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Conhece a geração iGen? É o termo que a psicóloga norte-americana Jean M. Twenge criou para classificar a geração que sucede a dos “Millennials” em seu último livro “iGen”, com o áspero subtítulo “Por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a vida adulta”.

Twenge, que estuda diferenças geracionais há 25 anos, inclui os iGen entre os nascidos de 1995 a 2012, mais ou menos. O que há em comum entre os membros dessa geração? É seu relacionamento, inexistente até então, com as redes sociais e plataformas tecnológicas: eles são “a primeira geração a entrar na adolescência usando smartphones”.

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Twenge vê no smartphone o item invariável entre outras dez características que diferenciam essa geração: uso excessivo da internet, menor interação presencial, maior risco de problemas de saúde mental, menor propensão à religiosidade, maior preocupação com a segurança, falta de envolvimento cívico, insegurança financeira, “novas atitudes em relação a sexo, relacionamentos e crianças”, inclusão e independência política. Embora o trabalho da autora seja principalmente descritivo, ela nota algumas diferenças normativas. Twenge demonstra grande preocupação com aquilo que chama de “crise” de saúde mental, conquanto elogie o fato de a iGen “liderar um movimento que promove mais igualdade e aceitação” com relação a questões enfrentadas por LGBTs.

Embora a autora pretenda ter feito uma avaliação equilibrada, acredito que, com base no livro, a conclusão a que chegamos em relação à iGen é ainda mais negativa. Vislumbro um rol de problemas, entre os quais quatro se destacam.

Saúde Mental e Falta de Sentido

Em primeiro lugar, como Twenge argumenta, há uma clara correlação entre problemas de saúde mental e tempo gasto em frente a um aparelho eletrônico: “adolescentes que gastam mais tempo em frente às telas são mais suscetíveis a ficar deprimidos, e aqueles que investem mais tempo em outras atividades – longe das telas – estão menos sujeitos a ficarem deprimidos”. Isso, por sua vez, gera maior risco de suicídio. Uma das razões para a correlação entre o uso de smartphone/internet e a depressão é a predominância do cyberbullying. Outra das razões é o impacto negativo para o sono, por causa do uso excessivo de smartphone. E a terceira razão é a simples desconexão com coisas reais e pessoas reais – uma experiência comum àqueles cujas interações pessoais costumam ser mediadas por uma tela.

Para todos esses problemas, o conselho de Twenge é claro: “Desligue o telefone”. Concordo plenamente. Mas isso nunca acontecerá, a menos que os pais sejam mais perspicazes a respeito de quando os smartphones devem entrar na vida de seus filhos. Recentemente, ouvi falar de um movimento conhecido como “Espere até o 8º”, que tenta convencer os pais a não permitir que as crianças usem smartphones até, pelo menos, o oitavo ano. Isso é um bom começo, mas qual aluno de oitavo ano realmente precisa de acesso constante à internet? “Nenhum até o 9º ano”, ou “Quando? No 10º” – seria ainda melhor.

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Em segundo lugar, há uma falta de “sentido”. Essa deficiência aparece em diversos momentos no livro de Twenge. O smartphone e os espaços virtuais parecem ser o principal local onde os adolescentes passam o tempo juntos. Seu interesse por relacionamentos sérios e sua capacidade de se relacionar com outras pessoas são profundamente debilitados. Outro exemplo: Twenge dedica um capítulo ao declínio do engajamento religioso da iGen. De acordo com a autora, em 2016, “um em cada três jovens com idades entre 18 e 24 anos disse não acreditar em Deus”. Twenge atribui esse fato, em parte, à “cultura norte-americana com crescente foco no individualismo” – e isso parece plausível. 

Um terceiro exemplo: Twenge descreve a atitude dos estudantes da iGen, ao entrar na faculdade, como: “mais dinheiro, menos valores”. Aos professores dos departamentos de Ciências Humanas isso soa bastante familiar, de acordo com a premissa de que, do ponto de vista de quem leciona História, Filosofia ou Literatura, a transmissão desse conhecimento deve ser feita apenas de forma “remunerada”. A ideia de que algumas atividades, incluindo a busca do conhecimento, sejam valiosas em si mesmas, é incomum, e resulta em uma percepção fundamentalmente pragmática a propósito do valor de uma educação universitária.

