Urbanismo

O que as metrópoles precisam aprender com a revolução urbana da pequena Jericó

Luan Galani*
21/03/2017 10:52
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Fotos: Aloísio Schmid/Divulgação

Duas vezes prefeito de Jericó, cidade colombiana de 14 mil habitantes, Carlos Augusto Giraldo Bermudez usou a arquitetura como arma de revolução. Basta olhar as transformações que o advogado liderou enquanto estava à frente da administração municipal. Obras e revitalizações foram as principais ferramentas na construção da cidadania e na mudança da cidade.
Hoje essa pequena Lilliput que até já abrigou uma exposição de Andy Warhol é patrimônio arquitetônico da Colômbia. Atualmente Bermudez continua com suas revoluções, só que dentro da sala de aula, na Universidade Externado de Colombia nas disciplinas de Gestão Pública e de Meio Ambiente.
Os colombianos são um povo único em sua paixão pela vida. É verdade que suas atividades de lazer incluem observar estrelas com lunetas portáteis?
Claro! A vida não deve ser levada muito a sério. É para ser desfrutada no cotidiano e desde as coisas mais simples e que estão à mão. E, pois, as estrelas e os planetas estão lá, ao alcance dos olhos, basta erguer a visão. Ah, e é grátis.
Jericó ficou colorida depois que as comunidades foram incluídas nos processos decisórios do dia a dia. Foto: Alejandro Correa/Divulgação
Jericó ficou colorida depois que as comunidades foram incluídas nos processos decisórios do dia a dia. Foto: Alejandro Correa/Divulgação
O que caracteriza a arquitetura tradicional e recente na Colômbia?
É necessário começar por dizer que não sou nem arquiteto nem planejador urbano. Sou apenas um administrador público aficionado pelo fenômeno urbano. Nós, na Colômbia, historicamente não inventamos nada em matéria de arquitetura nem de planejamento. Nossas edificações e nossas cidades imitam modelos europeus. Desenvolvemos, sim, o que se poderia chamar de arquitetura rural apropriada. As cidades de montanha têm se emancipado em sua arquitetura.
E Jericó, sua cidade?
Jericó é um pequeno município de 14 mil habitantes que mudou sua vocação produtiva devido à crise da cafeicultura. Trata-se de um milagre turístico e de desenvolvimento econômico com equidade na Colômbia. Combinam-se para tanto diversos fatores. Mas entre esses, conta muito a arquitetura urbana, a arquitetura rural e a estética pública, alcançada através da cor e do civismo. Por esses aspectos, temos recebido vários prêmios e reconhecimentos em nível nacional e internacional nos últimos vinte anos.
Vista ampla da cidade de morro colombiana que virou patrimônio arquitetônico do país.
Vista ampla da cidade de morro colombiana que virou patrimônio arquitetônico do país.
Na primeira administração à frente de Jericó, você promoveu a remodelação da praça principal da cidade. Como foi aquela experiência?
Aquilo se passou em 1991. O conceito de “participação cidadã” estava pouco desenvolvido. Mas nós fizemos muitas assembleias com a comunidade organizada para projetar a praça principal. Tivemos aceitação total, por todos os habitantes. Assim, a praça principal se converteu na “sala de estar”. Foi um exemplo inédito na Colômbia de participação no projeto do espaço público.
Na segunda administração (2008-2012), me vi diante da necessidade de derrubar a árvore-símbolo do município, que estava há 80 anos na praça principal. Já havia registros, na Colômbia, de desordem pública e autênticas batalhas entre cidadãos quando alguma coisa similar aconteceu. Conseguimos, com um processo de informação aos cidadãos e de pedagogia técnica, que esse derrubamento se convertesse em um dia de festa popular e a árvore-símbolo foi derrubada no meio da nostalgia, das promessas e aplausos do povo inteiro congregado na praça para se despedir de um ancião debilitado e “enterrado”: a Araucária símbolo do povoado.
Bermudez é fã confesso de Curitiba, a meca do urbanismo, segundo ele. Foto: Aloísio Schmid/Divulgação
Bermudez é fã confesso de Curitiba, a meca do urbanismo, segundo ele. Foto: Aloísio Schmid/Divulgação
Na segunda administração à frente de Jericó, você promoveu a pintura das fachadas das casas tradicionais. Conte um pouco dessa ação.
Jericó iniciava um processo de desenvolvimento turístico. Nós não queríamos seguir o modelo de Cartagena ou de Cuzco, com investidores estrangeiros que fariam obras de infraestrutura hoteleira e serviços. Pensávamos ser necessário desenvolver outro modelo de turismo com benefícios para os próprios moradores de Jericó. Tínhamos claro que as pessoas se enamoraram do que já tinham, de seu patrimônio, das belezas de Jericó. Mas também sabíamos que o processo havia de ser social e incluir os mais pobres. Pensamos em um lugar simples, de pessoas simples, cujo atrativo seria a cor, como o Caminito de Buenos Aires. As pessoas participaram e colocaram cor em suas casas. E se fez com muito pouco recurso do município.
Sabemos do “Transmilênio”, que dizem ser uma ideia curitibana. Fale mais da arquitetura de impacto público de Bogotá.
O Transmilenio, sim, foi levado de Curitiba a Bogotá. Mas foi uma medida insuficiente. Bogotá requer um metrô e um sistema com maior capacidade. Um especialista mundial de transporte, o professor Ralph Gakenheimer, diz que o Transmilenio de Bogotá é uma veia, mas falta-lhe uma aorta para os ramos que têm mais passageiros.
A praça principal  da cidade foi revitalizada segundo as necessidades apontadas pelos moradores, que  se identificaram  com a obra. Fotos: Alejandro Correa/Divulgação
A praça principal da cidade foi revitalizada segundo as necessidades apontadas pelos moradores, que se identificaram com a obra. Fotos: Alejandro Correa/Divulgação
Você estudou e hoje trabalha como professor em Medellín. Saindo um pouco do lugar comum do teleférico, que é conhecido no Brasil e inspirou projeto no Rio de Janeiro, qual o destaque da arquitetura pública da cidade?
Medellín foi pioneira mundial em planejamento e em soluções para cidades de montanha. Deve-se ver Medellín como uma conurbação de quase quatro milhões de habitantes com um enorme sentido de pertinência o que tem permitido desenvolver o civismo que por sua vez contribui com o cuidado do público. Assim, os riachos das quebradas são cuidados como autênticos parques pelos vizinhos.
O metrô (único no país e inaugurado em 1996) tem modificado a vida da cidade e permitido a integração de todos os estratos sociais. A vida dos milhões de moradores é “uma só”, ou seja, se compartilha e se revolve em cada evento ou espaço público. E com isto, quero dizer que a arquitetura pública não raras vezes faz inclusão, mas discriminada, e separadamente. Em Medellín, essa discriminação foi superada há décadas.
A história recente da pequena cidade da Colômbia guarda grandes lições para as metrópoles do mundo.
A história recente da pequena cidade da Colômbia guarda grandes lições para as metrópoles do mundo.
* Roteiro e tradução: Aloísio Leoni Schmid

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