez maior de pessoas que moram no Bom Retiro existe também a presença de muitos praticantes do espiritismo e gente de todas as partes da cidade”, diz o pedagogo Luca Rischbieter, um dos integrantes do movimento. A mobilização reivindica a conservação total da área, incluindo a parte pertencente ao Angeloni, e a criação de um parque municipal que preserve o bosque existente no terreno.
Outro membro do movimento, o engenheiro civil e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Eloy Casagrande Junior afirma que a construção de um supermercado traria diversos prejuízos ambientais ao local. “Os principais prejuízos com a construção desse empreendimento seriam os ambientais, como a impermeabilização do solo, já que uma área de 17 mil m² seria concretada; a construção de dois estacionamentos subterrâneos que podem contaminar o lençol freático e a sufocação do bosque e do vento com a instalação de um paredão de concreto que faz parte do supermercado”, diz. Casagrande ainda alerta sobre o fim do corredor verde que vai do Parque São Lourenço ao Bosque Alemão. “Catalogamos mais de 30 espécies de animais que circulam por essa região, entre elas o Jacu, ave ameaçada de extinção”.

Histórico

O edifício original do Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro, que deu nome ao bairro, foi demolido em 8 de dezembro de 2012, 67 anos depois de sua fundação. Dedicado ao tratamento da saúde mental, o hospital fez parte da paisagem urbana de Curitiba com uma arquitetura que remetia ao padrão dos sanatórios brasileiros da primeira metade do século 19.
Antigo prédio do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, demolido em 2012. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Antigo prédio do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, demolido em 2012. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Após a compra da área pela incorporadora Invespark, o Grupo Angeloni adquiriu 17 mil m² da parte sul do lote, na esquina das ruas Nilo Peçanha e Comendador Lustosa de Andrade, para a construção de uma nova loja na cidade, a terceira de sua rede em Curitiba. Em 2015, o terreno restante acabou devolvido à FEP, que desfez o negócio com a incorporadora.
No último dia 18, a FEP, que é proprietária da maior parte do terreno, 24,5 mil m² somente de bosque, divulgou uma nota pública na qual se compromete com a preservação das áreas de maciço vegetal. No dia seguinte, em entrevista exclusiva a HAUS, o prefeito Rafael Greca afirmou ter a intenção de fazer da área um memorial em homenagem ao artista paranaense João Turin e disse que convidou representantes da FEP para um encontro no qual manifestou o desejo de permutá-la. O prefeito ainda fez críticas à “volumetria” do projeto do novo mercado e afirmou que pediria mudanças estruturais ao Angeloni.
O Grupo Angeloni informou, por meio de sua assessoria, que apresentou ao prefeito apenas os “grandes números” do projeto, e que seu programa de arquitetura deve entregar à comunidade uma solução completa de serviços com qualidade: “Nessa reunião, apresentamos também algumas imagens superficiais, apenas ilustrativas, e em função das pertinentes colocações e considerações do prefeito com relação à possibilidade de executarmos uma obra integrada com o bosque do terreno ao lado, pertencente à Federação Espírita do Paraná, as equipes técnicas envolvidas estão estudando mais alternativas com essa finalidade”.

Mudanças significativas

Outras transformações que afetariam o bairro, como o aumento no fluxo de trânsito da região, também estão entre as preocupações do movimento. Segundo dados da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), o volume médio de veículos que trafega diariamente na Rua Mateus Leme é de 22 mil carros. Pela Nilo Peçanha circulam diariamente 12,7 mil veículos. “O bairro não precisa de um fluxo maior de automóveis porque já estamos sobrecarregados nesse sentido”, avalia Casagrande.
Greca estava em negociação com a Federação Espírita Paranaense para abrigar memorial no Bosque Bom Retiro. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Greca estava em negociação com a Federação Espírita Paranaense para abrigar memorial no Bosque Bom Retiro. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Para o ambientalista, há, inclusive, uma ligação entre a construção do binário da Mateus Leme/ Nilo Peçanha com a vinda do supermercado: “Soubemos que havia representantes do mercado na reunião que discutiu a implantação do binário há alguns meses”, afirma. A prefeitura, no entanto, nega qualquer relação entre uma coisa e outra: “O binário com as obras em andamento vai atender a uma demanda já existente no local. Ou seja, aos milhares de veículos que circulam todos os dias pelas ruas Mateus Leme e Nilo Peçanha. Não existe relação entre a construção do binário e a vinda do Angeloni”, ressaltou a prefeitura por meio de nota.

