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Tropas americanas no Afeganistão: conflito com a China poderia ter origem na fronteira entre a Coreia do Norte e do Sul | Paul J. Richards/AFP
Tropas americanas no Afeganistão: conflito com a China poderia ter origem na fronteira entre a Coreia do Norte e do Sul| Foto: Paul J. Richards/AFP

Quando os presidentes Donald Trump, dos EUA, e Xi Jiping, da China, se encontrarem na semana que vem sob as imensas palmeiras e candelabros de cristal em Mar-a-Lago, pode não transparecer, mas as nações que ambos lideram estão seguindo numa rota de colisão rumo à guerra.

A irresistível ascensão da China vem desafiando a predominância à qual os Estados Unidos estão acostumados, considerando como a cota da produção global dos EUA caiu de 22% em 1980 para 16% hoje, enquanto a da China subiu de 2% para 18% nesse mesmo período. Os historiadores sabem que, quando uma potência em ascensão ameaça deslocar uma potência já estabelecida, é hora de soar os alarmes: há um perigo extremo adiante. Como explicou Tucídides sobre a guerra que destruiu as grandes cidades-estado da Grécia antiga, “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso causou em Esparta que fez com que a guerra fosse inevitável”. Do mesmo modo, no século passado, foi a ascensão da Alemanha e o medo que isso causou na Inglaterra que permitiu que o assassinato de um arquiduque fosse o estopim de uma conflagração tão devastadora que precisou de toda uma nova categoria: a de guerra mundial.

“Armadilha de Tucídides”

Isso que eu chamo de a “Armadilha de Tucídides” é um padrão recorrente. Ao longo dos últimos 500 anos, houve 16 casos em que uma nação em ascendência perturbou a posição de um estado dominante. Em 12 desses 16 casos, o resultado foi guerra. Nos quatro casos que evitaram o conflito violento, isso só foi possível por conta de ajustes imensos e dolorosos nas atitudes e ações tomadas por ambos os lados. Pensemos no caso da Inglaterra e dos EUA sob o governo de Theodore Roosevelt, ou os EUA e a União Soviética durante a Guerra Fria.

É certo que veremos uma sucessão de confrontos entre a China e os EUA nos anos por vir. O que é duvidoso é se os líderes dessas duas grandes potências conseguirão lidar com esses confrontos sem que eles progridam até que uma guerra acabe estourando. Até o momento, isso depende de Trump e Xi.

Complexo de superioridade

Se Hollywood fizesse um filme colocando os EUA contra a China no caminho rumo à guerra, seria difícil arranjar personagens principais melhores para o elenco. Como personalidades, Trump e Xi não poderiam ser mais diferentes. Apesar das formalidades da cúpula, que segue com um roteiro já pronto, seus estilos contrastantes estarão lá para o mundo ver. Mas, de muitas maneiras, um é o reflexo do outro.

Ambos juraram restaurar a grandeza de suas nações com uma agenda de mudanças radicais. Todos conhecem o bordão que é marca registrada de Trump. Mas, quando Xi ascendeu ao poder em 2012, ele anunciou o seu “sonho chinês”, convocando todos para o “grande rejuvenescimento da nação chinesa”.

Ambos se orgulham daquilo que consideram seus dons inigualáveis para a liderança. Trump construiu suas aspirações presidenciais com base naquilo que ele mesmo representou como sendo um talento incomparável para os negócios, alegando, memoravelmente, que seria capaz de arrumar os problemas da nação sozinho. Enquanto isso, Xi concentrou o poder em suas próprias mãos com tamanha firmeza que agora muitas vezes é chamado de o “Presidente de Tudo”. De fato, o excepcionalismo arraigado na agenda política de ambos diz respeito a uma similaridade mais ampla entre os Estados Unidos e a China: ambos os países sofrem de um caso extremo de complexo de superioridade. Cada um enxerga a si próprio como uma figura sem rivais.

Obstáculos mútuos

E, talvez o mais importante, tanto Trump quanto Xi enxergam a nação que o outro lidera como o principal obstáculo para a conquista da sua principal ambição. O perigo é se, em meio ao desgaste estrutural causado pela ascensão chinesa e exagerada pelas visões conflitantes de Xi e Trump, as crises inevitáveis que virão à tona e que poderiam, sob outras condições, ser controladas, culminarem, em vez disso, em resultados indesejáveis para ambos os lados.

As potenciais fagulhas para um conflito desses são assustadoramente mundanas. Já na administração Trump, as tensões cresceram em torno de questões como o comércio, a situação de Taiwan e as ambições nucleares da Coreia do Norte (durante a sua campanha, Trump acusou a China de “estuprar” a economia dos EUA. Na quinta-feira, ele anunciou no Twitter que a reunião com Xi “será bem difícil”, porque “não podemos mais sofrer com os imensos déficits comerciais e o desemprego”).

Taiwan nuclear

Será que conflitos comerciais poderiam levar a uma guerra que terminaria em explosões nucleares? Por mais absurdo que isso possa parecer, é bom lembrar que o ataque japonês a Pearl Harbor aconteceu depois que os Estados Unidos impuseram sanções debilitantes ao Japão, lançando o país numa guerra que terminou com as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. O caminho mais direto rumo à guerra entre os EUA e a China começaria com uma campanha pela independência em Taiwan.

