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O presidente americano Donald Trump antes de anunciar a retirada dos EUA do Acordo Climático de Paris.  | Jabin Botsford/The Washington Post
O presidente americano Donald Trump antes de anunciar a retirada dos EUA do Acordo Climático de Paris. | Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Ao sair do Acordo de Paris, o presidente Trump cimentou sua reputação de baderneiro -internacional-chefe com a mais recente em uma série de decisões que analistas de política externa acreditam que podem ter profundas consequências para a liderança global dos Estados Unidos. 

A decisão de sair do Acordo de Paris certamente vai irritar muitos dos quase 200 países que subscreveram o compromisso de reduzir emissões de carbono. Em um sinal de que as alianças estão mudando, espera-se que a União Europeia e a China emitam uma declaração conjunta na sexta-feira prometendo tomar um papel de liderança no combate às mudanças climáticas. Espera-se que a China, em especial, preencha qualquer vácuo de liderança criado pela retirada dos Estados Unidos, tanto no comércio quanto no combate às mudanças climáticas. 

“Vai complicar seriamente qualquer iniciativa do presidente Trump de construir uma coalizão de contraterrorismo, ou mobilizar o Ocidente para qualquer conjunto de questões políticas”, disse Bruce Jones, diretor do programa de Política Externa da Instituição Brookings. 

“É um cálculo bizarro”, disse. “Eles não ganham nada ao sair, e perdem muito.” 

Abandonar o acordo de 2015 levado à frente pelo governo Obama reflete o desdém de Trump por grandes acordos e alianças multilaterais, uma opinião que ele expressou frequentemente durante a campanha e seguiu uma vez no cargo ao sair da Parceria Transpacífico, ameaçar deixar o NAFTA e repreender aliados da OTAN. 

Sem surpresas

Barry Bennet, um assessor político de Trump durante a campanha, disse que ninguém deveria ser pego de surpresa pelas ações de Trump. 

“Eles deveriam ter ido a um comício”, disse. “Não teriam se surpreendido nem um pouco.” 

Bennett descreve o que está acontecendo agora como uma recalibração das prioridades dos Estados Unidos. 

“Às vezes nós valorizamos mais nossas relações com europeus do que as vidas de trabalhadores americanos que dão duro”, disse. 

Semana passada, na OTAN, Trump deixou outros líderes incertos a respeito do compromisso dos Estados Unidos em vir em defesa da Europa e levou a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, a dizer que os europeus não podem depender dos EUA. No mais claro prenúncio de que iria sair do Acordo de Paris, Trump foi o único líder em um encontro do grupo G-7, com as maiores democracias industriais, que não o endossou. 

Novo papel internacional

A abordagem de Trump sublinha o quanto ele conseguiu redesenhar o papel dos Estados Unidos no mundo em apenas quatro meses. 

“Tendo saído do Acordo de Paris, depois de revelar dúvidas a respeito da OTAN e de ter abortado a Parceria Transpacífico, o presidente Trump está a caminho de acabar com a ordem internacional liderada pelos Estados Unidos”, disse Cliff Kupchan, presidente do Grupo Eurasia, uma empresa que avalia de análise de risco político. 

“Penso que estamos indo em direção a um mundo hobbesiano de cada um por si só.” 

Muitos do establishment da política externa acreditam que as retiradas minaram a influência e a credibilidade dos Estados Unidos. 

“Outros países estarão menos dispostos a se envolver conosco”, disse David Victor, diretor do Laboratório de Direito e Regulação Internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego. 

“Cria um vácuo que outros tentarão preencher. Tornará mais difícil para os Estados Unidos avançarem seus interesses.” 

Promessas de campanha

Muito do tom irritado a comunidade de política externa são ações que Trump prometeu durante a campanha como parte de sua agenda “America First” (Estados Unidos em primeiro lugar, em tradução livre). Como candidato, ele repetidamente disse que “cancelaria o acordo sobre clima de Paris”. Em um documento divulgado no fim de sua campanha e dando as linhas gerais de seu plano para os primeiro 100 dias de governo, Trump prometeu “cancelar bilhões de dólares em pagamentos para programas de combate à mudança climática da ONU e usar o dinheiro para consertar a infraestrutura aquária e ambiental dos Estados Unidos.” 

