Arquitetura

Minirresidências

Mariana Sanchez, especial para a Gazeta do Povo - marianab@gazetadopovo.com.br
16/05/2010 03:06
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“A fusão da sala de visitas com a de jantar, que por sua vez se conecta com a cozinha, o surgimento do home office e a transformação da sala íntima em home theater evidenciam algumas mudanças no comportamento das pessoas, alterando o programa dos espaços físicos nas residências.” Orlando Ribeiro, arquiteto

Salas tão espaçosas que dava até para jogar futebol. Quartos am­­­­­plos, capazes de abri­­­­­­­gar uma cama king size e ainda sobrar lu­­­­gar para o closet. Ba­­­nheiros gigantes, corredores largos, um varal imenso na lavanderia. Isso sem falar na cozinha, onde cabiam todos os eletrodomésticos da sua mãe. Se você andou trocando de apartamento em Curitiba nos últimos 30 anos, deve ter notado a visível redução dos espaços habitacionais. Este fenômeno, impulsionado por razões urbanísticas, econômicas e sociológicas, já é sentido há tempos em vá­­­­rios países do mundo, especialmente naqueles com grande concentração populacional e desigualdade social elevada – em um bairro do norte de Pe­­­quim, na China, já é possível alugar apartamentos com incríveis 2 m². É para escandalizar qualquer um.
De acordo com Orlando Ribeiro, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo, algumas mudanças nos hábitos das famílias impulsionaram o “encolhimento” das residências atuais, entre eles o de se reunir em torno da mesa durante as refeições, que foram substituídas por encontros rápidos em bares e restaurantes. A redução do número de filhos por casal também contribuiu para o desaparecimento das dependências de empregada, antes comuns nos imóveis da classe média. “A fusão da sala de visitas com a de jantar, que por sua vez se conecta com a cozinha, o surgimento do home office e a transformação da sala íntima em home theater evidenciam algumas mudanças no comportamento das pessoas, alterando o programa dos espaços físicos nas residências”, enumera Ri­­­­beiro. Ele conta que, nos anos 1970, em Curitiba, os edifícios de apartamentos de três quartos para uma família com seis in­­­­­tegrantes (incluindo a empregada doméstica) tinham em torno de 130 a 150 m² de área privativa e pouco mais de 25% de área comum. Agora, eles chegam a 90 m² de área privativa e quase a mesma proporção de área comum. “Isso acontece pelo aumento do número de veículos por família e pela inclusão de espaços hoje considerados importantes, como academia de ginástica, piscina, salão de festas e jogos, churrasqueiras, cinema, espaço gourmet, área de lazer infantil etc”, explica o arquiteto.
Apesar de todas essas transformações sociais recentes, que justificariam o tamanho cada vez menor dos apartamentos, Ribeiro chama atenção para outras questões importantes. “O crescimento significativo na estatura dos jovens (na região Sul, os homens ‘cresceram’ de 1,60m para 1,80m nos últimos 30 anos), a retomada do interesse pela vida familiar com filhos e cães, motivada pela situação econômica relativamente estável no Brasil e o aumento da longevidade da população – fazendo com que, eventualmente, idosos e enfermos convivam por algum tempo na residência de seus familiares – são prerrogativas que precisam ser consideradas para se dimensionar os espaços de uma habitação de forma adequada”, opina.
Compactos
A exploração imobiliária e a saturação das áreas centrais das cidades fizeram com que o preço dos imóveis subisse – e muito – nas capitais. “O custo do metro quadrado em Curi­­­tiba aumentou absurdamente nos últimos quatro, cinco anos. Em certas regiões você acaba achando apartamentos com preços de São Paulo, em torno de R$ 4 mil o metro quadrado”, revela a arquiteta curitibana Sabina Bottarelli, que no ano passado apresentou na mostra Morar Mais por Menos um miniestúdio com apenas 10 m². Diante da nova realidade, pessoas solteiras ou recém-casadas, sem filhos, acabam buscando opções compactas e mais econômicas, com medidas que vão de 25 a 45m².
