Arquitetura

Justiça cobra explicações de Greca pela demolição de casa centenária

Carolina Werneck*
01/07/2017 17:13
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A Casa Stenzel foi demolida pela Prefeitura depois de ter sido atingida por um incêndio em 14 de junho de 2017. Foto: Arquivo/Hugo Harada/Gazeta do Povo

A Justiça acatou nesta sexta-feira (30) ação civil pública do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Paraná (SindARQ-PR) contra o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), e contra o município por danos patrimoniais causados pela demolição da casa Stenzel no último dia 14. A decisão é do juiz Guilherme de Paula Rezende, da 4ª Vara da Fazendo Pública de Curitiba. Agora Greca tem 15 dias úteis e a prefeitura, 30 dias úteis, para explicar os reais motivos que levaram à demolição da casa de madeira mais emblemática da capital paranaense. A Prefeitura Municipal de Curitiba e o prefeito afirmam que só vão se manifestar sobre o assunto quando forem notificados.
Protocolada na última quarta-feira (28), a ação pede a apresentação dos documentos e reuniões que embasaram a decisão pela demolição do que restou da casa depois do incêndio. Além disso, a ação também exige que, caso seja constatada a ausência de fundamentação para a demolição, a casa seja reconstruída. Essa reconstrução deverá ser feita mediante elaboração de um plano de restauro.
Outro pedido da ação é de responsabilização do prefeito e demais envolvidos na decisão pela demolição por improbidade administrativa. Ela também pede a responsabilização civil e penal e a aplicação de uma multa que pode chegar a três vezes o valor do que for gasto na reconstrução da Casa Stenzel. Por fim, o SindARQ pede que o Ministério Público se manifeste sobre o assunto.
O que restou da mais emblemática casa de madeira do Paraná. Foto: André Santos
O que restou da mais emblemática casa de madeira do Paraná. Foto: André Santos
Ramón Bentivenha, advogado do sindicato, explica que essa ação “solicita documentos que fundamentaram a decisão pela demolição, se eles existirem. Esses documentos são a base para individualizar condutas e identificar os valores gastos. Nós avaliamos que, na verdade, não foi feito um estudo prévio.” Agora, a ação será distribuída para um juiz da vara da Fazenda. Na sequência, esse juiz terá que analisar os pedidos e determinar se o prefeito deve se explicar a respeito dos fatos mencionados.
“Nós estamos movendo essa ação não só pela Casa Stenzel, mas para questionar toda a política de cultura do município. As decisões têm sido tomadas de forma precipitada e sem fundamentação. Isso não pode continuar acontecendo”, afirma Bentivenha. O presidente do SindARQ, Nilton Gonçalves, concorda com o advogado. “Queremos chamar a atenção das pessoas para que elas cobrem do poder público a conservação do patrimônio. Isso é lei, é obrigação do município conservar o patrimônio histórico.”
Curitiba tem uma legislação específica para proteger o patrimônio cultural da cidade. É a Lei 14.794/2016, sancionada no ano passado. Para Gonçalves, trata-se de uma legislação moderna, que prevê diversos incentivos ao patrimônio. “Isso não foi levado em conta. O próprio poder público, que deveria estar dando exemplo de preservação, é o primeiro a transgredir a lei que ele mesmo aprovou”, aponta.
A ação do SindARQ quer, primeiro, esclarecer as circunstâncias em que a Casa Stenzel foi demolida. “Estamos pedindo os laudos da perícia, mas a informação é de que o do Corpo de Bombeiros, por exemplo, ainda nem saiu. Como você pode condenar e derrubar uma casa sem ter um laudo embasando essa decisão? E se esse laudo me disser que ela ainda tinha condições de ser restaurada?”

Consequências jurídicas

Se condenado, Greca pode até ficar inelegível. “Além da multa pessoal para o prefeito, que ele deverá pagar do próprio bolso, essa ação pode gerar inelegibilidade. Esse é um processo de improbidade administrativa, portanto a consequência pode até mesmo ser essa”, afirma Bentivenha. No entanto, o advogado diz ser pouco provável que uma eventual condenação saia antes do fim deste mandato. O município, por sua vez, deverá pagar um valor por desrespeitar uma lei aprovada por ele mesmo.
O valor atribuído à causa é de R$ 1 milhão, mas Bentivenha afirma que esse é um valor referencial. “A casa não tem um valor de mercado, ela é um exemplar único. É como se a Mona Lisa fosse subitamente destruída. Você não tem como restituir esse valor, porque ele é imensurável.” Para Gonçalves, “o valor dessa casa não está só na forma estética. Ele reside na própria madeira, que estava lá há quase cem anos. A técnica de construção não é a mesma que temos hoje, é uma técnica artesanal. É um dano irreparável.”
Como era a Casa Stenzel, que foi transferida do bairro São Francisco para o Parque São Lourenço. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo
Como era a Casa Stenzel, que foi transferida do bairro São Francisco para o Parque São Lourenço. Foto: Fred Kendi/Gazeta do Povo

Decisão precipitada

Como apurado por HAUS no dia do incêndio, a decisão pela demolição veio após reunião com o secretário do Meio Ambiente, Sergio Galante Tocchio, o secretário da Defesa Social, Algacir Mikalovski, a superintendente da FCC, Ana Cristina de Castro, e um representante da Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi). Naquela ocasião, a reportagem informou que o diretor de patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba, Marcelo Sutil, e o coordenador da Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi), Marcelo Solera, não estavam a par da decisão tomada na reunião mencionada.
De acordo com vários especialistas ouvidos pela reportagem, a demolição foi feita de modo precipitado. Agora, a ação movida pelo SindARQ também se apoia nessa avaliação. “Passaram o trator na casa e esse crime foi quase maior que o incêndio. Quando você passa um trator você destrói as possibilidades de recuperação do imóvel. Não é porque pegou fogo que ela tem que ser demolida”, afirma Gonçalves.
Ele explica que, para que a casa pudesse ser restaurada ou mesmo reconstruída, seria necessário um planejamento detalhado. Esse planejamento foi seguido à risca quando a casa foi transferida do bairro São Francisco para o Parque São Lourenço. “Trata-se de um desmonte. Você tem que marcar peça por peça, saber a posição de cada uma das ripas. Com o trator, eu não sei de onde veio cada janela, se ela era da frente ou do fundo. E isso é importante, existe uma história para que cada peça esteja em um lugar específico.” Esse tipo de trabalho é regido por diversas normas internacionais, inclusive em cartas chanceladas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Depois da demolição, realizada poucas horas depois de o incêndio ter sido controlado, o que restou da casa foi levado para um depósito. Além de não ter sido consultado sobre a derrubada da casa, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Curitiba também não teve acesso, ainda, a essas ruínas. “A gente tem assento no Conselho e essa decisão não passou por lá. Não sabemos o que foi feito com as peças que o trator retirou do parque. Não temos nem como avaliar os danos”, afirma o presidente do SindARQ. Essa avaliação seria importante, segundo ele, porque permitiria que o próprio incêndio passasse a fazer parte do patrimônio. “Em muitos casos é possível manter a madeira que estava lá. No Coliseu, por exemplo, várias partes ruíram e hoje a própria ruína faz parte da história. Poderíamos mostrar o que foi reconstruído, restaurado, e o que é novo.”
*Especial para a Gazeta.

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