Arquitetura

Sem autorização, casamento de deputada altera fachada de prédio histórico de Curitiba

Carolina Werneck*
07/07/2017 20:58
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A estrutura montada em frente à fachada do Palácio Garibaldi é quase mais alta que o próprio prédio. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo | Carolina Werneck Bortolanza

Patrimônio histórico do Paraná desde 1988, o Palácio Garibaldi, no São Francisco, está há dez dias sendo “escondido” para a festa de casamento da deputada estadual Maria Victoria Borghetti Barros (PP). Sem autorização da Coordenação do Patrimônio Cultural do Estado (CPC), estruturas de metal seguem sendo instaladas na frente, laterais e fundos do local.
De acordo com o artigo 15 da Lei Estadual 1.211/53, que dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e natural do estado, não é permitido “na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes” sem autorização da Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná. A pena determinada pela legislação é de que se retire o objeto e se aplique multa de 50% do valor do mesmo. Para Rosina Parchen, ex-chefe da CPC do Paraná, essa é uma lei que regulamenta a “área envoltória do local. Acontece que a estrutura em questão está dentro de um bem tombado. Não se pode admitir que se construa uma coisa dessas proporções para um evento na frente de um bem tombado, mesmo que seja temporária”.
Por meio da assessoria, a CPC informou que só na tarde desta sexta-feira (7), a Sociedade Garibaldi fez o pedido de autorização da obra junto ao órgão. “A CPC vai mandar técnicos ao edifício na segunda-feira (10) para constatar se houve danos ao patrimônio”, diz a assessoria. Caso seja constatado que nenhum dano foi sofrido pelo imóvel, a autorização deve sair até a próxima quarta-feira (12). Se, ao contrário, os técnicos verificarem que o edifício foi danificado, a estrutura deverá ser desmontada. Questionada sobre a rapidez com que o pedido está sendo analisado, a assessoria disse que o procedimento, nesses casos, é sempre rápido.
De acordo com o presidente em exercício da Sociedade Garibaldi, proprietária do edifício, a estrutura vai cobrir todos os lados do local. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
De acordo com o presidente em exercício da Sociedade Garibaldi, proprietária do edifício, a estrutura vai cobrir todos os lados do local. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
De acordo com Cliceu Luis Bassetti, presidente em exercício da Sociedade Garibaldi, que é proprietária do palácio, a intervenção feita ali não tem autorização da Divisão. O casamento da deputada, que também é filha da vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti (PP) e do ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), será realizado na próxima sexta-feira (14). Mas os preparativos do lado de fora do palácio já começaram há dez dias, no dia 28 de junho, segundo Bassetti. Ele explica que foi necessário montar essa estrutura porque o número de convidados do evento excede a capacidade de público do palácio. “É o casamento de um associado que se propôs a fazer essa cobertura no estacionamento para acomodar os convidados. Mas a estrutura vai ser desmontada logo depois da festa. A festa é no dia 14, dia 17 já não tem mais nada ali.” Alguns operários que trabalhavam na obra na manhã desta sexta-feira (7), no entanto, afirmam que o prazo para o desmonte é quase igual ao da montagem. “Vai levar uma semana, dez dias”, disse um deles.
Outras ações também causaram estranhamento. Na manhã desta sexta-feira (7), por exemplo, um funcionário pintava o portão do edifício tombado. Questionado sobre esse detalhe, Bassetti alega que a pintura faz parte de um restauro que já vinha sendo feito no local. “Estamos com um projeto de restauração de todo o patrimônio em estudo no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).”
Em visita ao prédio na manhã desta sexta-feira (07), a reportagem contou pelo menos 15 funcionários envolvidos na montagem. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
Em visita ao prédio na manhã desta sexta-feira (07), a reportagem contou pelo menos 15 funcionários envolvidos na montagem. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

