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Contratação de barriga de aluguel, principalmente por estrangeiros, foi proibida em muitos países | Pixabay
Contratação de barriga de aluguel, principalmente por estrangeiros, foi proibida em muitos países| Foto: Pixabay

No dia da mentira, 1º de abril de 2018, um site LGBTI alemão foi bombardeado com críticas ao anunciar o sorteio de uma mãe de aluguel na Tailândia, e uma doadora de óvulos para um casal gay. O valor do “pacote” seria mais de 44.000 dólares. O sorteio imediatamente chamou a atenção no Twitter, onde foi criticado por ser uma tentativa de piada de “mau gosto”, “racista”, “machista” e, por fim, sem graça.

Julie Bindel criou a petição StopSurrogacyNow (Pare com a barriga de aluguel agira, em tradução livre) e usou o Twitter para expressar sua indignação:

“Aqueles de nós cientes dos abusos de direitos humanos envolvidos na prática de barriga de aluguel, ou melhor, no tráfico de útero, sabem muito bem que essa ‘piada’ de 1º de abril acontece na vida real, e que essa atitude é comum entre homens gays, que consideram seu direito usar os corpos dessas mulheres para sua própria conveniência. Não existe o ‘direito’ de ter o seu próprio filho biológico, ou de usar o corpo de uma mulher pobre para carregar essa criança”.

Bindel não empregou meias palavras para acusar homens gays que usam mulheres como barriga de aluguel.

Os sites gays de notícias rapidamente a censuraram por seus comentários. No Twitter, ela respondeu:

“Vivemos uma época em que homens gays privilegiados se referem a uma crítica feminista ao aluguel de útero de mulheres pobres como ‘discurso do ódio’ e fazem ‘notícia’ dessa calúnia”.

Em meio à controvérsia, o editor do site LGBTI alemão replicou:

“Barriga de aluguel é um tema controverso, portanto já esperávamos alguma indignação moral. Nossa brincadeira de 1º de abril foi realmente sarcástica, mas não é machista nem racista. É um fato bastante conhecido que casais gays de países do primeiro mundo, que têm vontade de ter filhos, usam mães de aluguel de países emergentes e de terceiro mundo. Jamais iríamos sortear uma barriga de aluguel real – embora alguns usuários tenham acreditado nisso. A ideia era lançar um debate sobre maternidade de aluguel – e acho que funcionou”.

Debate? Que debate?

Não há debate real sobre barriga de aluguel

Esse breve entrevero no Twitter e em alguns sites de notícias certamente não pode ser chamado de debate. Eu seria a primeira a saudar um debate público sério sobre barriga de aluguel. Perdoem-me a franqueza, mas simplesmente não há discussão de verdade sobre o assunto nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar no mundo. O que está ocorrendo nos EUA é uma iniciativa de cada estado para aprovar uma lei que permita a prática comercial da barriga de aluguel. Em âmbito internacional, os esforços para legalizar essa prática já estão em andamento, como no Tribunal de Haia, nas Nações Unidas, e em vários países. Não resta dúvida de que todos esses esforços são cuidadosamente orquestrados e financiados pela indústria da fertilidade, seus lobistas, advogados e agências de barriga de aluguel para o público gay, como a organização comandada por Sam Everingham, “Families through Surrogacy” (Famílias através da barriga de aluguel, em tradução livre), ou o grupo “Men Having Babies” (Homens tendo bebês, em tradução livre). 

Provavelmente, poucas pessoas sabem que um projeto de lei para a prática comercial da barriga de aluguel acaba de ser aprovado no estado de Washington, e que o Governador Jay Inslee a sancionou. Eu testemunhei contra a medida em duas audiências. A primeira foi presidida pelo membro da Comissão do Senado que criou o projeto de lei, um homem gay cujos filhos foram gerados por barriga de aluguel. A segunda audiência foi presidida por um membro do Comitê, que é lésbica. Devo esclarecer que minha posição contra barriga de aluguel não tem nada a ver com impedir que homens gays tenham filhos. Minha posição é que ninguém tem o direito de usar o corpo de qualquer mulher para ter um filho. Ponto final.

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Nova York e Nova Jersey estão prestes a aprovar leis semelhantes para a prática comercial de barriga de aluguel, e não há qualquer debate sobre. O projeto de lei de Nova York é de autoria de outro senador gay, que também teve filhos por meio de barriga de aluguel. Quando ele anunciou que seu projeto de lei para legalizar a barriga de aluguel comercial em Nova York tinha sido enviado ao comitê, o Senador Brad Hoylman declarou: “Ainda estamos na Idade das Trevas com relação à questão da barriga de aluguel”. Sua fala dá a entender que a barriga de aluguel é uma forma de libertação feminina.

Pelo contrário: esta é uma proposta para entrarmos na Idade das Trevas – para voltarmos à era da servidão feminina, criando uma classe de reprodutoras pagas. Embora seja interessante listar os países onde as leis mudaram recentemente para proibir a exploração comercial da barriga de aluguel, ou para impedir a entrada de estrangeiros que viajam com o objetivo de contratar esse serviço, é muito mais instrutivo e revelador examinar por que essas mudanças foram feitas.

