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Primeira-ministra da Nova Zelândia e seu parceiro, Clarke Gayford, anunciaram à imprensa na sexta-feira (19) que estão esperando o primeiro filho. | DIEGO OPATOWSKIAFP
Primeira-ministra da Nova Zelândia e seu parceiro, Clarke Gayford, anunciaram à imprensa na sexta-feira (19) que estão esperando o primeiro filho.| Foto: DIEGO OPATOWSKIAFP

Em outubro do ano passado, Jacinda Ardern, 37 anos, foi eleita a primeira-ministra da Nova Zelândia, a mais nova em 150 anos, e na última sexta-feira (19) o mundo ficou sabendo que ela também entrará para o roll das poucas mulheres que comandaram um país enquanto estavam grávidas (o exemplo mais recente é da paquistanesa Benazir Bhutto, que deu à luz enquanto era primeira-ministra em 1990).

Ardern e o marido, Clarke Gayford, anunciaram que estão esperando o primeiro filho para junho e ela confirmou que vai tirar seis semanas de licença maternidade, período em que o vice-primeiro-ministro, Winston Peters, ocupará o cargo. Depois disso ela planeja retornar ao trabalho e o seu marido cuidará do bebê em tempo integral.

A primeira-ministra fez questão de salientar que a gravidez não vai interferir em sua liderança ou nas suas metas para o país. “Não sou a primeira mulher que trabalha e tem um bebê. Quero que nos reconheçam pelo que fizemos pela Nova Zelândia”, ela disse aos repórteres. “Isso vai ser apenas algo a mais na história deste governo”. 

Antes de assumir o mais importante cargo político do país, jornalistas já haviam perguntado a ela quais eram seus planos para a família. Um âncora de uma emissora de televisão chegou a questionar se ela achava aceitável que a primeira ministra do país deixasse o cargo para a licença maternidade. 

“É inaceitável que em 2017 as mulheres tenham que responder a essa pergunta em seu ambiente de trabalho. É a mulher que decide quando ter filhos, e isso não deve determinar se ela receberá ou não oportunidades de trabalho”, Ardern respondeu à época. 

A gravidez era inesperada. Ardern e seu marido tinha tinham claro que queriam ser pais mas foram avisados que precisariam de ajuda para que isso acontecesse. Segundo ela contou, os planos de ter filhos foram colocados em banho maria depois da eleição. 

Em resposta a críticos que talvez questionem sua habilidade em desempenhar os dois papéis, de primeira-ministra e mãe, ela disse: “Ninguém percebeu que eu tive fortes enjoos matinais nos três meses em que estive compondo o governo”. 

Depois de uma eleição apertada no ano passado, Ardern, líder do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, se tornou primeira-ministra devido a um acordo de coalizão com o partido de direita Nova Zelândia Primeiro. Ela descobriu que estava grávida uma semana depois que Peters havia anunciado apoio a sua candidatura. 

Repercussão 

O anúncio de Ardern repercutiu mundo afora e ganhou apoio de líderes mulheres e grupos de direitos das mulheres. Para muitas trabalhadoras ela se tornou um exemplo de que a mulher não precisa escolher entre a maternidade e uma posição de liderança. 

“Este é, acima de tudo, um momento pessoal para ela - mas também ajuda a demonstrar que jovens mulheres que ocupar posições de liderança não precisa ser uma barreira para ter um filho (se você quiser)”, tuitou Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia. 

“Na verdade eu estou meio sem palavras sobre o que isto passará a significar para mulheres de todas as idades - mas em particular meninas que vão crescer vendo isso como normal para mulheres que desempenham papéis de liderança complexos”, tuitou Esther Anatolitis, escritora australiana. 

O que isso significa para as mulheres?  

Para a coordenadora da PUC Talentos, núcleo de empregabilidade da PUCPR, Daniella Forster, a decisão da primeira-ministra neozelandesa é um grande reforço para que as mulheres tenham mais confiança em decidir sobre a maternidade. “Ser mãe não compromete as decisões de uma mulher, não interfere em sua experiência profissional, em sua inteligência. Percebendo a gravidez como um evento natural, como ela está fazendo, conseguiremos administrar melhor essa questão”, opina. 

Nossas convicções: A valorização da mulher 

Assunto de vários artigos acadêmicos sobre o mercado de trabalho, a maternidade quase sempre é vista como uma barreira aos avanços na carreira profissional de uma mulher. Para Forster, que também é especialista em coaching de carreira, esta é uma discriminação cultural em que a própria mulher acaba tendo uma percepção negativa em relação à maternidade, o que faz com que muitas trabalhadoras posterguem a gravidez. “A produtividade da mulher passa a ser questionada, as empresas - e ela mesma - se perguntam se será capaz de atender as exigências do filho pequeno e as demandas do trabalho”. 

Este pensamento é recorrente. Em meio ao debate sobre equiparação salarial entre homens e mulheres em 2015, o deputado Jair Bolsonaro disse em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora que a licença maternidade é um dos motivos pelos quais os empresários pagam salários menores às mulheres. “Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade (…) Quem que vai pagar a conta? O empregador. (…) Por isso que o cara paga menos para a mulher!”, disse o deputado. 

Talvez Bolsonaro possa até ter mudado de ideia nestes três anos, mas dados do mercado de trabalho mostram que a desigualdade entre homens e mulheres é endêmica. Um relatório do Fórum Econômico Mundial, divulgado em novembro do ano passado, estima que seriam necessários 217 anos para acabar com a desigualdade de gênero no mercado de trabalho - situação pior do que as relacionadas ao acesso à educação, saúde e sobrevivência e participação política. 

A evolução da igualdade entre homens e mulheres anda a passos lentos, mas exemplos como o da primeira-ministra neozelandesa contribuem para um debate positivo em que a maternidade possa ser repensada no âmbito do mercado de trabalho.

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