Urbanismo

Com os pés na história: pisos de vidro revelam a formação de Curitiba

Felipe Martins*
13/09/2016 22:52
Thumbnail

Praça Tiradentes e Paço Municipal usam pisos translúcidos para resgatar a história de Curitiba. Fotos: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

Quando os tratores começaram a remexer e tirar os primeiros montes de terra em 2008, a área da Praça Tiradentes tinha se estabelecido havia tempos como um dos principais pontos do centro de Curitiba. Além de estar próxima do marco zero da capital, planos de gestões anteriores transformaram o espaço em terminal de transporte público, resultando em um aumento no fluxo de pessoas transitando pela região.
O que muitos dos transeuntes talvez não soubessem é que, ao caminhar pelas calçadas da praça, estavam literalmente caminhando sobre a história. Antes da homenagem ao herói da inconfidência mineira, o Largo da Matriz já estava carregado de memória.
Em 1880, antes de o Brasil se tornar república, a visita do Imperador alterou o nome do logradouro, que passou a se chamar Largo Dom Pedro. A virada do século trouxe, além de novos ares para o país, as primeiras demandas por um plano urbanístico no local.
Nas décadas iniciais do século 20, a organização das árvores em aleias e o plantio dos ipês começaram a dar à praça características que a aproximam dos dias atuais. Em 2006, a necessidade pela renovação das calçadas – quase obstruídas pelas raízes das árvores antigas – e por um ambiente mais arejado e iluminado novamente transportou a Praça Tiradentes à mesa de arquitetos e urbanistas para um novo projeto.
Embora os registros apontem a primeira obra apenas no ano de 1904 – ano das alamedas em formato de cruz -, a revitalização de 2006 esbarrou em um achado. Ao passo em que as máquinas começaram a trabalhar no canteiro, uma equipe de arqueólogos e estudantes da UFPR, comandada pelo professor Igor Chmyz, foi convocada para analisar a descoberta: vestígios do piso original do Largo da Matriz, possivelmente construído durante o período Imperial do Brasil.
Área abaixo do nível da Praça Tiradentes mostra como era o pavimento da região histórica de Curitiba no século 19. Piso pode ser visto pelos rasgos de vidro.
Área abaixo do nível da Praça Tiradentes mostra como era o pavimento da região histórica de Curitiba no século 19. Piso pode ser visto pelos rasgos de vidro.
Feito de forma rudimentar com pedras, o caminho provavelmente era a ligação entre o coração da Vila de Curitiba e a região que ficou conhecida como Largo da Ordem, onde ainda hoje estão resquícios do início da cidade.
Presente também em cidades históricas da Europa, onde permite aos turistas observar a preservação de relíquias do Império Romano, o piso translúcido surgiu como alternativa de pavimentação da Praça Tiradentes. Desde 2008, moradores e turistas que passam pela região podem apreciar parte importante da história da cidade – mesmo que em pequenas amostras.
A ideia serviu de inspiração para outra obra de restauro da região do Setor Histórico. Inaugurado em 1916, o Paço da Liberdade já abrigou a Prefeitura de Curitiba e foi construído sobre os alicerces do antigo Mercado Municipal. Quem visita o prédio se depara com as janelas de vidro no chão, que mostram detalhes do piso original do mercado, que funcionou até 1914 na Praça Generoso Marques.
Preservação contra o tempo
Embora as descobertas permitam à sociedade preservar o patrimônio histórico, o processo ainda é visto como entrave no contexto de crescimento das cidades. Humberto Fogassa, coordenador adjunto do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCPR, explica que o cuidado com os achados implica em aumento de custo na obra. “Quando se descobrem vestígios, a obra se torna intocável; é preciso reportar ao IPHAN e contratar uma equipe para fazer a análise e datação.
Neste sentido, a arqueologia é vista quase como um estorvo, porque gera mais custo e prolonga o prazo para entrega”, conta. Neste âmbito, Fogassa destaca o valor da burocracia legal, e reitera a importância do senso de preservação. “As leis trazem vantagens, como descontos de IPTU e financiamento de preservação. A burocracia é benéfica quando bem usada, mas no aspecto da cultura e de como a sociedade enxerga tudo isso, o ideal seria não precisar de leis”, conclui.
Detalhes do antigo piso do local onde foi o mercado municipal, atual Paço da Liberdade.
Detalhes do antigo piso do local onde foi o mercado municipal, atual Paço da Liberdade.
* especial para a Gazeta do Povo

LEIA TAMBÉM

Enquete

Você sabe quais são as vantagens de contratar um projeto de arquitetura para sua obra de reforma ou construção?

Newsletter

Receba as melhores notícias sobre arquitetura e design também no seu e-mail. Cadastre-se!