Esses três exemplos, e outros mais, representam a falta de interesse da iGen em valores humanos genuínos, pelo seu próprio valor intrínseco. Da mesma maneira, a geração iGen não está muito interessada em casamento ou trabalho dotado de propósito. Por exemplo: encontrei, pela primeira vez na minha carreira, alunos recém-admitidos na universidade com interesse real em se conectarem com a famosa “máquina de experiências” de Robert Nozick. A máquina poderia proporcionar a alguém uma vida inteira de prazer ou ilusão de atividades incríveis se você se conectasse pra valer, à custa de qualquer relacionamento pessoal real ou projeto genuíno. Nozick imaginou que obviamente ninguém se conectaria; dos alunos de hoje não se pode dizer o mesmo.

Buscando segurança, evitando riscos

Uma terceira deficiência é a responsabilidade. Twenge pondera que a geração iGen não está interessada em “amadurecer”, tampouco quer ser pressionada a isso. Um número muito menor de adolescentes sabe dirigir ou está trabalhando; seus pais parecem estar dispostos a levá-los aonde quer que eles precisem ir, e a lhes dar dinheiro para tudo que precisem comprar. A aversão por dirigir está relacionada, pelo menos em parte, a um interesse exagerado por segurança pessoal. Certamente há benefícios advindos disso: os adolescentes estão mais seguros, diz Twenge. Mas a aversão ao risco demonstrada pela geração iGen vai além do risco físico, e também inclui “riscos de intelectuais, sociais e emocionais”.

É aqui que Twenge identifica o triste e recente fenômeno dos “espaços seguros” em campi universitários. Em uma pesquisa feita em seu próprio campus, “três entre quatro alunos concordam” que espaços seguros devem ser criados no campus quando palestrantes controversos forem convidados para falar. Twenge observa ainda que é cada vez mais comum relacionar a fala à violência física, e conclui que “todo o foco em proteção, segurança e conforto tem um lado negativo, que é o fato de que os adolescentes estão amadurecendo mais devagar: estão despreparados para ser independentes e querem que a faculdade seja como sua própria casa”.

Relacionando o tema da segurança com a instrumentalização do ensino superior mencionada anteriormente, Twenge escreve:

“Para os Baby Boomers, a Geração X e até mesmo muitos Millenials, a faculdade é um lugar para aprendizagem e investigação, o que inclui exposição a ideias diferentes das suas. Eles acreditam que este é o objetivo de se ingressar numa faculdade, em primeiro lugar. Os membros da geração iGen discordam: acreditam que a faculdade é um lugar para prepará-los para uma carreira em um ambiente seguro”.

Como mencionei anteriormente, a geração iGen é, em grande medida, “ilustrativa”, mas Twenge demonstra ter enorme percepção de como essas características geracionais são negativas. É muito fácil apontar a saúde mental deficiente, mas a autora está atenta ao fato de que a perda de atividades com significado e a preocupação excessiva com a segurança também são deficiências, como eu havia descrito. No entanto, ao abordar uma quarta deficiência, Twenge parece permitir que a ideologia se sobreponha à avaliação rigorosa.

O lado negativo da inclusão

Segundo Twenge, a geração iGen é “inclusiva”. Ela é profundamente solidária às questões LGBT – incluindo o casamento gay –, e essa preocupação com a inclusão pode ser até mesmo associada à perda de interesse religioso e espiritual. Afinal, a religião tem “regras demais”, muitas delas sobre sexo. A iGen não está muito interessada no sexo em si –pornografia é “mais seguro” –, mas é absolutamente contra alguém dizer a outro alguém como viver sua vida. Ao mesmo tempo, essa geração não é muito tolerante quando se trata de controvérsias e discordâncias: como vimos, seus membros são a favor de “safe spaces” (espaços seguros) e “trigger warnings” (avisos de ideias “perigosas”), e sempre suspeitam estar sendo alvo de microagressões.

Twenge explica que os jovens da iGen são politicamente independentes (embora ela também os descreva mais precisamente como “libertários”), mas também são politicamente indiferentes. Eles suspeitam do governo e são “menos propensos a agir politicamente: a participação política nunca esteve tão baixa quanto em 2014 e 2015”. Nas palavras de Twenge, a geração iGen não é, de maneira geral, “uma grande fã de notícias” e “é muito menos informada do que as gerações anteriores”.

