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Deborah Lacks (Oprah Winfrey) e Rebecca Skloot (Rose Byrne): difícil entendimento, apesar dos interesses em comum | Quantrell Colbert/HBO
Deborah Lacks (Oprah Winfrey) e Rebecca Skloot (Rose Byrne): difícil entendimento, apesar dos interesses em comum| Foto: Quantrell Colbert/HBO

O melhor motivo para assistir “A vida imortal de Henrietta Lacks”, que estreou na HBO americana no fim de semana, é lembrar como Oprah Winfrey é uma boa atriz. Como Deborah Lacks, ela é atormentada tanto pela morte prematura da mãe, Henrietta, como pela miséria que segue o falecimento. Ao mesmo tempo, tenta entender o que aconteceu depois que células retiradas do câncer cervical da mãe se tornaram centrais para uma série de descobertas médicas.

Já o pior motivo para assistir “A vida imortal de Henrietta Lacks” é ter vontade de entender em detalhes a exploração que a Universidade John Hopkins fez ao coletar as células de Henrietta Lack sem seu consentimento e como isso afetou a sua família — o filme explora essas questões cruciais apenas em algumas montagens.

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Em algum lugar entre esses pólos está um terceiro atrativo. “A vida imortal de Henrietta Lacks” faz um trabalho interessante em explorar o atormentado relacionamento entre Deborah Lacks e Rebecca Skloot (Rose Byrne), uma escritora freelancer de ciência que está determinada a contar a história de Henrietta no livro que se tornou um best-seller com esse mesmo nome.

Boas intenções

Quando Deborah e Rebecca brigam no filme, o que acontece durante o desenvolvimento do projeto de Rebecca e a possibilidade de acesso dela a informações como os registros médicos, as cenas ganham um destaque diferente, o que varia do fato de ambas estarem simultaneamente certas e erradas. Deborah é exaustiva. Mas foi ignorada e usada por décadas. O seu impulso de desabafar em palavras e depois voltar atrás é uma resposta razoável com o jeito que lida com esperanças e medos.

Rebecca tem boas intenções e, ao contrário das suspeitas da família Lacks que ela é financiada pela John Hopkins, ela na realidade está indo a falência com o projeto. Mas ninguém pediu que ela fizesse isso e seu trabalho é necessariamente invasivo. Para saber o que precisa para contar a história de Henrietta, Rebecca acaba causando mágoa a sua família (ainda que o processo acabe servindo como uma espécie de quimioterapia emocional).

Falta de entendimento

Deborah está certa ao achar que não há nenhuma possibilidade do desejo de Rebecca de saber o que aconteceu com Henrietta seja como o seu. E é razoável que Rebecca esteja frustrada quando Deborah a afasta e sugere novamente que ela esteja trabalhando para o hospital, mesmo depois que Rebecca tenha mostrado os registros financeiros de que está em dívidas.

A parte mais corajosa e interessante desse filme instável é rejeitar a ideia que as alegações de Deborah e Rebecca possam ser - ou precisem ser - julgadas. Não há um veredicto de quem está certo, apenas necessidade mútua.

Rebecca não consegue entender Henrietta Lacks, nem como pessoa nem como paciente, sem cooperação de Deborah, que controla os documentos e age como uma guardiã da família. E Rebecca consegue acesso nas barreiras institucionais postas para a família Lacks por ser branca, estudada e ter credenciais mínimas.

No fim, elas conseguem o que querem sem ter que cortar todas as arestas entre elas e sem levantar questões de raça, classe ou idade. “Nós somos uma bagunça”, Deborah diz para Rebecca na manhã depois de ter empurrado a jovem. “A vida imortal de Henrietta Lacks” permite que essa bagunça permaneça.

Diferentes experiências

O filme também não faz o desserviço de fingir que as duas se tornam amigas ou que Rebecca se torna parte da família Lacks. Numas das cenas iniciais, Rebecca morde um pedaço de carne pouco apetitosa e muito cozida para tentar se aproximar com os membros da família Lacks. Mas depois de 90 minutos, ela é empurrada para um foto familiar dos Lacks em um evento de igreja, mas Deborah vai embora e Rebecca fica completamente sozinha.

Ela é próxima da família, e pode até ter feito um grande favor para eles, mas não é um deles. O lugar dela é outro, e esse é tanto seu poder como a fonte da separação. É exatamente por conseguir que Deborah e seu irmão (interpretado por Ref E. Cathey) vejam e toquem as células da mãe no hospital John Hopkins que Rebecca não consegue ignorar toda a diferença e se tornar um deles. Se Rebecca tivesse esse privilégio, ela não conseguiria fazer as coisas que fez com que se tornasse um presente para a família no fim das contas.

Em tempos que o feminismo e a misoginia são temas de debates vigorosos, é natural que as diferentes experiências de mulheres brancas e negras sejam ressaltadas. Algumas tentativas de remediar ou esconder essas disparidades foram ridículas e trágicas, como o caso Rachel Dolezal, uma mulher branca que assumiu uma identidade negra e se apresentava como tal.

Mas a verdade é que gerações de desigualdade não podem ser remediadas em um nível individual, o que não quer dizer que as mulheres devem ignorá-lás. Em uma história como “A vida imortal de Henrietta Lacks”, Rebecca faz o que pode com o poder que tem por causa de sua cor enquanto fica consciente que não pode transcender isso. Rebecca ganha a confiança de Deborah como um indivíduo, mas não como representante de uma classe. E ela nem tenta. Elas fazem o melhor que podem com a bagunça que têm.

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