É o caso dos cariocas Lucia­­­na Rubinstein e Rogério Men­­­des, que há dois anos dividem um apartamento de 26m² no Bigor­­­rilho, em Curitiba. Casa­­­dos há mais de uma década e sem filhos, no Rio de Janeiro eles moravam em um apartamento alugado em Copaca­­ba­­­na, com dimensões semelhantes ao atual. “Era um quarto-e-sala antigo, mas bem desproporcional. O quarto era gigante, a sala média e na cozinha só cabia uma pessoa. A geladeira tinha que ficar em um canto da sala”, lembra Luciana. A assistente-administrativa conta que, quando decidiram ter um imóvel próprio, não podiam comprar nada na capital carioca com o dinheiro de que dispunham – “a não ser em um bairro violento ou em um prédio decadente”, diz. O jeito foi se mudarem para Curitiba, onde o custo de vida ainda é relativamente menor. “Aqui, moramos em um bairro nobre, com conforto e segurança, num apartamento com piscina, churrasqueira, salão de festas e lavanderia coletiva”, diz o administrador condominial, Rogério Mendes.
Prós e contras
Luciane e Rogério defendem que, apesar do pouco espaço, os compactos oferecem muitas vantagens. Uma delas é não precisar gastar com diarista. “Pensamos duas vezes antes de contratar uma, pois podemos fazer a limpeza sem grande esforço, durante o fim de semana”, concorda o casal. Outro benefício é não ter de investir pesadamente em móveis, já que o que tinham no apartamento anterior foi suficiente para mobiliar o novo. “Só compramos o sofá”, contam. Para apro­­­­veitar melhor as dimensões reduzidas, Luciana recebeu a ajuda do irmão, arquiteto, que projetou a cozinha e o quarto do imóvel. A sala, integrada com a cozinha, ganhou uma bancada maior e um armário foi incluído em um local que seria inutilizado. Por causa da altura do Rogério, que mede 1,97 m, foi necessário colocar uma cama com tamanho especial no quarto, mas ainda sobrou lugar para uma sapateira, que serve de apoio para a televisão.
Aquela que poderia ser a maior limitação no dia a dia do casal, porém, tem seu lado bom. “Como sala e cozinha são quase juntas, nunca fazemos fritura para não encher a casa de fumaça. Bife, só na chapa elétrica”, revela Rogério, satisfeito com a alimentação mais saudável.
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Truques preciosos
Luciana Rubinstein queria pintar uma das paredes do seu apartamento de vermelho, mas intuiu que isso tornaria o ambiente pesado e acabou desistindo. Ela já aprendeu que apartamentos compactos exigem organização constante, e que o velho clichê do “menos é mais” continua válido. “Não dá para entulhar muito com objetos, porque isso daria a sensação de que ele é menor ainda. Então optamos por um sofá claro, paredes brancas e poucos elementos”, conta a assistente-administrativa.
Na opinião da arquiteta de interiores Daniela Sumida, Luciana acertou em cheio. Responsável pela criação de um loft minúsculo para a Casa Cor 2009, em parceria com a arquiteta Márcia Helena Guimarães, Daniela acredita que as soluções mais criativas surgem muitas vezes de imprevistos e situações adversas. “Nosso maior desafio na mostra era incluir tudo o que um apartamento precisa ter em um ambiente com 18 m², garantindo conforto e boa circulação de um jeito harmonioso”, conta. Para dar a impressão de amplitude e fluidez, Daniela ensina alguns truques, como eliminar paredes desnecessárias para integrar ambientes, apostar em espelhos, usar cores claras e móveis retos, que geralmente se encaixam melhor nos espaços. “O grande segredo está na planta de layout, onde defino a distribuição do mobiliário nos aposentos. A quantidade e as dimensões dos móveis é fundamental para garantir o conforto”, explica.