Twenge está atenta a alguns dos perigos relacionados a isso. A iGen é tão polarizada quanto o resto do país, e sua dependência do smartphone potencializa essa propensão. A autora acredita que isso poderia fazer com que “mais candidatos recorressem à ‘política de celebridade’ para conquistar a atenção dessa geração, usando a fama e as declarações bombásticas para liderar as pesquisas”.

No entanto, ela pontua algumas virtudes:

“A geração iGen está encontrando novas maneiras de se movimentar para promover mudança social, seja mudando sua imagem de perfil do Facebook para um sinal de igualdade, seja usando uma hashtag no Twitter para chamar atenção para uma causa. Ela pode não estar marchando nas ruas, mas – como a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos mostrou – essa conscientização pode começar a mudar as opiniões do americano médio e, posteriormente, a lei. Boa parte da conscientização do movimento Black Lives Matter (Vidas de Afrodescendentes Importam) se deu graças à repercussão online. É aí que a iGen se destaca – não em ação política tradicional, mas ‘espalhando a boa nova’ sobre uma nova questão”.

Em outros pontos do livro ela diz que a iGen está “dando o exemplo para maior igualdade e aceitação”.

Vamos tomar essa afirmação como uma questão descritiva. Nas palavras de Twenge, a geração iGen é “extremamente tolerante” e tem desempenhado um papel importante na mudança de atitudes sociais – ou pelo menos no sentido de dificultar a vida daqueles cujas atitudes ainda não mudaram. Suponhamos que concordemos com Twenge ao pensar que uma mudança de atitude é boa em si mesma, e por considerar um avanço as mudanças sociais que surgiram a partir dessas novas atitudes. Devemos pensar que o fato de a geração iGen ter desempenhado o papel é uma coisa boa? Devemos estar satisfeitos com o fato de que a iGen está “dando o exemplo”?

Eu não consigo compreender como tais sentimentos poderiam estar alinhados com o resto dos dados que Twenge forneceu. Os membros dessa geração padecem de graves deficiências intelectuais e morais: eles são mal informados e desinteressados; demonstram paixão, mas sem ação correspondente; têm medo de debater com aqueles de quem discordam; e não têm muito interesse em aprender ou explorar. “Usar uma hashtag em um tweet por uma causa” e usar as redes sociais para estigmatizar aqueles de quem eles discordam não são ações louváveis, mas sintomas desses males.

Quem deveria estar preocupado com esses sintomas? Todo nós. Mas sugiro que aqueles que deveriam se preocupar mais são aqueles que concordam com a essência dos pontos de vista da iGen. Se você, como a maioria dos jovens da iGen, é um grande defensor da aceitação LGBT e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, então esses jovens deveriam ser considerados os últimos advogados da sua causa, já que essa posição não nasce de estudo e discussão, mas de sentimento irracional e torpor intelectual. Estes são os últimos porta-vozes que um defensor de uma causa – qualquer causa – poderia querer ouvir. Causas justas devem ser estabelecidas pela verdade – e pela aceitação, por seus defensores, fundamentada nessa verdade.

E isso, para mencionar de passagem outro problema que exige mais palavras do que o espaço que tenho aqui dispõe, me lembra da brevíssima menção de Twenge sobre a “iGen na sala de aula.” Como ela observa, os universitários vêm para a sala de aula com pouca bagagem de leitura de livros “ou mesmo artigos mais longos”. Um vídeo com mais de três minutos é capaz de sobrecarregar sua capacidade de atenção. O que pode ser feito para que eles se tornem participantes intelectualmente preparados para os debates de importância nacional e internacional?

Não tenho nenhuma solução mágica, mas me preocupa o fato de que as sugestões de Twenge se rendam às deficiências da iGen: livros devem ter menos informações, salas de aula devem ter mais discussão, os professores devem usar mais vídeos para captar a atenção dos alunos. Contra isto, posso propor a recomendação de um colega inglês, que disse: um professor deve às vezes “ousar ser chato”. 

Os temas de educação, discurso público e política estão profundamente interligados. Se a descrição que Twenge faz da geração iGen estiver correta, então a saúde dos três temas está correndo sérios riscos.

* Christopher O. Tollefsen é professor emérito de Filosofia na Faculdade de Artes e Ciências da Universidade da Carolina do Sul.

©2018 Public Doscourse. Publicado com permissão. Original em inglês.

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