Região industrial e bairro desconhecido. Como era o Rebouças até os anos 1970?

André Nunes*
02/10/2017 17:54
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Pavimentação da Avenida Ivai (atual Getulio Vargas) em 1949. Em primeiro plano, a esquina com a R. João Negrão. A esquerda, a ervateira Leão Jr. A direita, a Cervejaria Brahma. Foto: Acervo Casa da Memória

Quem passa hoje pela região do Rebouças pode pensar que o bairro viveu seu auge até a metade do século passado e, desde então, vem perdendo o protagonismo que tinha quando foi a primeira cidade industrial de Curitiba. A ideia não está errada, mas não leva em conta que, desde sua origem, o Rebouças – antigo Campo da Cruz – foi pouco ocupado e tinha sua identificação como bairro ignorada pelos curitibanos até recentemente.
Do imenso descampado por onde passava o Caminho do Arraial, que ligava a então Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais ao litoral, no século 18, a região que muito depois viria a ser definida como bairro Rebouças só começou a ser habitada no final do século 19, quando da construção da Estação da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá.
Igreja do Imaculado Coração de Maria, na Praça Ouvidor Pardinho, antigo Campo da Cruz, na década de 1930. Foto: Acervo Casa da Memória
Igreja do Imaculado Coração de Maria, na Praça Ouvidor Pardinho, antigo Campo da Cruz, na década de 1930. Foto: Acervo Casa da Memória

Imigrantes, estação e urbanização

Grande parte dos imigrantes que vieram a Curitiba, a partir de 1870, se estabeleceu nos arredores da cidade, fazendo com que a região do Centro crescesse de forma desordenada e despertasse a preocupação das autoridades. “Para direcionar, de alguma forma, a expansão da cidade, projetou-se uma estação ferroviária que deveria ocupar um espaço estratégico, no final da Rua da Liberdade (atual Barão do Rio Branco, então uma travessa carente de benfeitorias), local relativamente afastado do centro comercial, em região pouco habitada, mas de fácil acesso”, descreve o Boletim Informativo da Casa Romário Martins, que se debruçou sobre a história do Rebouças no início dos anos 2000.
Com a movimentação de trens vindos do litoral e interior paranaenses, bem como de outros estados, a região atraiu comerciantes, prestadores de serviços, novos moradores, industriais e trabalhadores para seu entorno. Isso fez com que um projeto de urbanização, apresentado à Câmara Municipal pelo engenheiro Ernesto Guaita em 1885, fosse levantado para aquela área.
A proposta previa um arruamento simétrico, de ruas perpendiculares entre si, que deveria se estender até as proximidades da atual Praça Rui Barbosa. A preocupação da época com o embelezamento da cidade fica clara em uma frase do engenheiro Guaita: “Deixando como está, fica o Largo da Estação sem a precisa simetria e com ofensa à estética”. 
Vista aérea da antiga fabrica de cerveja Atlântica (atual Brahma), na Av. Iguaçu, na década de 1960. Foto: Acervo Casa da Memória
Vista aérea da antiga fabrica de cerveja Atlântica (atual Brahma), na Av. Iguaçu, na década de 1960. Foto: Acervo Casa da Memória

Belém e indústrias

Mesmo assim, a ocupação dos espaços próximos à estação, em direção ao subúrbio, foi lenta e esparsa, já que o local era periodicamente invadido pelas águas do Rio Belém, nas épocas de cheias. A planta de Curitiba de 1893 revela que o povoamento ia somente até a Rua Ivahy (hoje Av. Getúlio Vargas), e da Rua Lamenha Lins até um pouco adiante da Rua São José (atual Av. Marechal Floriano).
Em 1905, a legislação municipal definiu como áreas industriais as regiões do Portão e do atual Rebouças, para facilitar tanto a chegada de matérias-primas como o escoamento da produção próximas da estrada de ferro. “As medidas adotadas (até a década de 1920) surtiram efeito na região do Rebouças, e efetivamente formou-se um setor industrial que aglutinava empresas importantes, atuando em diferentes áreas de produção: cervejarias, engenhos de erva-mate, fábrica de fósforos, madeireiras e construtoras”, detalha o Boletim da Casa Romário Martins. Estava, então, definida a vocação fabril e industrial do Rebouças.

