Urbanismo

Entidade máxima de urbanismo alerta: cidades brasileiras estão em colapso

Mariana Domakoski*
26/04/2017 18:41
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Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) propõe uma administração integrada entre os gestores das cidades, estados e da União. Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo | Gazeta

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) lançou no início desta semana a “Carta dos Cem Dias – Por um Pacto pelo Direito à Cidade”, aberta e dirigida aos prefeitos de todo o Brasil, que já completaram 100 dias de seus mandatos. Segundo o presidente da entidade, Haroldo Pinheiro, o conteúdo também seria levado ao IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável – Reinventar o Financiamento e a Governança das Cidades, realizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e que começou nesta segunda (24) e vai até esta sexta-feira (28).
O objetivo da carta é fomentar o desenvolvimento urbano e territorial sustentável em três dimensões – social, econômica e ambiental – por meio de uma aliança entre os gestores. Seria o desenvolvimento da chamada governança interfederativa, que prevê que municípios e Estado compartilhem responsabilidades e ações.
Essa aliança seria o “Pacto pelo Direito à Cidade”, mencionado no título da carta, baseado em três premissas: a governança, o planejamento urbano e o monitoramento cidadão. O documento segue a Nova Agenda Urbana, que orienta a urbanização sustentável pelos próximos 20 anos, definida durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada em outubro de 2016 em Quito, capital do Equador.
Imagem: Reprodução
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Cidades em colapso

Na carta, o CAU/BR reconhece a diversidade existente entre as cidades brasileiras, em termos de território, economia e número de habitantes. Mas afirma em seu texto que todas sofrem de um problema comum: “são vítimas do desmantelamento do planejamento urbano ocorrido no Brasil nas últimas décadas nas três esferas administrativas.”
Segundo o material, o modelo de crescimento atual está colapsando as cidades. De acordo com Pinheiro, um dos exemplos dessa situação é a descontinuidade das implementações das administrações públicas por questões políticas: se muda o grupo, por vezes as ideias não são finalizadas ou são abandonadas. “A cada administração nova, as cidades vão recebendo apêndices aqui e ali. Não há uma unidade”, afirma.
Isso se vê materializado em alguns exemplos de moradias sociais, como explica Pinheiro. Segundo ele, o fato de o governo federal comumente deixar as empreiteiras escolherem o terreno para levantar esse tipo de edificação faz com que nem sempre a localização seja a mais adequada. “A empresa normalmente vai construir esse tipo de moradia onde for mais barato, ou seja, na periferia. Assim, a prefeitura atual ou a seguinte deverá garantir acesso. E isso quando se tem áreas inutilizadas em regiões centrais, que já têm pronta toda a estrutura necessária. É um desconjuntamento que gera prejuízos”, explica.
Segundo ele, para evitar problemas como esses, é necessário que as cidades tenham um plano diretor. “Espera-se que a administração pública faça o planejamento e depois licite o projeto, indicando, inclusive, onde ele deverá ser instalado”, completa.

Leia a íntegra da carta:

