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Henrique Capriles, principal nome da oposição venezuelana: “O que acontece na Venezuela tem impacto em toda a região” | JUAN BARRETO/AFP
Henrique Capriles, principal nome da oposição venezuelana: “O que acontece na Venezuela tem impacto em toda a região”| Foto: JUAN BARRETO/AFP

"A Venezuela vai sair deste buraco, não tenho dúvida", diz com fé Henrique Capriles, de boné e jaqueta esportiva, hoje o principal nome da oposição venezuelana. 

Aos 44 anos de idade, ele foi presidente do parlamento, prefeito duas vezes, governador de Miranda duas vezes e candidato presidencial duas vezes (contra Chávez em 2012, e contra Maduro em 2013). Ele também esteve na prisão, e foi levado a juízo por razões políticas. Foi um dos primeiros "exemplos" das consequências de dissentir politicamente do chavismo. Ele tem percorrido o país inteiro e ganha presentes e bênçãos aonde vai.

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É popular e polêmico. Suas posições e decisões têm sido criticadas na heterogênea oposição venezuelana. Foi questionado por conter o protesto cidadão em tempos conflituosos do passado, como nas eleições presidenciais de 2013, quando ele afirmou que as irregularidades no processo eleitoral afetaram mais de cinco milhões de votos, e questionou a validade da estreita margem (2%) pela qual Maduro ganhou. Parte da população queria protestar nas ruas e reclamar em massa no Conselho Nacional Eleitoral, mas ele estimou que o risco de violência era muito alto, e que o governo iria procurar um confronto perigoso entre cidadãos - a rua não estava dentro de seu controle. 

"Este é o momento da razão, não paixão", disse, e realizou as disputas e processos judiciais contra o resultado da eleição na Venezuela e no exterior, sem resposta. Apesar dos comentários - muitos o consideraram mole -, ele sustenta que no momento impediu uma guerra civil. 

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Mas em 2017 as coisas são diferentes. Capriles hoje sai para protestar e resistir aos efeitos do gás lacrimogêneo interminável junto com milhões de venezuelanos, ao risco de encontrar a morte ou resultar ferido. Sai como a maioria dos que saem, sem capacete e sem máscara de gás. Quando perguntado o que é diferente - por que ir para a rua agora - ele diz que é o último recurso de uma nação a qual "fecharam todas as portas democráticas". Além da difícil situação econômica e social que tem 82% da população na pobreza, os primeiros lugares dos índices de violência, inflação, e escassez de alimentos e medicamentos do mundo, em 2016 um referendo proposto pela oposição como o primeiro passo para resolver a crise foi impedido. 

"Tudo isto podia ter sido evitado, todas as mortes, feridos, prisioneiros, tudo, se tivéssemos feito o referendo", diz ele. O saldo da repressão aos protestos é sangrento e continua crescendo. Pelo menos 60 mortos, mais de 13.000 feridos, mais de 2.800 detenções, mais de 300 julgamentos militares de civis, destruição de propriedade e invasões arbitrárias de residências. 

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"Quanto mais dura tem sido a repressão, temos visto mais firmeza do povo venezuelano", afirma Capriles, que também acredita nos protestos como um "despertar" de uma maioria indiscutível em descontentamento, que nem sempre existiu, e que se formou em grande parte devido à crise econômica. 

Ele reconhece como um avanço a atitude institucional mostrada pela Procuradora-Geral da República, Luisa Ortega. Abertamente alinhada politicamente com Chávez ao longo dos últimos dez anos, não só se pronunciou contra o julgamento do Tribunal Supremo que aboliu as funções do Parlamento, mas questionou as ações das forças de segurança, e publicamente tem refutado teorias do governo com base em investigações forenses. 

"Era impensável há três meses que a Procurador-Geral se pronunciaria nos termos em que tem feito”. Ele acredita que isso é um sinal de "fraturas internas dentro do governo."

Constantemente repete os cinco objetivos dos protestos: eleições livres e democráticas, abertura de um canal humanitário para alimentos e remédios, libertação dos presos políticos e fim das inabilitações políticas, restabelecimento do ordem constitucional, e fim da repressão. Insiste especialmente sobre as eleições gerais livres e democráticas. 