Delimitação do bairro e irmãos Rebouças

A preocupação urbanista com a região do Rebouças foi relativamente precoce, mas isso não fez com o bairro fosse facilmente identificado pelos curitibanos. Quem residia nas imediações da estação ferroviária afirmava morar no Centro. Até os anos 1950, toda a área que atualmente compõe o Rebouças estava distribuída entre os bairros Nossa Senhora da Luz, Iguaçu, Capanema e Prado (pela divisão de bairros usada na década de 1940).
Como o número de bairros era pequeno, a região do Campo da Cruz (atual Praça Ouvidor Pardinho) era identificada como parte do Água Verde. Era nesse campo, aliás, que se realizavam as principais festas religiosas e populares até a metade do século passado, no entorno das paróquias católicas do Imaculado Coração de Maria e de Nossa Senhora do Rocio.
Em 1968, o mapa de setorização de Curitiba é o primeiro a identificar a região com o nome de Rebouças – delimitado oficialmente em 1975 pelo Instituto de Pesquisa Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). A denominação homenageia os irmãos engenheiros Antônio e André Rebouças, que vieram ao Paraná no final do século 19 para construir a estrada de ferro Curitiba – Paranaguá. Não é a toa que uma das principais ruas do bairro, a Engenheiros Rebouças (no plural), também leva o nome dos irmãos.
Antônio Rebouças, engenheiro que construiu a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá com o irmão André, homenageados com o nome do bairro. Foto: Rodolfo Bernardelli / Wikicommons
Antônio Rebouças, engenheiro que construiu a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá com o irmão André, homenageados com o nome do bairro. Foto: Rodolfo Bernardelli / Wikicommons

Bairro desconhecido

Curiosamente, jornais da década de 1970 do acervo da Casa da Memória, que celebram o centenário da ocupação do Rebouças, enfatizam que “grande parte dos curitibanos não conhece o bairro com o nome de Rebouças, pensando que ele faz parte do centro da cidade ou dos territórios vizinhos”, segundo artigo opinativo escrito por alunos de Turismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Encravado entre a Vila Guaíra, Água Verde, Parolin, Prado Velho, Centro e Batel, está um dos bairros mais populosos de Curitiba, existindo como tal somente para o Ippuc, já que seus moradores não o conhecem como bairro Rebouças”, descreve ainda o Diário do Paraná de outubro de 1974.
Vale lembrar que, na época, o bairro tinha pouco mais de 18 mil habitantes e era o oitavo mais populoso da capital (hoje são 14,8 mil moradores). Mesmo assim, os periódicos insistiam em “apresentar o bairro” aos curitibanos, detalhando as indústrias lá instaladas, assim como as escolas, hospitais, igrejas e principais pontos de comércio.
Definitivamente, o “Rebouças tem nervos de aço” – como descreveu o colunista José Carlos Fernandes – e uma identidade peculiar difícil de ser encontrada em outros bairros de Curitiba. Afinal, “ninguém com um mínimo de ciência boceja diante da zona ferroviária e industrial por onde, em tempos idos, circulou a riqueza paranaense. (…) Todos os impasses urbanos do nosso tempo se concentram ali, e podem ser decifrados nos paralelepípedos das ruas Santo Antônio e Piquiri”, resume.
Reprodução do Diário do Paraná de 1974 e do Jornal dos Bairros de 1979, "apresentando" o Rebouças aos leitores. Foto: Acervo Casa da Memória
Reprodução do Diário do Paraná de 1974 e do Jornal dos Bairros de 1979, "apresentando" o Rebouças aos leitores. Foto: Acervo Casa da Memória
*Especial para a Gazeta do Povo

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