Em outras promessas com implicações para a política externa, Trump mostrou mais flexibilidade. Ele disse que “rotularia a China um país manipulador de moeda”, uma promessa da qual ele recuou enquanto busca mais cooperação da China para conter as ambições nucleares da Coreia do Norte. 

“Melhor interesse dos Estados Unidos”

John Bolton, um pesquisador sênior do Instituto American Enterprise, disse que Trump tem mostrado que, diferente de alguns aliados europeus, ele não está abraçando “esse comprometimento ideológico com o multilateralismo por si só.” 

Bolton disse que o governo do presidente George W. Bush, no qual ele trabalhou, foi rotulado de isolacionista por muitas ações realizadas durante o mandato, inclusive a decisão de sair do Tribunal Penal Internacional. O que estava acontecendo à época — e está acontecendo agora – é “uma série de decisões sobre o que está no melhor interesse dos Estados Unidos”, disse. 

Como Trump, Bush estava na presidência a apenas alguns meses quando decidiu retirar os Estados Unidos de um grande acordo multinacional de combate à mudança climática negociado por seu predecessor. O Tratado de Quioto de 1997 sobre o aquecimento global tinha sido subscrito por 192 países, quase tantos quanto os 195 que subscreveram o Acordo de Paris. 

Ascensão da China

O primeiro-ministro chinês Li Keqiang: cara da nova liderança globalEMMANUEL DUNAND/AFP

Timothy Naftali, um historiador da presidência da Universidade de Nova York, disse que nenhum presidente fez tanto para alterar unilateralmente a ordem mundial tão cedo em seu mandato. 

“Ronald Reagan precisava de um parceiro para revirar a ordem mundial, e esse era Mikhail Gorbachev”, disse. “Nixon tentou mudar a política externa americana, mas isso levou vários anos. Trump parece estar fazendo isso com muita cafeína.” 

Muitas instituições multinacionais, com os Estados Unidos em uma posição de liderança, emergiram da Segunda Guerra Mundial, quando o domínio americano ascendeu quase que como a única opção com muitos países em ruínas. Mas a ordem mundial tem declinado há anos, com a ascensão da China como um poder econômico e militar. 

Agora, a China está em posição de preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos. No Fórum Econômico Mundial de Davos desse ano, o presidente chinês, Xi Jinping, deu um discurso enaltecendo as virtudes do comércio globalizado conforme os Estados Unidos parecia estar se fechando. 

O abandono do Acordo de Paris pelos Estados Unidos representa outra oportunidade. Na quinta-feira, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang se colocou ao lado de Merkel em Berlim e declarou que a luta contra a mudança climática é um “consenso global” e uma “responsabilidade internacional”. Ele notou que a China foi um dos primeiros países a ratificar o Acordo de Paris. 

“Xi Jinping está sentado em Pequim sem conseguir acreditar no que está acontecendo com ele”, disse Ivo Daalder, um ex-representante dos Estados Unidos na OTAN e agora presidente do Chicago Council on Global Affairs. 

“A retirada americana da liderança significa que a China pode se mover na esteira dos Estados Unidos. Estamos vendo a possibilidade de uma mudança na liderança global, saindo de Washington e os Estados Unidos para Pequim e a China.” 

Outros não veem razão para alarme. Stephen Moore, pesquisador visitante da Fundação Heritage, disse que Trump estava exercendo um diferente tipo de liderança ao sair de um acordo que argumentava que poderia custar empregos a americanos de classe média e levar a um aumento no preço da eletricidade para a população americana. 

“O papel mais importante dos Estados Unidos é liderar pelo exemplo”, disse Moore, que já aconselhou Trump em questões econômicas. 

“Quando acertamos nossa política econômica, isso tende a ser exportado para o resto do mundo. É importante que os Estados Unidos mostrem liderança em políticas de livre-mercado.”

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