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De todas as várias deficiências dos espertões da internet, a necessidade adolescente de desdenhar do gosto das massas, por mais duvidoso que ele possa ser, consta entre os mais irritantes. E com nenhum outro assunto isso transparece mais do que quando se discute Adam Sandler.

Agora, para deixar claro, não são todos os filmes de Adam Sandler que a gente tem permissão para falar mal. Os críticos e blogueiros de cinema nos deram permissão para elogiar “Embriagado de Amor” (principalmente porque o diretor é um dos nossos queridinhos, Paul Thomas Anderson) e “Espanglês”. Às vezes até temos permissão para gostar de “Tá Rindo do Quê?”, de Judd Apatow, mas só se apontarmos, positivamente, para o fato de que, nele, Sandler está rindo da sua própria carreira e do seu hábito de fazer filmes péssimos e simplórios, e se destacarmos, ao mesmo tempo, também o machismo e o egocentrismo de Apatow, ou alguma outra deficiência dele.

Apesar de haver alguma apreciação pelos seus primeiros filmes, mais excêntricos, especialmente para aqueles dentre nós que estavam no final do ensino fundamental quando “Happy Gilmore: Um Maluco no Golfe” e “Billy Madison: Um Herdeiro Bobalhão” estavam chegando às telonas, seus filmes mais recentes e mais bobos – como “Esposa de Mentirinha”, “Click”, “Gente Grande”, “Pixels” e “Juntos e Misturados” – são, no geral, prontamente deixados de lado. Enquanto isso, os filmes que deverão sair agora pelo acordo feito com a Netflix para produzir material original – “The Ridiculous Six”, “The Do-Over” e “Sandy Wexler”, entre outros – são alvo de um desprezo ferrenho.

“Usuários da Netflix Perderam Meio Bilhão de Horas de Suas Vidas com Filmes do Adam Sandler”, reclamou o BuzzFeed, talvez incomodado pelo fato de as pessoas terem escolhido passar seu tempo vendo os seus filmes em vez de tentar adivinhar a cor de um vestido ou com artigos como 17 Fotos de Gatos Fazendo Alguma Coisa Totalmente Bizarra, Clique e Veja, o Resultado Irá te Surpreender.

Desnecessário dizer, muita gente se sentiu ultrajada e horrorizada quando a Netflix revelou a quantidade de material de Adam Sandler que a plebe vem consumindo. Diz o site The Verge, “Netflix acusa seus usuários de assistirem 500 milhões de horas de filmes de Adam Sandler”, numa das manchetes mais engraçadas sobre esse vício dos EUA. “Deus do Céu, Usuários de Netflix Já Assistiram a Meio Bilhão de Horas de Filmes de Adam Sandler”, comentou a Vanity Fair. “As Pessoas Desperdiçaram 500 Milhões de Horas Vendo Filmes de Adam Sandler na Netflix”, lamentou o Huffington Post. “Usuários da Netflix Perderam Meio Bilhão de Horas de Suas Vidas com Filmes do Adam Sandler”, reclamou o BuzzFeed, talvez incomodado pelo fato de as pessoas terem escolhido passar seu tempo vendo os seus filmes em vez de tentar adivinhar a cor de um vestido ou com artigos como 17 Fotos de Gatos Fazendo Alguma Coisa Totalmente Bizarra, Clique e Veja, o Resultado Irá te Surpreender.

Mas tanto as mais tranquilas quanto as mais absurdas dessas reclamações vieram do mesmo artigo, de Dustin Rowles, no Pajiba, um dos meus sites favoritos sobre cultura pop. Por um lado, Rowles admite que a receita trazida por Sandler permitiu que a Netflix pudesse investir pesado em todo o tipo de outras produções mais sérias. Ele cita filmes independentes como “Já Não Me Sinto Em Casa Nesse Mundo” e “Beasts of No Nation”, entre outros, como indicativo do bom trabalho que Sandler acabou financiando indiretamente. Por outro, porém, Sandler é acusado de ter culpa no cartório por nada menos do que a eleição de Donald Trump.

Sério.

“[O problema] não é necessariamente que os republicanos passem muito tempo vendo filmes do Adam Sandler”, escreveu Rowles. “Acontece que 92 milhões de pessoas não votaram em 2016 porque estavam ocupadas demais vendo essas p--- desses filmes do Adam Sandler. O mundo está pegando fogo, mas os brancos da maioria silenciosa estarão muito ocupados vendo ‘Esposa de Mentirinha’ para se dar conta”. Bem, é uma teoria.

Mas, falando sério, Rowles destaca alguns dos motivos pelos quais os cinéfilos deveriam ficar animados pelos esforços da Netflix de dar mais Sandler às massas: Eles “estão, pelo menos, ajudando a bancar os filmes e séries de televisão que são melhores, mas menos populares”. Não tem nada de errado nisso.

Colegas cinéfilos, parem de rir da Netflix e seus usuários. Eles cumprem um serviço público valioso ao descontaminarem o nosso ecossistema midiático e permitirem que permaneçamos confortáveis dentro das nossas bolhas

Há um outro motivo ainda para os sommeliers de cinema deixarem de lado o seu desdém por um minuto e comemorarem que a Netflix tenha se tornado o lar de Sandler e seus amigos: Isso significa que nunca mais seremos forçados a ver qualquer coisa do Adam Sandler por acidente.

A pior parte do lançamento de qualquer filme ruim feito por um grande estúdio não é necessariamente ser obrigado a assisti-lo para fazer resenha. Não, o aspecto mais aterrorizante é a onipresença das campanhas de publicidade – trailers, propagandas na TV, outdoors, anúncios em revistas, e assim por diante. É impossível evitar ter contato com um filme desse porte quando ele é lançado nos cinemas, porque eles – os gênios malignos do marketing – não deixam. Você acaba absorvendo por osmose.

Eu não sou, de forma alguma, um desses que perdem tempo destilando ódio contra Sandler, mas também não sou fã do seu trabalho mais recente. Mesmo assim, eu sei de cor 80% do enredo de “Gente Grande” e “Gente Grande 2”, apesar de nunca ter visto de propósito nem um único segundo de nenhum dos filmes. Porém, se o trabalho dele estiver relegado à Netflix, esse perigo desaparece. As nossas preciosas pupilas manterão sua pureza para sempre agora.

Por isso, eu lhes peço, colegas cinéfilos, que parem de rir da Netflix e seus usuários. Eles cumprem um serviço público valioso ao descontaminarem o nosso ecossistema midiático e permitirem que permaneçamos confortáveis dentro das nossas bolhas.

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