Arquitetura

Com carta aberta a Greca, possível mudança da Ponte Preta gera polêmica

Sharon Abdalla
22/08/2017 23:13
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Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo | GAZETA

Amada por uns e por outros nem tanto, a Ponte Preta volta e meia é alvo de polêmicas. A mais recente delas diz respeito à possível mudança de sua estrutura, tema levantado em carta aberta publicada pelo arquiteto Key Imaguire Jr. em seu blog e dirigida ao prefeito Rafael Greca (PMN).
No texto, que está no ar desde a noite desta segunda-feira (21), o arquiteto, que é a maior sumidade do estado em história da arquitetura, diz haver a intenção, por parte da prefeitura, de remover a tradicional estrutura da Rua João Negrão para um lugar ainda desconhecido. A justificativa, que inclusive teria fundamentado “tentativas anteriores de remover ou desfigurar” a ponte, estaria baseada no tráfego de caminhões pela via, que vez ou outra, por conta de suas alturas, “enroscam” na estrutura da ponte.
Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo
Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo
A prefeitura, por sua vez, nega qualquer iniciativa neste sentido. Em post publicado na manhã desta terça-feira (22) nas redes sociais, o prefeito Rafael Greca diz que o profissional está “mal informado” e afirma ser contra a remoção da ponte e “inteiramente a favor de sua preservação como bem essencial da Memória Ferroviária Urbana de Curitiba” (sic).
Procuradas pela reportagem, a Secretaria Municipal do Urbanismo e Assuntos Metropolitanos e o Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) afirmaram, por meio das assessorias de imprensa, desconhecer qualquer iniciativa que tenha por objetivo trasladar a Ponte Preta. Mesma posição tem a Coordenação de Patrimônio Cultural (CPC), unidade da Secretaria de Estado da Cultura responsável pelos assuntos relativos à preservação do patrimônio histórico e artístico e natural do Paraná.
“Não sei de onde [o arquiteto Key Imaguire] tirou essa informação. Qualquer projeto que se faça em relação a um bem tombado passa primeiro por aqui, e não passou nada. Em nenhum sentido a coordenação foi consultada pela prefeitura. A ponte deve permanecer onde sempre esteve”, garante Sergio Marcos Krieger, chefe da CPC. A Ponte Preta – construída em 1944 para substituir outra ponte que não sustentava mais o tráfego da ferrovia que liga Paranaguá a Curitiba – está incluída no tombamento estadual do conjunto formado por ela e pela estação ferroviária de Curitiba, que hoje abriga o Museu Ferroviário.
“Eu sou desse ambiente do patrimônio cultural e a gente sempre sabe de tudo. Essa informação chegou até mim há alguns dias e a notícia é a de que o projeto corre em segredo no ambiente da prefeitura”, acusa Imaguire, que é ex-membro do Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná.

A ponte

Mesmo negada pela prefeitura, esta não seria a primeira vez em que ações envolvendo a Ponte Preta seriam discutidas, principalmente no sentido de se evitar os frequentes incidentes envolvendo caminhões e outros veículos com altura elevada, como os ônibus da Linha Turismo.
Caminhão entalado na Ponte Preta, na rua João Negrão .
Caminhão entalado na Ponte Preta, na rua João Negrão .
“Há cerca de cinco, seis anos, houve a ideia de se elevar a Ponte Preta“, lembra Kallil Assad, historiador e secretário geral do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR). Nesta ocasião, a possibilidade de elevação da ponte ou do rebaixamento do asfalto foram analisadas em decorrência da obra de revitalização realizada pela prefeitura em parceria com a Thá In­­corporadora. A iniciativa foi uma medida compensatória da empresa para a construção do empreendimento 7th Avenue, vizinho da ponte.
“O instituto sempre manteve uma posição contrária à retirada do asfalto ou à elevação da ponte, justamente pela preservação do conjunto ferroviário”, pontua Assad. Imaguire concorda e reforça que a cidade não pode se esquecer do papel que a ferrovia teve na configuração urbana de Curitiba, que cresceu muito em função dela.
“Sobre ela passou parte substancial da economia paranaense, escoando a produção dos planaltos para os portos de Antonina e Paranaguá. Seu belo projeto, dos anos quarenta, é único na cidade e fala de uma época, de uma concepção estrutural então ousada, e que merece respeito”, avalia na carta aberta que escreveu ao prefeito Rafael Greca. Ainda segundo o arquiteto, o único argumento possível, mas ainda assim não razoável, para se retirar a Ponte Preta de seu endereço original seria o tráfego de caminhões.
Edificio Teixeira Soares, na rua Joao Negrao, junto a Ponte Preta. O predio, que pertence a UFPR vai abrigar um museu ferroviario.
Edificio Teixeira Soares, na rua Joao Negrao, junto a Ponte Preta. O predio, que pertence a UFPR vai abrigar um museu ferroviario.

Trânsito

Rosina Parchen, ex-chefe da CPC do Paraná, também não considera o fluxo dos veículos na região um argumento suficiente para sustentar um projeto que tenha por objetivo a remoção da ponte, principalmente pelo fato de a Rua João Negrão não ser a única passagem possível do centro para além da linha férrea.
“Alguma medidas que a prefeitura poderia tomar, por exemplo, era a de criar uma passagem de pedestres elevada ou retirar o asfalto e deixar a via no paralelepípedo”, sugere. Isso faria com que os motoristas precisassem reduzir a velocidade e, talvez assim, dessem mais atenção à sinalização que informa sobre a altura máxima permitida para a passagem sob a Ponte Preta. “Este é um aspecto que transcende a ponte. É uma questão de indisciplina dos condutores de veículos, pois a sinalização esta [lá]”, acrescenta o arquiteto Key Imaguire.
“Temos que ver a questão sob a perspectiva de como enxergo a cidade. A preservação da memória e das referências urbanas é muito mais importante do que o favorecimento dos veículos em determinada via, especialmente quando ela não é o único ponto de ligação [entre duas regiões da cidade]”, acrescenta Maria da Graça Rodrigues Santos, doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo (UP).
Para ela, a exemplo do que ocorre em outras cidades mundo afora, como em Nova York, a Ponte Preta poderia ser transformada em um espaço de passagem, de convívio das pessoas. Para isso, no entanto, é necessário que ela seja valorizada historicamente, não apenas a nível de tombamento, e utilizada pela população da cidade.
“Ela é um monumento mas, na paisagem, tem uma dimensão ambiental urbana. Não adianta se reconhecer o valor e deixar as coisas como estão. É preciso promover mudanças, como concursos, exposições e propostas de uso para a Ponte Preta. Isso criaria um ambiente de participação da população que gera urbanidade, o resgate nas pessoas do sentido de pertencimento, que é do que nossas cidades estão padecendo”, avalia.
Segundo a coordenadora da UP, isto não envolve somente iniciativas públicas, mas pode partir da própria população no momento em que ela entenda que a Ponte Preta pertence à ela e não fique à mercê do que a administração pública diz que merece, ou não, ser preservado.
Confira a íntegra da resposta publicada pelo prefeito Rafael Greca em sua rede social.
Imagem: Reprodução.
Imagem: Reprodução.

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