Estilo & Cultura

Projeto capacita mulheres de baixa renda para reformas na própria casa

Júlia Rohden*
16/10/2017 13:12
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Encontros são realizados semanalmente nas comunidades Dandara e Eliana Silva, em Belo Horizonte. Depois, a equipe do projeto segue acompanhando o desenvolvimento das reformas. Foto: Bruna Piantino/Divulgação. | Bruna Piantino

“Por que a maioria da população brasileira não possui acesso aos serviços técnicos prestados por arquitetos e engenheiros antes ou durante a sua obra?”. Esse foi um dos questionamentos levantados por Carina Guedes durante sua pesquisa de mestrado em Arquitetura, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que deu origem ao projeto Arquitetura na Periferia. 
Desenvolvido desde 2013, em Belo Horizonte, o projeto fornece assessoria técnica para mulheres, de forma que elas tenham condições de melhor suas moradias. Atualmente, o Arquitetura na Periferia é realizado nas comunidades Dandara e Eliana Silva, na capital mineira.
O projeto também estimula a autoestima das mulheres da periferia por meio da participação ativa delas no processo, uma vez que são incluídas em todas as decisões que envolvem a obra. Elas também são apresentadas às técnicas de planejamento de obras e recebem um microfinanciamento (uma pequena quantia para compra de materiais e eventuais contratações de serviços nas reformas).
“Algumas pesquisas mostram que no Brasil a mulher gasta mais que o dobro de horas por semana com trabalhos domésticos, em relação ao homem. Apesar disso, ela é excluída na hora de definir como o espaço da casa será divido”, afirma Carina. “Há vários relatos de mulheres que contratam um pedreiro e ele faz a obra de outra forma, não como ela pediu. Mesmo sendo na casa dela, mesmo sendo ela quem está pagando”, completa.
Foto: Bruna Piantino / Divulgação
Foto: Bruna Piantino / Divulgação
Assim, Carina conta que um dos objetivos do projeto é fornecer informação suficiente para que, mesmo se a moradora optar por contratar alguém ao invés de fazer todo o trabalho, ela possa falar com segurança sobre o que quer naquele espaço.

As etapas

A idealizadora do Arquitetura na Periferia, Carina Guedes, explica que o projeto envolve de quatro a seis meses de encontros semanais nos quais as participantes planejam as reformas.
“Nesse processo, elas aprendem a desenhar, medir, fazer croqui da casa, o orçamento e levantar quais serão os materiais necessários”, elenca a arquiteta. Depois é realizada uma oficina com uma mestra de obras. Ao final dessa primeira etapa, as mulheres recebem o microfinanciamento para iniciar as reformas.
Foto: Pedro Thiago / Divulgação
Foto: Pedro Thiago / Divulgação
Quatro turmas de mulheres – que são, na maioria, mães, negras e trabalhadoras autônomas – já foram formadas pelo projeto. As duas comunidades que recebem o Arquitetura na Periferia são ocupações urbanas: Dandara existe desde 2009 e abriga cerca de duas mil famílias, enquanto na ocupação Eliana Silva são cerca de 300 famílias que, desde 2012, reivindicam a posse da terra.
Essas famílias integram o quadro de 6 milhões de moradias que compõem o déficit habitacional brasileiro, de acordo com dados da Fundação José Pinheiro, de 2015. Minas Gerais é o segundo estado com maior déficit absoluto, com 552 mil moradias a menos do que o necessário para atender a população, atrás apenas do estado de São Paulo.

Autonomia

Tendo a autogestão como um dos princípios, o Arquitetura na Periferia faz com que as mulheres participem de todas as decisões ao longo da obra, atuando como protagonistas. “Além da reforma da casa, a gente percebe uma melhora na autoestima e na autoconfiança dessas mulheres”, relata Carina. Ela considera a metodologia focada na autonomia das participantes um ponto central do projeto e conta que cada turma tem demandas e processos distintos.
“Elas [as participantes] relatam que sentem que não precisam mais depender dos outros. Muitas têm problemas básicos que impactam diretamente seu cotidiano – como não ter uma torneira no tanque e precisar encher baldes para lavar a louça”, conta a idealizadora do projeto.  “Elas acabam ficando mais confiantes em outros aspectos da vida. Até no reconhecimento da própria beleza, como, por exemplo, parar de alisar o cabelo”, finaliza a idealizadora do projeto.

Financiamento

A perspectiva de Carina é a de que o projeto cresça e passe a ser realizado também em outras comunidades. “Agora estamos buscando recursos para manter e ampliar a realização das oficinas e custear o microfinanciamento para as mulheres”, conta a arquiteta, referindo-se à campanha de financiamento coletivo que segue até final de novembro.
Foto: Bruna Piantino / Divulgação
Foto: Bruna Piantino / Divulgação
A equipe do Arquitetura na Periferia é formada por duas arquitetas, duas estudantes de engenharia e uma colaboradora local, todas trabalhando de forma voluntária.
Na primeira turma, em 2013, Carina usou parte de sua bolsa de mestrado para fazer um empréstimo e viabilizar as oficinas. Depois, conseguiu o apoio da ONG Brazil Foundation para fazer os empréstimos e comprar materiais didáticos. Agora, a campanha de financiamento “Abrace a Arquitetura na Periferia” é a aposta para manter o projeto vivo e capacitar outras mulheres para transformar suas casas e também suas vidas.
*Especial para Gazeta do Povo
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