Quixotescas, usinas eólicas são as mais cordiais e bonitas na paisagem

Key Imaguire Junior
31/05/2017 18:00
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Atrás da beleza discreta das usinas eólicas está a produção de energia que usamos de modo irresponsável. Foto: Pixabay

Dom Quixote e as usinas eólicas

“Veja vossa mercê que aquilo não são gigantes, mas moinhos de vento, e o que parecem braços são as pás que, movidas pelo vento, acionam a mó.”
Para dar uma ideia da genialidade dessa página de Dom Quixote de la Mancha, publicado pelo espanhol Miguel de Cervantes em 1605, seria necessário citá-la inteira. Mas, quem não a conhece, faça esse favor a si mesmo, corra e leia: é a mais famosa imagem produzida pela literatura, e bem o merece.
Vi poucos moinhos de vento ao vivo — e seu aspecto é pacífico e até mesmo compatível com áreas pouco urbanizadas: são silenciosos, lentos, monótonos mesmo no sentido dos movimentos circulares que se repetem indefinidamente sem variação.
Quando transito pelos Campos Gerais e, na solidão das coxilhas e capões de mato, surge na distância uma usina eólica, sempre lembro da belicosidade do “ingenioso hidalgo”: “Percebo que não tens vivência de aventuras (,Sancho,) são gigantes e, se tens medo, fica de lado e reza.”
Todos sabemos, faltavam alguns parafusos com as respectivas porcas e arruelas ao Cavaleiro da Triste Figura: os mesmos, talvez, que sobravam ao escudeiro. Mas não é esse nosso ponto.
Foto: Livia Yu Iwamura Trevisan/Acervo pessoal
Foto: Livia Yu Iwamura Trevisan/Acervo pessoal
O ponto é que os moinhos de vento/usinas eólicas são geradores dessa energia que nos comprazemos em usar irresponsavelmente nas cidades. A energia de que D.Quixote tomou uma bela traulitada por agredir era a mais limpa e inocente possível: o vento move as pás, que movem a mó, que mói os grãos. Plantados em campo aberto, podiam ser facilmente acometidos por um cavaleiro cheio de ideias e vazio de bom senso.
À primeira vista, o aspecto das usinas nucleares — por exemplo, de Angra dos Reis — também é pacífico: aqueles volumões brancos não têm braços para agitar. Mas nem montando o coitado do Rocinante, nem de carro, nem a pé, nem de patinete, se pode chegar perto. O esquema de segurança contorna as instalações em centenas de metros — e isso é necessário onde há mais ameaças que um cavaleiro sem noção.
Para seguir com essa comparação no mínimo quixotesca, pensemos de maneira genérica nas nossas fontes de energia: as hidroelétricas, apesar de ambientalmente pesadas, no fim das contas criam um novo ambiente — se melhor ou pior que o anterior, é outra conversa. A represa é um lago e o vertedouro, uma cachoeira — usando de muita boa vontade. Artificiais, no que isso possa ter de perigoso e ambientalmente imprudente.
As termoelétricas, por outro lado, são horrendas: mesmo de longe, é olhar e pensar: “isso não pode estar certo”. Agressivas, poluentes, aquecedoras da atmosfera — problemas de todo tipo.
Nesse contexto, as usinas eólicas são cordiais e bonitas na paisagem, um toque de movimento silencioso, discreto e mesmo elegante. Sou admirador fanático del hombre de la Mancha — mas também dos moinhos de vento e usinas eólicas.

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