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"A mudança na Venezuela não é apenas o que, mas o como; a mudança tem que ser com votos, não balas, não com golpes, é com democracia, com eleições." Nesse ponto, ele não poderia participar em uma eventual eleição, o governo inabilitou-o politicamente por 15 anos em abril. 

"Esta inabilitação, para mim, não terá efeito porque a Venezuela vai mudar, e todos estes ultrajes serão lembrados como uma etapa escura que o nosso país viveu com esta liderança corrupta, assinalada de ter ligações com o tráfico de drogas no exterior", afirma. “A inabilitação é injusta e ilegal, e foi feita com a única intenção de que eu não seja candidato, e não seja presidente." 

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Ao governador também lhe confiscaram o passaporte no aeroporto internacional Simón Bolívar, que serve a cidade de Caracas, quando ele estava viajando para Nova York para se reunir com o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, em 18 de maio. Ele pretendia expor e entregar um relatório descrevendo os abusos do governo em sua repressão do protesto. 

Ele rejeita os rótulos "direita" e "esquerda", e pede para ser definido com base no que faz em seus governos. "Como tenho experiência governamental, você pode avaliar minha posição ideológica com base em como eu governo. A maior parte dos recursos, o orçamento que temos no estado de Miranda, estão dirigidos à educação, o que mais libertador, progressista e igualitário que a educação?". 

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Ele se sente confortável com a definição de progressista, e considera que o debate sobre esquerda e direita "não é o debate venezuelano." 

Acha que a "esquerda venezuelana" é uma fraude, e a prova é a pobreza e a fome que o povo sofre atualmente. "Este governo se esconde por trás da fachada da esquerda e eu não vi um mais fascista que ele. Quanto dinheiro o governo gasta na educação, e quanto em armas? Que estranha é esta esquerda do Maduro, certo? Uma esquerda sustentada nas armas e repressão”. 

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Ele é da opinião de que os governos de "esquerda" na América Latina têm utilizado ideologia para esconder a questão da corrupção. "Este debate deve ser aberto em toda a América Latina, incluindo o Brasil, seria interessante", diz ele. 

Quando era prefeito do município Baruta em Caracas (entre 2000 e 2008), ele visitou Curitiba, inspirado por seu modelo urbano e de cidade, e com a intenção de aprender algumas coisas para aplicar em Baruta. Ele ficou impressionado com seus espaços públicos e seu sistema de transporte. "Gostaria muito de voltar. Foi uma visita extraordinária." 

Como é possível passar da repressão às eleições livres e democráticas? 

É necessário continuar pressionando. Temos um governo que continua se isolando, que continua se fraturando internamente. Também existem divisões muito graves no seio das Forças Armadas. Todas as informações que exponho à opinião pública vêm de dentro das Forças Armadas e o governo não pode negá-las. Este processo não pode ser interrompido. Então isto tem que terminar em negociações políticas, num acordo político, transparente com a bênção e aprovação dos venezuelanos, que permita ao país ter uma solução para a crise. 

O governo tem dois caminhos: terminar como o Gaddafi, como o Pinochet, como essas tristes personagens da história que encontram finais de ditadores, ou aproveitar a oportunidade para que o país tenha uma transição democrática, o que significa para eles a saída do poder em outras condições. Essa é uma decisão que eu tenho certeza que eles estão debatendo internamente neste momento. E isto foi devido à pressão dos venezuelanos, à pressão exercida nas ruas, porque foi o último recurso. 

O senhor falou da necessidade de "construir uma maioria esmagadora" na Venezuela, e a necessidade de um "trabalho de formiga" para alcançá-la. A maioria foi alcançada? 

Sim, absolutamente. 

Como? 

