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Nikki Haley, embaixadora norte-americana na ONU, defendeu o ataque a uma base síria e rebateu acusações russas. | Drew Angerer/AFP
Nikki Haley, embaixadora norte-americana na ONU, defendeu o ataque a uma base síria e rebateu acusações russas.| Foto: Drew Angerer/AFP

O ataque americano a uma base aérea de Bashar Al-Assad na Síria ampliou o impasse que já existia entre Estados Unidos e Rússia sobre a guerra civil, com ambos os lados prometendo um recrudescimento no uso da força. O tom adotado pelas duas potências nucleares foi de ameaça, elevando a tensão entre Washington e Moscou – num nível semelhante ao vivido na Guerra Fria. O Kremlin chamou a ação americana de “agressão” e “violação da lei internacional”, e afirmou que suspenderia o canal de comunicação com forças dos EUA, usado para impedir que os dois países se atacassem na Síria, já que ambos atuam no país. Altos oficiais americanos, no entanto, negaram que a medida já tivesse sido tomada até a noite de sexta-feira.

A intervenção de Donald Trump, que enviou na quinta-feira 59 mísseis à base síria de onde teria partido o ataque químico que matou ao menos 86 pessoas, ainda gerou um inédito apoio internacional, justamente quando o presidente abandonou de vez a diplomacia e a passividade que marcaram a posição americana nos primeiros seis anos do conflito sírio – quando Barack Obama comandava o país. Nações europeias, como Alemanha, França e Reino Unido, apoiaram o bombardeio, considerado uma resposta adequada ao uso de armas químicas no conflito sírio, creditado a Assad.

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O episódio ainda gerou outro efeito colateral positivo para o republicano: deu argumentos que indicam que ele não está alinhado ao regime de Vladimir Putin. O presidente está sob investigação do Congresso e de órgãos de inteligência, sob suspeita de ter sido beneficiário, durante a campanha eleitoral, de espionagens que teriam prejudicado Hillary Clinton.

“A um passo do choque”

Na sexta, o premier russo, Dmitri Medvedev, afirmou que o ataque deixou os EUA a um passo do choque com as Forças Armadas russas, que têm efetivos na base e foram avisadas com apenas 90 minutos de antecedência. Os russos optaram por não usar suas baterias de mísseis antiaéreos S-300 e S-400. “Nós condenamos veementemente as ações ilegítimas dos EUA. As consequências para a estabilidade regional e internacional podem ser extremamente graves”, alertou o vice-embaixador russo na ONU, Vladimir Safronkov, em reunião convocada às pressas pelo Conselho de Segurança.

A embaixadora americana, Nikki Haley, rebateu e avisou que os EUA “estão preparados para fazer mais”, se for necessário. “Os EUA deram um passo muito medido”, declarou. ”Não vamos ficar parados quando armas químicas são usadas. É tempo de dizer basta. Mas não apenas dizer, é também tempo de agir”, acrescentou.

Haley abriu a reunião dizendo que Assad tinha realizado o ataque “porque sabia que estava protegido pela Rússia”, mas lembrou que “isso mudou”. No mesmo tom, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, afirmou que o presidente Trump “fez o que deveria ter sido feito”. A Presidência síria, por sua vez, classificou o bombardeio americano de ato “irresponsável” e “tolo”. “O que os EUA fizeram apenas revela sua visão míope no curto prazo e sua cegueira política e militar a respeito da realidade”, disse em comunicado.

Movimentações no Mediterrâneo

Moscou não ficou apenas na retórica. Horas após o bombardeio, uma fragata russa com mísseis de cruzeiro entrou no Mediterrâneo, em direção aos dois navios americanos que lançaram o ataque, segundo informações fornecidas à Fox News por um oficial da Defesa americana. De acordo com uma fonte do Kremlin, o navio permanecerá na costa síria pelo menos durante um mês. A Rússia também anunciou que reforçará as defesas antiaéreas sírias com baterias de mísseis.

Para Thomas Gouttierre, reitor emérito de Estudos e Programas Internacionais da Universidade de Nebraska, a relação entre os dois países muda de nível, mas ainda é cedo para falar em enfrentamento direto. O Pentágono suspeita que a Síria tenha recebido ajuda para realizar o ataque químico, embora funcionários americanos não se atrevam a acusar a Rússia. “Não acredito que isso ocorra no curto prazo, não por causa da Síria. Já não aconteceu por causa de Geórgia, Ucrânia e Crimeia. Espero mais uma repetição do clima da Guerra Fria, onde os dois estiveram em lados opostos sobre Vietnã, Cuba e Irã.”

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Gouttierre lembra que, após este passo, e os impactos positivos que ele dará a Trump, dificilmente os americanos poderão voltar atrás. Em sua opinião, o primeiro ato externo de peso do governo, realizado 75 dias após a posse do republicano – numa ação unilateral, sem esperar uma resposta na ONU – deve aumentar a influência americana na guerra síria e na região. “Isto demonstra como os militares estão influentes no governo Trump.”

Conflito

Na Síria, o conflito continuou na sexta-feira. A cidade de Khan Sheikhoun, que na terça-feira sofreu o ataque químico, ficou novamente sob fogo, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH). Os aviões teriam decolado da base de Al-Shayrat, que está parcialmente em serviço, atingindo alvos perto de Palmira.

Uma fonte militar síria assinalou à AFP que o Exército tinha conhecimento prévio da ação americana e “tomou precauções”, deslocando aviões da base aérea atacada. Enfraquecida pelos ataques de tropas do governo nos últimos meses, a coalizão da oposição síria aplaudiu a operação, mas disse ser muito pouco. Os rebeldes também elogiaram a ação, lembrando a Trump que “sua responsabilidade não acaba nesta operação”. Ele temem, no entanto, as retaliações que podem vir do regime. Já o grupo xiita libanês Hezbollah alertou que a “iniciativa insensata” irá levar a tensões sérias na região.

O bombardeio teria destruído 20 jatos da Síria, segundo funcionários de Defesa dos EUA – um deles conseguiu decolar antes e escapar. Mas, de acordo com o Exército russo, apenas 23 dos 59 mísseis lançados atingiram o alvo, deixando nove mortos, incluindo quatro crianças.

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