Mudanças estruturais

A arquiteta e urbanista Maria Elisa Mercer explica que qualquer empreendimento de grande porte, como um supermercado, traz mudanças estruturais para a região em que está instalado. Por isso, segundo ela, há necessidade de se fazer um estudo de impacto de vizinhança para entender se o uso e o porte de um empreendimento são adequados para a área pretendida. “O planejamento de um bairro deve ser pensado como um total de muitas partes. Se um empreendimento sobrecarrega o tráfego, não apenas medidas mitigatórias devem ser tomadas, mas medidas estruturantes, como investimento em transporte coletivo numa área em que se pretende adensar e diversificar seus usos”, ressalta.
Maria Elisa diz também que a prioridade ao pedestre e ciclista deve ser considerada inclusive nos big boxes – conjuntos arquitetônicos como supermercados e shoppings – que geralmente têm projetos voltados apenas para os carros. “A binarização da cidade para acomodar mudanças no trânsito é um erro”, opina. “As cidades já não são mais pensadas de maneira ‘carrocrata’. Tais binários criam o que se chama de demanda induzida: a longo prazo a quantidade de veículos tende a crescer, novamente afogando as vias que deformaram o bairro para permitir mais pistas, ruas mais largas, maiores velocidades e maior capacidade para os automóveis”, completa.

Superoferta de supermercados

No Bom Retiro há dois supermercados, Condor e Festval, além de outros mercados de pequeno e médio porte, que atendem à demanda dos 5.156 habitantes do bairro. Na visão dos integrantes do movimento, a região não precisa de um novo supermercado. “Nosso bairro já tem grandes supermercados. Os prejuízos se multiplicarão com a vinda de outro, absurdamente instalado há duas quadras (de um), gerando degradação da qualidade de vida, morte do comércio local, esvaziamento das calçadas com abertura de espaço para a marginalidade”, protesta Rischbieter.
Foto do terreno do antigo Hospital Psiquiátrico do Bom Retiro, onde será construída a nova loja do Angeloni. Local: Rua Nilo Peçanha esquina com a Rua Lustoza de Andrade.
Foto do terreno do antigo Hospital Psiquiátrico do Bom Retiro, onde será construída a nova loja do Angeloni. Local: Rua Nilo Peçanha esquina com a Rua Lustoza de Andrade.
O Angeloni diz que sua estratégia de expansão é baseada em pesquisas de mercado. “Desde a nossa chegada em Curitiba, analisamos frequentemente o desenvolvimento das diversas regiões que temos mapeadas na cidade. Para a construção da nossa terceira unidade, definimos o Bom Retiro, que seguramente comporta um empreendimento dessa dimensão”, afirma o grupo.
Sobre a mobilização em favor do bosque a prefeitura de Curitiba diz que toda manifestação da sociedade civil é bem-vinda. “Pediam a manutenção dos bosques e eles já estão preservados por legislação federal e municipal. A vinda do supermercado, no entanto, não foi decidida na atual gestão”, alega a administração municipal.
O Grupo Angeloni, por sua vez, informou que o bosque será totalmente preservado pela empresa: “Em tudo o que se refere às questões ambientais, seguimos rigorosamente o que nos foi solicitado pelos órgãos competentes durante o processo de licenciamento”.
*Especial para a Gazeta do Povo.

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