Além do trabalho de organização que temos feito, todo o trabalho de formiga, de visitar, conversar com as pessoas, mostrar para elas o que nos trouxe a este caminho, a crise econômica também tem feito o seu trabalho; ela permitiu que muitas pessoas percebessem que este modelo não é viável, que este é o maior golpe da história do nosso país, este mal chamado revolução. O que fizeram aqui foi roubar o maior boom do petróleo em nossa história, mais de um trilhão de dólares. Onde está o dinheiro? Em uma ponte sobre o Orinoco? Em um terminal ferroviário? Em algumas estações novas de metrô? Em algumas casas, cujos números são falsos? Em uma ponte de guerra na estrada? 

A crise econômica permitiu que muitas pessoas percebessem que esta foi uma farsa, uma cúpula que não quer deixar o poder, que enriqueceu à custa de um país inteiro. A maioria se deu conta, e também já se expressou a respeito. Há os resultados das eleições para a Assembleia Nacional, nas quais o melhor resultado foi alcançado: nunca uma força política nos últimos 200 anos tinha conseguido ter dois terços da legislatura, o Parlamento, que é o mais representativo em uma democracia. A maioria existe, e quer votar. E é por isso que o governo não quer eleições, porque sabe que se essa maioria se manifestar, eles perdem a presidência, governos estaduais, prefeituras, assembleias legislativas, câmaras municipais, perdem todas as posições de poder. 

Em sua opinião, qual é o legado do Chávez? 

Eu acho que o capítulo Chávez foi fechado com o próprio Chávez. As pessoas se lembram do Chávez durante o boom petroleiro, quando os programas sociais cobriam e atendiam muitos venezuelanos. Ele vendeu um projeto inviável a muitas pessoas. Ele era uma pessoa que conseguiu se conectar com muitos venezuelanos, tinha grandes habilidades de comunicação, tinha liderança, mas gozou do boom petroleiro... como dizemos na Venezuela, “galã e com dinheiro...” 

Eu não reivindico o passado, o passado nos levou a esta quinta república, e deve nascer uma nova Venezuela. Estamos parindo um novo país, e isso é o que está por vir. Uma nova Venezuela, com a constituição que temos, somente com algumas mudanças no aspecto político para desconcentrar um pouco mais o poder. 

O senhor qualifica a Constituinte do Maduro como uma fraude. Mas a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena, anunciou a eleição de membros da Assembleia Nacional Constituinte no final de julho, bem como a eleição de governadores em 10 de dezembro. Qual é a sua leitura deste cronograma? 

Ela pode continuar com a sua fantasia, mas a posição da Venezuela é clara: esse processo é uma fraude e não vamos participar. Ela vai continuar com a sua intenção, e nós continuaremos pressionando. O que pode acontecer? Com protestos cada dia denunciado a fraude, eu gostaria que Tibisay Lucena explicasse como eles vão chegar a esse processo constituinte, a essa eleição. O que eles vão fazer? Um toque de recolher? Suspender as garantias? Suspender o livre trânsito? 

Se eles insistem, temos que ver quão complexo será esse dia. Como vai se instalar a constituinte? Será que eles vão funcionar na Assembleia Nacional? Ou eles vão ter de trabalhar em Fuerte Tiuna? (Sede do poder militar em Caracas). 

Vamos ter duas constituições? A anarquização absoluta do país? Eles estão fazendo as contas certo? Eu acho que eles ainda tem tempo de parar a loucura. Eles pretendem primeiro escolher uma assembleia sem consultar os venezuelanos e, segundo, fazê-lo com uma escolha setorial. Isso não existe na Constituição, o voto é universal, direto e secreto. É o povo que decide, não é o Maduro que decide. 

Qual é a primeira coisa que faria Capriles como presidente? 

Venezuela está numa emergência, e deve ter um plano para lidar com ela, entendendo que existem cerca de nove milhões de venezuelanos que, se o Estado não os atende, não lhes estende sua mão, morrem. Então precisamos dedicar o esforço para três questões chave: alimentos, medicamentos e segurança. Precisamos construir confiança também. Se aqui as regras são respeitadas, damos confiança para o investimento nacional e internacional, se o estado convoca uma grande aliança para a recuperação da Venezuela, o país se levanta rapidamente. Construindo confiança, podemos lidar com a emergência. A Venezuela é um país que tem recursos naturais substanciais, muitas vantagens de todos os pontos de vista, muitos querem investir aqui. 

