Terreno que foi Mercado das Pulgas e endereço do samba abriga novo prédio de alto padrão

Carolina Werneck*
17/07/2017 10:52
Thumbnail

Fachada do recém-entregue condomínio Mandala, na Brasílio Itiberê. Terreno onde o prédio foi implantado é repleto de memórias da cidade. Foto: Marco Charneski / Divulgação | Marco Charneski

Na esquina da Rua Brasilio Itiberê com a Bento Viana, no Água Verde, um grande terreno guarda muitas histórias. Fábrica de compensados, depois de caixas eletrônicos, o local ainda foi sede de uma escola de samba e loja de antiguidades. O vasto passado do endereço contrasta com a modernidade do Mandala, empreendimento recém-entregue pela AG7 e Grupo Thá, com projeto de arquitetura assinado pelo escritório Realiza Arquitetura e áreas comuns assinadas pelo arquiteto Jayme Bernardo.
As muitas vocações do terreno de mais de seis mil m² começaram com uma fábrica de compensados. Quem conta é José Antônio da Silva, dono do Mercado das Pulgas, que se instalou no local muitos anos depois. “Chamava-se Compensados Stark, se não me falha a memória”. Dessa época, restou apenas o grande barracão, que impressionou o filho do comerciante, Jefferson. “Você entrava naquele barracão e parecia que havia parado no tempo. Havia coluna de madeira, teto de madeira, uma escada lateral. Também tinha um elevador, usado para subir os compensados. Tudo ali parecia que tinha voltado no tempo 100 anos”, lembra.
O Mercado das Pulgas se instalou no terreno do Água Verde em 1998 e lá funcionou até 2013. Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo
O Mercado das Pulgas se instalou no terreno do Água Verde em 1998 e lá funcionou até 2013. Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo
Depois da fábrica de compensados, o barracão abrigou a Duomo. De acordo com José, ela pertencia a um italiano, que foi quem lhe indicou o ponto, quando a loja que ele mantinha na Salgado Filho ficou pequena demais para os negócios. “Eles produziam materiais de fibra de vidro. Os caixas eletrônicos do Bamerindus, na época, eram todos feitos lá. Eram produtos bonitos, modernos para a época”, elogia o dono da loja de antiguidades.

Escola de samba

Em algum momento dos anos 1980, o mesmo barracão foi ocupado pela escola de samba Mocidade Azul. Roseli Miranda, que foi porta-bandeira da agremiação por 21 anos, conta que o local foi escolhido pela facilidade de se chegar até ele. “Aquele lugar era bem mais perto e tinha meio de condução. Assim, ficava mais fácil para os componentes participarem do dia a dia da escola.” Por três anos ali foi o endereço do samba da Mocidade em Curitiba. Durante esse período, grandes personalidades emprestaram seu brilho às antigas paredes da construção, entre elas o lendário Neguinho da Beija-Flor.
Maria Helena Kruk, que então ajudava na secretaria da escola, recorda com carinho as tardes de domingo na “Toca do Leão”. Esse era o nome das rodas de samba realizadas ali todo fim de semana. “A gente tinha um palco e as costureiras trabalhavam na parte de cima do barracão. No fundo ficava a bateria e na lateral, o bar.” Outra festa lembrada com saudades pelas duas veteranas é a “Gala Gay”, desfile de travestis que a Mocidade organizava. “Em uma dessas galas o barracão estava muito lotado, mal tinha como andar lá dentro”, conta Maria Helena.
Mestre-sala e porta-bandeira da Mocidade Azul em ensaio da escola em 2012. Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo
Mestre-sala e porta-bandeira da Mocidade Azul em ensaio da escola em 2012. Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo

Porta para o passado

Em 1998, por fim, José Antônio transformou o endereço em seu Mercado das Pulgas. A loja de antiguidades – e atualidades – era uma novidade na cidade, mas teve uma ajuda da Copa do Mundo realizada na França para se popularizar. “Eu pintei 1.350 muros com o nome “Mercado das Pulgas” e o telefone, só assim. Então o pessoal me ligava e perguntava se eu fazia dedetização. Mas aí a mídia começou a falar do mercado das pulgas de Paris, por causa da Copa, e o pessoal se tocou que o que eu tinha era algo parecido”, diverte-se.
Quando ele alugou o barracão, o local estava fechado havia nove anos. Foram necessárias muitas providências para que ele voltasse a ter a vitalidade de outras épocas. Ao longo dos quase 15 anos em que a loja ficou no espaço, o bairro se desenvolveu ao redor. “Quando mudei para lá, quase não tinha edifícios. Depois eles começaram a surgir, aí o Atlético construiu aquele monumental estádio. Tudo isso ajudou no movimento do negócio e me trouxe meios de sobreviver ali”, explica o comerciante. Em 2013, os donos pediram o barracão de volta. “Quem comprou o terreno me deu um prazo para entregar o lugar. Naquele afã de cumprir o prazo, eu mandei cortar a energia. Com isso, tirei toda a segurança do prédio, que tinha 32 câmeras e cerca elétrica.” O que José classifica como imprudência custou caro. Segundo ele, algumas pessoas entraram no barracão para pegar bronze e o espaço acabou pegando fogo. Por sorte, a maioria dos itens já havia sido levada para um novo endereço e escapou das chamas. A antiga estrutura não teve a mesma sorte.
O antigo barracão foi consumido por um incêndio em 2013. Foto: Antônio More/Arquivo Gazeta do Povo
O antigo barracão foi consumido por um incêndio em 2013. Foto: Antônio More/Arquivo Gazeta do Povo

Mandala, o novo prédio

Com arquitetura assinada pelo escritório Realiza Arquitetura e interiores das áreas comuns concebidos por Jayme Bernardo, o Mandala inaugura um novo ciclo em um lugar que guarda essas memórias afetivas para tantos curitibanos. Coincidentemente, o nome do empreendimento faz referência às formas circulares e coloridas que se desdobram em torno de um ponto central, assim como todas essas histórias têm em comum o mesmo ponto da cidade.
O edifício tem um projeto paisagístico marcante feito por Benedito Abbud, que se traduz em jardins cheios de plantas e espaços para relaxar e descansar. Cada detalhe foi pensado com cuidado para que as características do empreendimento fossem valorizadas. O design da iluminação, por exemplo, foi especialmente desenvolvido por Regina Bruni. Os apartamentos, por sua vez, vêm em 11 versões diferentes. As plantas mais simples têm 84,69 m², com duas suítes, enquanto a “cobertura penthouse” chega a 253,82 m² e, além das duas suítes, tem ainda duas demi-suítes. Todas as unidades têm direito a pelo menos duas vagas na garagem mais uma vaga para moto. O condomínio tem ainda estacionamento coberto para visitantes.
Do lado de dentro, muitas comodidades. Entre elas o piso aquecido nos banheiros das suítes, a infraestrutura para automação, ar-condicionado e aspiração central e o isolamento acústico nos pisos, paredes e esquadrias. O pé-direito simples é de 2,69 m² e o duplo, 5,71 m².  Toda essa estrutura mereceu premiação no 20º Prêmio Master Imobiliário, na categoria Produto Imobiliário, em 2014.
Na foto, o espaço teen do condomínio. A decoração das áreas comuns também tem a assinatura de Bernardo. Foto: Divulgação
Na foto, o espaço teen do condomínio. A decoração das áreas comuns também tem a assinatura de Bernardo. Foto: Divulgação

LEIA TAMBÉM:

Enquete

Você sabe quais são as vantagens de contratar um projeto de arquitetura para sua obra de reforma ou construção?

Newsletter

Receba as melhores notícias sobre arquitetura e design também no seu e-mail. Cadastre-se!