Arquitetura

As cinco construções mais antigas de Curitiba que estão em pé há mais de 130 anos

Diego Antonelli*
29/08/2017 21:30
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Casa Romário Martins é considerada a mais antiga de Curitiba, datada do fim do século 18. Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Elas resistiram à mão pesada de quem despreza a história em Curitiba. Cinco casas construídas entre o período colonial e o fim da era imperial são as mais importantes de um grupo de sobreviventes que não tiveram o triste fim de muitos edifícios antigos da cidade e, tombadas pelo Patrimônio Histórico do Paraná, guardam memórias de um pouco de mais de dois séculos. Casa Romário Martins, Palacete Wolf, Palácio do Barão do Serro Azul, residência de Cristiano Osternack e casa do Burro Brabo continuam em pé – ainda que sempre dependam de proteção pública para sobreviver à ignorância em relação ao passado.
Palacete Wolf, na Praça Garibaldi, no Largo da Ordem. Imóvel foi construído em 1880 e passou por restauro recentemente para abrigar a Secretaria Municipal de Turismo.<br>Foto: Divulgação/SMCS
Palacete Wolf, na Praça Garibaldi, no Largo da Ordem. Imóvel foi construído em 1880 e passou por restauro recentemente para abrigar a Secretaria Municipal de Turismo.<br>Foto: Divulgação/SMCS
A mais antiga delas é a Casa Romário Martins, localizada no número 30 no Largo da Ordem. É o último exemplar da arquitetura colonial portuguesa em Curitiba. A data precisa da construção da residência é incerta. Sabe-se, por suas características, que ela é do final do século 18 e que serviu como espaço residencial e comercial por aproximadamente dois séculos. Há 40 anos, o local transformou-se em um espaço para guardar o acervo histórico da capital.
A mais recente é o Palácio do Barão do Serro Azul, edificado em 1885 pelos engenheiros italianos Ângelo Vendramin e Batista Casagrande, e que pertenceu a Ildefonso Correia, barão, empresário e político de grande prestígio no Império. Durante os 10 anos em que a casa foi habitada por ele e sua família, reuniram-se em seus salões os principais personagens do cenário político não só para saraus e bailes como também para discussões de problemas relacionados ao comércio da madeira e da erva-mate.
Segundo o historiador Marcelo Sutil, da Fundação Cultural de Curitiba, esses cinco exemplares denotam uma evolução da cidade. De um estilo de construção mais colonial, com janelas de madeira e pouca ventilação, as casas passaram a ter uma outra concepção com a vinda dos imigrantes do Velho Continente e também por medidas medico-sanitárias.
“As casas coloniais eram todas coladas, parede a parede. Com o tempo, as moradias passam a ter janelas com vidros, que até então eram caros e pouco utilizados, e com mais ventilação. O Palácio do Barão até antecipou o Código de Posturas de 1895, que permitiu que as residências tivessem um espaço para um jardim”, explica Sutil. O Palácio do Barão foi um dos primeiros do município a inovar neste aspecto.
A manutenção desses espaços em meio aos prédios mais modernos que surgem ano a ano na cidade é, segundo ele, fundamental para preservar parte da história. “Não podemos congelar a cidade, mas alguns elementos referenciais devem ser preservados. Até para as gerações saberem como se morava anteriormente, deixar a cidade mais eclética e também mostrar a evolução do município”, ressalta Sutil.

“História capenga”

Entre o final do século 19 e início do século 20, Curitiba cometeu os maiores crimes contra a sua história urbana, na opinião do historiador e arquiteto Irã Taborda Dudeque. Ele cita que a demolição da antiga Igreja Matriz e da Casa de Câmara e Cadeia “apagaram a formação colonial e fizeram com que Curitiba, uma cidade de três séculos, passasse a ter uma história capenga”.
Tais demolições ocorreram porque a comunidade curitibana entendia que aqueles edifícios não eram importantes, pois representavam o passado, enquanto o objetivo de todos era mirar o futuro. “Agora, pode-se valorizar edifícios menos importantes. O simbolismo ou a falta dele é uma construção coletiva”, salienta. Confira, a seguir, um pouco da história de cada uma delas.

Palacete Wolf

Palacete Wolf, no Largo da Ordem.<br>Foto: Divulgação SMCS
Palacete Wolf, no Largo da Ordem.<br>Foto: Divulgação SMCS
Construído pelo imigrante austríaco Fredolin Wolf, em 1880, o Palacete Wolf foi, além de residência, sede, em diferentes épocas, dos colégios Curitibano, Parthenon Paranaense, Internacional, Pereira Pitta e da seção masculina do Bom Jesus. De 1886 a 1891, o imóvel foi alugado para o Corpo Policial da Província, mas em seguida foi transformado em sede do governo do Paraná (até 1892). Há referências, contudo, em textos na Casa da Memória, que o palacete seria até mesmo anterior a data de 1880.
Durante a Revolução Federalista (1894), o sobrado serviu de Quartel General do 5º Distrito do Exército. Entre 1912 e 1913, o casarão sediou a Câmara Municipal e, no ano seguinte, o andar superior foi ocupado pela Loja Maçônica de Curitiba. Nessa época, a família Bianchi passou a residir no térreo e montou também escola particular de pintura e de violino, ocupando o imóvel por 42 anos. Abrigou a Coordenação de Literatura e desde 2017 se tornou sede do Instituto Municipal de Turismo.