Híbridos
Aliás, móveis e objetos com dupla ou tripla função – uma banqueta que faz as vezes de mesa, por exemplo – estão com tudo. Para a arquiteta Sabina Bottarelli, o uso de peças híbridas acentua a versatilidade dos ambientes. “Uma salinha de tevê pode virar quarto de hóspedes, assim como um dormitório se transforma facilmente em quarto de estudos”, exemplifica. Para isso, ela costuma recorrer a peças retráteis, como mesas giratórias que saem debaixo de outra mesa ou pufes com rodinhas, mais fáceis de guardar quando não estão sendo usados. “Infelizmente ainda não existe um nicho de mercado para isso, apesar de algumas lojas já oferecem boas opções. Neste caso, o melhor é fazer um projeto personalizado com móveis projetados pelo próprio arquiteto e executados por um marceneiro de confiança”, opina.
O arquiteto Orlando Ribeiro acrescenta outras dicas interessantes, como optar por pisos com cores claras, abrir janelas internas para integrar ambientes contíguos, preferir a iluminação in­­­­direta e utilizar móveis com vi­­­dro, que permitem olhar através, causando a sensação de que ele ocupa pouco espaço. “Contratar um profissional de arquitetura, decoração ou design de interiores é fundamental, porque ele irá desenvolver um layout personalizado, atendendo às necessidades dos moradores, conforme seu estilo de vida”, orienta Ribeiro.
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Tamanho menor, gastos menores
Há mais de 40 anos, desde que se formou técnica em enfermagem, a paulista Ana Marcello de Oliveira, 67, vive sozinha. Nunca se casou ou teve filhos, e depois que se aposentou, há 10 anos, mudou-se para Curitiba, onde vive em um apartamento pequeno no Centro da cidade. “Adoro morar sozinha, porque gosto de mim e do meu cantinho. Me dou bem comigo mesma”, brinca a aposentada. Co­­­mo faz toda a limpeza de casa e não costuma comer fora, o quarto-e-sala de 43m² é ideal, porque não dá trabalho mantê-lo limpo e organizado. Mas, pa­­ra dona Ana, a maior vantagem é a economia. “Eu pago um condomínio bem mais baixo do que se morasse em um apartamento maior, além de gastar menos energia. Em vez de ter duas ou três lâmpadas acesas, à noite acendo apenas uma de 60 watts no corredor, que é suficiente para iluminar tudo, até a cozinha e o banheiro”, orgulha-se em dizer. Quando acorda, às 6 e meia da manhã, dona Ana também não precisa gastar luz elétrica, basta abrir a cortina da sala e receber a claridade em cheio na pia da cozinha.
Sustentabilidade
De acordo com o arquiteto Or­­­lando Ribeiro, que é consultor do Ministério da Economia de Baden-Wür­­­ttemberg, na Ale­­­manha, para implantação de tecnologias de construção sustentáveis no Brasil, para que um apartamento compacto seja viável economicamente (e do ponto de vista ambiental), o edifício não deve ter excesso de área comum, pois todas essas despesas são rateadas entre os apartamentos. “Outro fator é ter uma boa solução arquitetônica, de forma que os recursos de iluminação e ventilação naturais sejam aproveitados, evitando gastos com luz artificial e climatização dos ambientes”, explica. Ribeiro também salienta a importância de sistemas inteligentes, como elevadores computadorizados e sensores de presença para iluminação artificial nas áreas comuns de circulação. “Em uma unidade com 40m², os gastos energéticos serão significativamente menores do que em uma com 130m², por exemplo, desde que comparando o estilo de vida de um mesmo grupo de pessoas, e que estas tenham consciência ecológica”, conclui. Cons­­ciên­­­cia que não falta em dona Ana. Apesar de todas as atividades que têm durante a semana – da ioga à musculação, da novena ao supermercado –, ela faz questão de se locomover com o veículo que Deus lhe deu: os próprios pés.

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