O senhor foi um preso político deste governo, que mensagem dá para os atuais presos políticos do Maduro? 

Quando você está lá dentro, sofrem mais a família e os entes queridos, porque o ser humano tem a capacidade de se adaptar. Quando você está nessa situação, você sabe que é por razões políticas, que não tem cometido nenhum crime, e quando a consciência está tranquila, não importa onde você está. Eu sei que os nossos companheiros presos estão fortes e firmes. A mensagem que eu dou para eles é que penso que falta pouco para que saiam livres, porque a liberdade da Venezuela significará a liberdade deles também. 

Por que é importante para o Brasil o que acontece na Venezuela, e a solução da crise venezuelana? 

Além de sermos vizinhos, o que acontece na Venezuela tem impacto em toda a região, não só no Brasil. Se a Venezuela não encontrasse uma solução democrática, eleitoral, pacífica e constitucional, se essa bomba que se tornou o país explode, o Brasil vai ter que receber quantos venezuelanos? Um milhão? Qual é o país mais afetado, onde mais vai afetar uma situação como eu descrevi? Colômbia, mas depois o Brasil. O Brasil neste momento é capaz de absorver um milhão de venezuelanos deslocados? 

Como foi a relação com o governo Dilma Rousseff? 

O Brasil é o gigante do Sul, e no governo Dilma Rousseff nós insistíamos que eles não poderiam permanecer cúmplices do governo venezuelano, que tinham que ser defensores da democracia pela posição política e estratégica do Brasil para a região e para o mundo. Que eles não podiam ser indiferentes à situação venezuelana, porque isso iria mesmo ter repercussões internas no Brasil. O Brasil vive uma forte crise política agora, sabemos que tem seus próprios problemas, mas o Brasil deve ter uma posição de liderança na região. 

O que pensa da crise política brasileira em curso? 

Eu acho que o PT caiu pela corrupção. Lula tornou-se um líder mundial, aqui falávamos sobre o Lula, os que não éramos amigos dele, porque havia um monopólio na relação com ele pelo Chávez e o governo. Lula tornou-se, provavelmente, o mais importante líder que Brasil teve em muitos anos. Agora, por que o PT cai? Por que o gigante colapsou? Pela corrupção. Corrupção da esquerda é tão ruim como a corrupção da direita. A corrupção é ruim, é um câncer que engole tudo. Ela deve ser combatida, e o que gerou esta enorme crise política no Brasil, tem sido a corrupção. Nestes novos tempos da América Latina temos que tomar a frente na luta contra a corrupção, não podemos tolerar, não podemos cair nessa malfadada história de 'não importa que roubem, se eles fazem'. É fazer e não roubar, não há justificativa para estar no poder e roubar, isso é um crime que deve ser severamente punido. 

Qual é a sua relação com o governo brasileiro? Já conversou com o presidente Michel Temer? 

Não. Minha relação é com o ex-ministro das Relações Exteriores, o senhor Serra; com Aloysio Nunes; respeitamos muito e temos um bom relacionamento com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também com alguns deputados e senadores, mas com Temer não tive nenhum contato. A relação sempre foi com o Ministério das Relações Exteriores. 

O Brasil corre o risco de sofrer uma corrosão institucional semelhante a da Venezuela? 

Acho que o Brasil tem instituições muito mais fortes, tem uma institucionalidade distinta, não tem nenhum ponto de comparação com a Venezuela. E tenho certeza que eles vão encontrar uma solução para a crise política. O Brasil tem instituições, a Venezuela está completamente desinstitucionalizada. É por isso que causa tanto impacto que a Procuradora-Geral fale e diga o que diz, porque sentimos que está se recuperando pelo menos a institucionalidade do Ministério Público. Venezuela precisa urgentemente de voltar à institucionalidade, e ter separação de poderes. A separação de poderes é o que impede um país de se tornar no hoje que temos na Venezuela

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