O insustentável modelo de crescimento que colapsou as cidades brasileiras representa um desafio enorme para os gestores municipais recém empossados. É a eles especialmente, reafirmando sua posição política na Sociedade, que o CAU/BR – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil se dirige no marco de 100 dias de suas administrações.
Senhoras e Senhores Gestores das cidades brasileiras:
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR, autarquia federal que reúne os 145 mil arquitetos e urbanista na ativa no país, assumiu um compromisso perante as Nações Unidas para contribuir com a implementação no Brasil das diretrizes da Nova Agenda Urbana definida na conferência HABITAT III realizada em Quito, no Equador, em 2016. O objetivo é promover um desenvolvimento urbano e territorial sustentável nas dimensões social, econômica e ambiental. Ou, como diz o documento, um lugar onde “ninguém seja deixado para trás”.
Por meio desta Carta, o CAU propõe aos novos gestores municipais uma aliança por uma agenda urbana transformadora do destino das cidades e dos cidadãos brasileiros. Trazemos a proposta de um Pacto pelo Direito à Cidade.
Conforme dados da Confederação Nacional dos Municípios, 4.911 dos 5.568 municípios brasileiros (88,2%) possuem até 50 mil habitantes, com um orçamento anual médio de R$ 36 milhões. Apenas 17 municípios (0,3%) têm acima de um milhão de moradores e, na média, um orçamento anual de R$ 9,4 bilhões. Tal realidade diversa das cidades brasileiras, em termos de escala territorial e vida econômica, exige que as políticas públicas urbanas no país separem as questões específicas das metrópoles, das cidades médias e das cidades pequenas.
Um ponto, contudo, elas têm em comum: são vítimas do desmantelamento do planejamento urbano ocorrido no Brasil nas últimas décadas nas três esferas administrativas. Em oposição a esse cenário, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil defende um pacto pela qualidade e usufruto digno
e democrático da cidade, baseado em instrumentos políticos de gestão pública transparentes e inclusivos.
O Pacto pelo Direito à Cidade é baseado em três grandes premissas expressas inicialmente na “Carta Aberta aos Candidatos a Prefeitos e Vereadores – Qual a cidade que precisamos? Um pacto pela qualidade das cidades”, divulgada em agosto de 2016: a governança, o planejamento urbano e o monitoramento cidadão.
O Brasil conta hoje com uma legislação urbanística avançada mas pouco conhecida e institucionalizada. Os gestores das cidades metropolitanas, médias ou pequenas devem assumir o compromisso político de implantar os instrumentos de planejamento que garantam a sustentabilidade de suas comunidades previstos no Estatuto da Cidade e no Estatuto da Metrópole.
A participação direta do cidadão na concepção do planejamento, nas consequentes discussões nas Câmaras Municipais e no acompanhamento de sua implementação materializa o princípio constitucional da função social da cidade.
Sob a ótica do momento, os participantes do IV Seminário de Política Urbana e Ambiental – “A Gestão Urbana Inserida no Compromisso com a Nova Agenda Urbana”, realizado pelo CAU/BR em Brasília nos dias 4 e 5 de abril de 2017, concluíram serem os seguintes os desafios mais importantes no processo de gestão urbana do país:
– A sensibilização do Congresso Nacional em relação à Medida Provisória da Regularização Fundiária Urbana (759/2016) e à revisão da Lei de Licitações (Projeto de Lei 6.814/2017) que podem comprometer o planejamento, a gestão e a qualidade dos espaços e equipamentos públicos dos municípios brasileiros;
– Um efetivo empenho do Governo Federal e das Prefeituras na aplicação da Lei de Assistência Técnica Pública e Gratuita para o projeto e a construção de habitações de interesse social (11.888/2008);
– Avançar na implementação da Governança Interfederativa das Metrópoles, previsto no Estatuto da Metrópole, com compartilhamento de responsabilidades e ações entre Municípios e Estado em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum. A Governança Interfederativa, se construída como um modelo de gestão baseado não em um poder centralizado vertical, mas em acordos, concessões e decisões multilaterais, não tira, ao contrário, amplia o poder político-administrativo dos prefeitos. A Governança Interfederativa permitirá que os gestores urbanos conquistem para seus munícipes a cidadania metropolitana – o Direito à Metrópole – e inúmeros ganhos. O Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) facilitará ações como integração do transporte público intermunicipal, racionalização de serviços de saneamento básico, proteção ambiental e programas habitacionais articulados com mobilidade, infraestrutura e locais de trabalho;
– Fomentar na administração municipal inovações a partir da cultura do compartilhamento e da solidariedade. Além da troca de informações sobre boas práticas, é preciso pensar em soluções para superar a fragilidade fiscal das pequenas cidades, como consórcios de gestão para custear a elaboração de planos e projetos que viabilizem o acesso a recursos orçamentários, financiamentos e inclusive programas subsidiados por organismos internacionais;
– Integrar, com metas claras, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável nos planos dos governos locais e metropolitanos;
– Valorizar o aspecto educacional das ações de sustentabilidade, à medida em que forem implementadas, contribuindo para formar melhores cidadãos para atuarem nas cidades;
– Utilizar o ordenamento jurídico ambiental como instrumento de gestão urbana para assegurar a proteção das encostas íngremes, fundos de vale e mananciais, de maneira a evitar deslizamentos, desmoronamentos, assoreamentos, enchentes, desabastecimentos e uma diversidade de problemas relativos à saúde pública;
– Evitar a reprodução na cidade do modelo patrimonialista que permeia a sociedade brasileira. É preciso, por exemplo, abandonar o modelo de implantação de habitação para população de baixa renda em áreas periféricas, enquanto há vazios nas áreas centrais com infraestrutura subutilizada. Da mesma forma, os recursos destinados à mobilidade urbana devem privilegiar investimentos em transporte público ao invés da expansão de vias expressas para carros.
– Estimular o uso de dados para construção das ferramentas de planejamento e gestão;
– Criação de redes de cidades integradas a um conjunto de outras redes e instâncias da sociedade que contribuam com a informação e a divulgação de boas práticas de gestão e planejamento objetivando a inclusão social, o crescimento econômico sustentado e a proteção do meio ambiente.
A cidade é para as pessoas! Em favor delas, nesse momento cabe a vocês, Prefeitas e Prefeitos, o protagonismo da abordagem e implementação do Pacto pelo Direito à Cidade.
Os arquitetos e urbanistas do Brasil estão prontos para cumprir sua parte, levando Arquitetura e Urbanismo para Todos, missão estratégica do CAU.
Brasília, abril de 2017.
A íntegra da carta também pode ser acessada aqui.
*Especial para a HAUS.

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