Durante a transição presidencial, Trump já pisou nessa armadilha com Tweets e um telefonema para o líder taiwanês. Nenhum oficial de segurança nacional chinês com que eu já tenha me reunido e nenhum oficial dos EUA que tenha examinado a situação tem a menor dúvida de que a China preferiria entrar em guerra a perder um território que ela considera vital para os seus interesses nacionais.

Se um presidente de Taiwan, com ou sem encorajamento de Trump, passasse dos limites impostos por Beijing, é possível que a China colocasse em ação uma versão atualizada dos “testes de mísseis” que levaram à Terceira Crise do Estreito de Taiwan em 1996.

Se os EUA viessem ao socorro de Taiwan, oferecendo navios da sua própria Marinha para escoltar navios com mantimentos para a ilha, a China poderia tentar afundar alguns deles. E, para evitar que a China suprimisse as ações de Taiwan, os Estados Unidos precisariam conduzir ataques maciços e repetidos contra as bases militares em território chinês, de onde seriam disparados os mísseis, o que resultaria na morte de milhares de chineses.

É difícil acreditar que a China não responderia a essas investidas com ataques equivalentes às bases aéreas dos EUA em Guam e no Japão, bem como também contra os seus porta-aviões. Para irmos disso a explosões em solo norte-americano não é um pulo muito grande.

Coreia do Norte

Imagem da TV norte-coreana mostra foguete capaz de colocar foguete em órbita. O foguete pode ser usado para fins militares, como transportar ogivas nucleares até território americano. AFP

A Coreia do Norte é outro catalisador para uma guerra que ninguém quer – mas que poderia acontecer mesmo assim. Durante a cúpula subsequente, Trump deverá exigir que Xi pressione Kim Jong-un para que ele encolha o seu programa nuclear. Se a Coreia do Norte continuar seguindo seu rumo atual, ela deverá obter a capacidade de lançar uma arma atômica contra os EUA ainda durante o governo Trump.

O presidente diz que não permitirá que isso aconteça, e há relatos de que o Pentágono já teria preparado várias opções militares para impedir o desenvolvimento do programa nuclear da Coreia do Norte. Apesar de alguns contarem com a esperança de que a precipitação nuclear de um ataque com precisão cirúrgica seria limitada, uma investida dos EUA poderia provocar uma retaliação que seria o estopim de uma segunda Guerra da Coreia ou o colapso do regime de Kim. Qualquer uma dessas duas possibilidades poderia levar a uma guerra entre os EUA e a China.

Os estrategistas militares dos EUA começaram já a examinar os cenários hipotéticos para a Coreia do Norte que teriam início com um colapso do regime. Conforme o país se perde no caos, as forças do EUA tentariam destruir os sistemas de armas capazes de lançar bombas atômicas contra a Coreia do Sul, o Japão ou Guam. O Comando de Operações Especiais Conjuntas dos EUA vem cumprindo há tempos uma missão a longo prazo para tomar “bombas à solta” e tem treinamento para entrar na Coreia do Norte e tomar controle de suas instalações nucleares antes que comandantes inescrupulosos possam vendê-las a traficantes internacionais.

Mas, dado o fato de que essas instalações devem estar localizadas próximas às fronteiras chinesas, é provável que as forças especiais chinesas chegariam lá antes das dos EUA. Como avisa o general Raymond Thomas, ex-chefe do Comando de Operações Especiais Conjuntas, tentar chegar às armas nucleares da Coreia do Norte resultaria num “encontro de faixa vertical” entre as forças da China e dos EUA/Coreia do Sul. Os dois exércitos não saberiam um da presença do outro. Por isso poderiam acabar entrando em confronto por acidente, que poderia ser confundido com um ataque surpresa intencional, digno de retaliação.

Uma outra possibilidade é que, após o colapso do regime, haveria um imenso fluxo de refugiados seguindo para a China. Temendo pela sua estabilidade, a China poderia enviar tropas à Coreia do Norte para estabelecer um Estado-tampão entre ela e a Coreia do Sul. Sob a pressão de sua própria população para libertar uma população que vive sob o regime mais brutal na Terra, é possível que o governo sul-coreano enviasse tropas para o norte. Porque as tropas dos EUA, bem como também sua frota aérea, estacionadas na Coreia do Sul, estão integradas com as próprias tropas sul-coreanas nos planos militares operacionais, as tropas dos EUA e da China entrariam em engajamento direto, como aconteceu em 1950.

Esfera de influência

É possível lidar com o desgaste estrutural entre potências em ascensão e potências dominantes sem que haja guerra? Sim. Xi e o presidente Barack Obama chegaram até mesmo a discutir a Armadilha de Tucídides em sua cúpula em 2015, mas não conseguiram chegar a um acordo sobre como evitá-la. Xi propôs “uma nova forma de relações entre grandes potências”, mas, com isso, ele se referia a um conceito para expandir os principais interesses da China, o que incluía uma esfera asiática de influência, que os EUA não poderiam aceitar.

Trump e Xi agora têm uma oportunidade para redirecionar o que são as relações mais significativas do século 21. Mais importante do que quaisquer outro resultado palpável específico dessa cúpula será sabermos se os líderes das nações mais poderosas do mundo reconhecem os riscos no horizonte. Se eles se comportarem como se espera, é provável que a história siga também os rumos já esperados – e, nisso, as chances pesam contra nós.

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*Graham Allison é diretor do Belfer Center for Science and Internacional Affairs, de Harvard, e autor de “Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?” [“Destinados à Guerra: Será que a América e a China poderão Escapar da Armadilha de Tucídides?”, em tradução livre, inédito no Brasil].

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