Preocupação internacional

A Tailândia, por exemplo, fechou suas fronteiras para a exploração comercial de barrigas de aluguel após a divulgação do caso do bebê Gammy. Gammy e sua irmã gêmea nasceram de uma barriga de aluguel na Tailândia, que havia sido contratada por um casal da Austrália, país onde a prática é ilegal. O casal deixou o bebê Gammy na Tailândia porque ele nasceu com Síndrome de Down, e eles não queriam uma criança com deficiência. Mais tarde foi confirmado que o pai era um pedófilo condenado na Austrália. Até agora a autoridades se recusaram a retirar a menina do casal, mas instruíram o pai a jamais ficar sozinho com ela.

A barriga de aluguel também foi proibida no Nepal. Por quê? Porque as mulheres eram exploradas e crianças foram abandonadas em estado precário depois de um terremoto de 7,8 graus de magnitude, em abril de 2015. O Nepal tinha se tornado um destino procurado por casais homossexuais de Israel (onde a prática só é permitida para casais heterossexuais), que buscavam a “mão-de-obra barata” para construir suas famílias. Após o terremoto, o governo nepalês baniu a prática, sensibilizado pelas fotos chocantes de mulheres nepalesas pobres, abandonadas em meio às ruínas, enquanto um rico casal gay israelense embarcava em aviões com seus bebês.

Eu poderia dar muitos outros exemplos. O ponto é que a contratação de barriga de aluguel, principalmente por estrangeiros, foi proibida em muitos países porque as autoridades viram, em primeira mão, como ela prejudica mulheres e crianças.

Nos Estados Unidos, no entanto, essa prática está sendo vendida como um ato de amor e generosidade de um “anjo”. Assim como a doação de óvulos. Não há qualquer preocupação com a saúde e o bem-estar das mulheres envolvidas. Já escrevi muito neste espaço sobre essas questões e não é exagero dizer que o lobby da barriga de aluguel está usando muito, muito dinheiro para minimizar quaisquer riscos ou preocupações com as necessidades e os interesses das crianças.

Ao mesmo tempo, toda oposição – ou melhor, qualquer questionamento quanto ao fato da realidade da prática não se resumir a arco-íris e unicórnios – é rapidamente silenciada. Muitas mães de aluguel já entraram em contato comigo relatando que foram expulsas de fóruns de discussão ou banidas de grupos em redes sociais por terem tido a audácia de mencionar que enfrentaram dificuldades, ou que estavam parando para refletir sobre outras implicações dessa prática para as mulheres ou crianças.

Está na hora de expor a verdade da indústria da fertilidade

Um dos primeiros passos na luta contra a barriga de aluguel, especialmente em países desenvolvidos, onde o foco costuma estar no consumidor, é expor a indústria da fertilidade. Barriga de aluguel é uma grande indústria, que movimenta bilhões de dólares todos os anos no mundo inteiro. Por ser um setor em crescimento, ela também atrai novos investidores. Eis o que diz um relatório sobre o assunto: 

“Atentas a um mercado lucrativo, firmas de investimento estão despejando dinheiro para construir redes de clínicas de fertilidade. Algumas estão investindo pesado em publicidade, numa estratégia deliberada de atingir mulheres jovens que ainda não estão tentando engravidar. Investidores de risco também estão entrando nesse mercado. Só este ano, a PitchBook, companhia de dados financeiros, já registrou um fluxo de mais de 178 milhões de dólares injetados em startups de desenvolvimento de produtos de fertilidade, tais como um teste que promete qualificar o nível de fertilidade de uma mulher”.

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A barriga de aluguel é uma prática cara, que pode custar aos pais contratantes mais de cem mil dólares. Às vezes, eles precisam desembolsar muito mais, já que nem todas as tentativas necessariamente resultarão no nascimento de uma criança com vida. Para onde vai todo esse dinheiro? Certamente uma parte vai para a mãe de aluguel (geralmente entre 20.000 e 35.000 dólares nos Estados Unidos, e muito menos em países em desenvolvimento). Mas de forma alguma as mães estão recebendo a maior parte desse dinheiro. A verdade é que grandes somas são pagas às agências e aos advogados que fazem a mediação e elaboram os contratos, bem como aos médicos e às clínicas de fertilidade.

Quando há dinheiro a ser ganho – especialmente em uma área que se pretende autorregulada – sempre haverá pessoas ansiosas para lucrar. Theresa Ericson, uma advogada que atuava na Califórnia, foi condenada e presa por liderar um esquema de venda de bebês. Ela disse de si mesma: “Sou a ponta do iceberg, quando se trata de pessoas que abusam do sistema”.

Então, sinto muito, mas não existe um debate sobre a ética da barriga de aluguel. O que existe são algumas pessoas, que infelizmente contam com poucos voluntários e recursos financeiros escassos, mas que estão enfrentando uma indústria tão poderosa quanto a indústria do cigarro ou farmacêutica. É algo como David versus Golias.

A barriga de aluguel não é pegadinha de 1º de abril. Não é brincadeira nem piada. Trata-se de um negócio que explora, usa, abusa e se aproveita das mulheres, transformando-as em reles mercadoria. A prática transforma crianças em produtos para serem projetados, selecionados e comprados, e para gerarem lucros exorbitantes. E está disposta a tudo para proteger seus interesses e cifrões.

Jennifer Lahl é fundadora e presidente do Center for Bioethics and Culture (Centro para Bioética e Cultura) e produtora dos documentários Eggsploitation, Anonymous Father’s, Breeders: A Subclass of Women? e Maggie’s Story, que conta a história de uma doadora de óvulos que luta contra um câncer em estágio 4.

©2018 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.
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