Especialistas denunciam intervenção

Temporária ou não, a reclamação dos especialistas em patrimônio tem origem no fato de que o palácio está visualmente inacessível para a população e os turistas. O arquiteto Key Imaguire Jr. avalia que “o problema é que a cidade fica sem um prédio importante por quase um mês. Estou muito indignado com isso. Esse palácio é fundamental para a paisagem urbana de Curitiba“. Para o também arquiteto José La Pastina, “está sendo negada aos visitantes a oportunidade de ver um belíssimo exemplar da arquitetura curitibana. Esse é o dano maior. Vai atrapalhar todo o mês de férias com uma coisa horrorosa na frente de um prédio histórico”. Tanto Imaguire quanto La Pastina foram membros do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (Cepha) até maio deste ano, quando 17 especialistas pediram renúncia do órgão ao mesmo tempo. Na época, o grupo alegou “equivocada política cultural da atual gestão estadual”.
As divergências com o governo do estado surgiram porque, de acordo com os ex-conselheiros, o Conselho teria sido posto para escanteio. Imaguire diz acreditar que o episódio do Palácio Garibaldi é consequência da negligência para com o Cepha. “Isso aí vem de toda uma situação de inatividade. As novas administrações fecharam os olhos”.
Os especialistas também criticam a decisão de realizar um evento desse porte em um local que não comporta o número de convidados – serão cerca de mil pessoas, segundo a Sociedade Garibaldi. “Não havia outro lugar? Tinha que ser ali? Por que não vão para um espaço que já tenha estrutura para receber essa quantidade de pessoas, como é o Castelo do Batel, por exemplo?”, questiona Rosina.
O Cepha é subordinado à Secretaria Estadual de Cultura do Paraná. Por se tratar de um órgão estadual, La Pastina chama a atenção para o descumprimento das regras que regem o patrimônio histórico do estado. “A própria vice-governadora, Cida Borghetti, é interessada nesse caso. Ela deveria ter sido a primeira a respeitar a legislação e proteger esse bem tombado.” Ele avalia que, por se tratar de uma intervenção perene, seria necessário comunicar à população os motivos para o local estar sendo coberto com as estruturas.
O objetivo das estruturas de metal é ampliar a capacidade de público do Palácio Garibaldi, que normalmente comporta 300 pessoas. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo
O objetivo das estruturas de metal é ampliar a capacidade de público do Palácio Garibaldi, que normalmente comporta 300 pessoas. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo

Ponderações

O advogado Luiz Gustavo Vardânega Vidal Pinto, presidente da Comissão de Assuntos Culturais da OAB Paraná e da Comissão Especial de Cultura e Arte da OAB nacional, afirma que não deve haver consequências jurídicas para a intervenção. Isso porque “aparentemente é uma estrutura provisória, que não vai afetar em nada a questão patrimonial”. Para ele, esse tipo de evento pode, inclusive, gerar renda para prédios históricos, o que contribui para que a manutenção desses locais seja mantida em dia. Entretanto, ele afirma não ter como avaliar os danos do ponto de vista do Cepha.
Procurada, a assessoria de Maria Victoria confirmou que as preparações do Palácio Garibaldi são para o casamento da deputada. “O Palácio Garibaldi foi escolhido pelo vínculo afetivo e familiar. Maria Victoria realizou, recentemente, outros eventos no Palácio Garibaldi”, disse. A assessoria também afirma que “a estrutura não tem sustentação no edifício, foi projetada com um pé direito alto para valorizar a arquitetura do Palácio e será translúcida, deixando o arquitetônico aparente”. Leia a nota de esclarecimento completa da Sociedade Garibaldi:
Nota de esclarecimento da Sociedade Garibaldi a respeito da estrutura que está sendo montada em frente ao Palácio Garibaldi para o casamento da deputada Maria Victoria (PP). Imagem: Reprodução
Nota de esclarecimento da Sociedade Garibaldi a respeito da estrutura que está sendo montada em frente ao Palácio Garibaldi para o casamento da deputada Maria Victoria (PP). Imagem: Reprodução
*Especial para a Gazeta do Povo

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