Casa Romário Martins

Detalhe da Casa Romário Martins construída no fim do século 18.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Detalhe da Casa Romário Martins construída no fim do século 18.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
A data precisa da construção da residência é incerta. Sabe-se que ela é do final do século 18 e que serviu como espaço residencial e comercial por aproximadamente dois séculos. A casa foi tombada pelo estado em 1971 e incorporada ao patrimônio histórico do município no ano seguinte. Em 1973, foi inaugurada como Casa Romário Martins, em homenagem ao historiador paranaense nascido em Curitiba.
Segundo Marcelo Sutil, coordenador da diretoria de patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba, a dificuldade em precisar a data da edificação deve-se à falta de documentos. “Sabemos que é do final do século 18 pelas características arquitetônicas, mas na época não havia obrigação de entregar a planta e o alvará de construção à prefeitura”, explica.
A historiadora Maria Luiza Baracho, da Casa da Memória, que pesquisou a história da casa, relata que um dos primeiros proprietários teria sido Lourenço de Sá Ribas, que adquiriu o imóvel da Irmandade do Santíssimo Sacramento. No final do século 19, conforme fotografia de época, funcionou no imóvel o Armazém do Paiva. Dessa forma, o que seria provavelmente uma residência foi adaptado para um novo uso.
A primeira escritura do imóvel é de 1902. O proprietário era Guilherme Etzel, que instalou um armazém de secos e molhados. A partir de 1930, funcionou como Armazém Roque. A casa também abrigou um açougue e, no anexo construído ao lado, uma peixaria. Após ser tombada, o arquiteto Cyro Corrêa Lyra elaborou um projeto de restauro. As obras foram concluídas em 1973.

Casa do Burro Brabo

Casa Burro Brabo no bairro Bacacheri, foi construída por volta de 1860 e é uma das últimas casas com características rurais de Curitiba.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Casa Burro Brabo no bairro Bacacheri, foi construída por volta de 1860 e é uma das últimas casas com características rurais de Curitiba.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Foi construída por volta de 1860, quando o bairro Bacacheri era mais conhecido como Colônia Argelina – local de 118 imigrantes de 39 famílias francesas. É uma das últimas casas com características rurais de Curitiba. Além de moradia, este local funcionou como armazém e pousada para viajantes. Registros apontam que Dom Pedro II, durante suas andanças pela região, chegou a pernoitar no local. Ali também abrigou um prostíbulo conhecido na época como a “Casa das Francesas”.
Construída em um único pavimento, com técnica mista, possui uma varanda nas fachadas frontal e lateral, com piso de tijolos. A cobertura do imóvel é outra característica marcante, não só pelas suas dimensões, mas também pela sua linha de caimento que se projeta sobre as varandas.
Na lenda popular, o nome Burro Brabo “pegou” quando ali ficavam os burros que andavam pela antiga Estrada da Graciosa, a qual margeava a casa e era destino de viajantes tropeiros da cidade ao litoral. Os animais que paravam aos montes na frente do imóvel, já que ali era pousada e armazém, eram tão ariscos que ninguém conseguia chegar perto. Não deu outra: a casa ganhou o apelido.

Solar do Barão

Foi construído em 1885, pelos engenheiros italianos Ângelo Vendramin e Batista Casagrande e pertenceu a Ildefonso Correia, o Barão do Serro Azul.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Foi construído em 1885, pelos engenheiros italianos Ângelo Vendramin e Batista Casagrande e pertenceu a Ildefonso Correia, o Barão do Serro Azul.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Construído em 1885, pelos engenheiros italianos Ângelo Vendramin e Batista Casagrande, pertenceu a Ildefonso Correia, o Barão do Serro Azul, empresário e político de grande prestígio no Império. Durante 10 anos foi habitada pelo barão e sua família. O assassinato do barão em 1895, com o de outros políticos, após a Revolução Federalista, motivou a saída de sua família do palacete. Desde então, passou a ser ocupado pelo 5º Distrito Militar, e de 1912 a 1975 pelo Exército.
Foi restaurado em 1980 pela Prefeitura Municipal de Curitiba para sediar um espaço cultural da cidade, com outros edifícios anexos. A restauração evidenciou os elementos decorativos dos forros e paredes, a riqueza de detalhes dos pisos, das principais salas, bem como elementos em materiais como a madeira das escadas internas e ferro e mármore de escada externa.
“A construção desses palacetes fizeram com que os brasileiros passassem a copiar o estilo arquitetônico europeu, na época o ecletismo, e assim as lojas daqui passaram a vender adereços, como vasos e elementos decorativos, que eram comuns nessas edificações”, explica o historiador Marcelo Sutil. O complexo cultural Solar do Barão, que funciona atualmente no local, foi inaugurado em novembro de 1980.

Casa de Cristiano Osternack

Casa Cristiano Osternack, também conhecida como Casa das Mercês, foi construída em 1870.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Casa Cristiano Osternack, também conhecida como Casa das Mercês, foi construída em 1870.<br>Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Casa que serviu de residência a Cristiano Osternack, também conhecida como Casa das Mercês. Ele era um alemão, natural de Hamburgo, que emigrou para o Brasil em 1847, aportando em São Francisco do Sul, no estado de Santa Catarina. Sabe-se que ficou pouco tempo em São Francisco e de lá veio morar em Curitiba, onde fundou a primeira olaria da capital paranaense, na região das Mercês.
Em 1870, próxima à olaria, edificou a casa para sua moradia. De arquitetura simples, com um pavimento e sótão, foi construída em alvenaria de pedras e tijolos, dos quais provavelmente oriundos da própria olaria. No ano de 1987, passou por obras de restauro. Hoje, um restaurante funciona no local.

*Especial para a Gazeta do Povo.

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