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ORANGE, Texas - 05 de setembro: cão resgatado de uma casa inundada fica em uma gaiola em rua de Orange, enquanto o Texas lentamente se recupera da devastação causada pelo furacão Harvey. Quase uma semana após o furacão Harvey derrubar partes do estado, alguns bairros ainda permaneceram inundados e sem eletricidade. Enquanto o centro de Houston está voltando aos negócios, milhares continuam a viver em abrigos, hotéis e outras acomodações | SPENCER PLATT/AFP
ORANGE, Texas - 05 de setembro: cão resgatado de uma casa inundada fica em uma gaiola em rua de Orange, enquanto o Texas lentamente se recupera da devastação causada pelo furacão Harvey. Quase uma semana após o furacão Harvey derrubar partes do estado, alguns bairros ainda permaneceram inundados e sem eletricidade. Enquanto o centro de Houston está voltando aos negócios, milhares continuam a viver em abrigos, hotéis e outras acomodações| Foto: SPENCER PLATT/AFP

O furacão Harvey varreu Houston, no Texas, no fim de agosto. No Brasil, logo vão chegar os períodos de chuvas, com as tradicionais enchentes, seguidas de desabamentos. Tanto lá quanto aqui, as autoridades costumam culpar a água e o vento, como se nenhuma cidade pudesse se preparar devidamente para suportar os piores momentos da natureza. É verdade? Não existem mesmo maneiras de prevenir este tipo de catástrofe?

Existem, é claro. Mesmo em casos como o Texas, atingido pelo furacão mais forte dos últimos 50 anos, teria sido possível pelo menos minimizar os danos. E foram muitos: até agora, já foram contabilizados 66 mortos, 30 mil desabrigados e um prejuízo estimado em pelo menos US$ 150 bilhões – mais do que os US$ 70 bilhões destruídos pelo Katrina, em Nova Orleans, em 2005. 

“Desde a Grande Enchente de 1993, muito pouco mudou”, escrevem os especialistas David Conrad (consultor da Association of State Floodplain Managers) e Larry Larson (diretor executivo da mesma entidade), em artigo para o jornal Washington Post. Eles fazem referência a um incidente que provocou a inundação dos rios Mississipi e Missouri. “As lições foram amplamente ignoradas, especialmente nas áreas do país mais vulneráveis – como Houston. Especialistas e gestores públicos sabem por muito tempo que nós precisamos mudar a maneira de abordar a prevenção de enchentes, mas nada disso impediu a nação de repetir os mesmos erros”. 

Leia também: As mudanças climáticas são responsáveis pelo furacão Harvey?

Houston, por exemplo, vem experimentando um crescimento acelerado desde então. Muitos empreendimentos foram construídos em áreas que tradicionalmente absorvem a água. Ou seja: a cidade se permitiu crescer onde não devia. Tomou espaço do solo que poderia absorver a água em caso de precipitações fora do normal. “A chuva caiu em volumes tais que poderiam superar quaisquer planos de contenção. Mas o estrago poderia ser menor”, eles afirmam. De fato, foi um fenômeno raro: o Harvey lançou 72 bilhões de litros de água em quatro dias. 

Equação das enchentes 

O Brasil não tem furacões, mas convive com chuvas torrenciais todos os anos. Em Santa Catarina, em novembro de 2008, 135 morreram e 1,5 milhão de pessoas ficaram desabrigadas em 16 municípios, incluindo Joinville. Já em União da Vitória (PR), em 2014, 40% da cidade ficou debaixo d’água e 12.500 pessoas perderam as casas

A região serrana do Rio de Janeiro foi varrida em 2011, quando os desabamentos provocaram 916 mortes, 345 desaparecidos e 35 mil desabrigados. No ano seguinte, 66 municípios de Minas Gerais foram atingidos. 

São todos casos em que, sim, choveu demais, mas as cidades poderiam estar preparadas. O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, autor do livro Enchentes e Desabamentos: Causas e Soluções, explica que existe uma combinação de fatores que forma o que ele chama de equação das enchentes urbanas.

“Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.

Ou seja: impermeabilizamos o solo com pisos de cimento e concreto, canalizamos em excesso os rios e não descartamos corretamente entulho e lixo. 

Experiência holandesa 

O geólogo não vê nenhum bom exemplo de contenção de enchentes no Brasil. Mas eles existem, em diferentes países do mundo. Todos, em maior ou menor grau, se inspiram na Holanda. Apesar de todas as especifididades do país, que tem quase todo seu território abaixo do nível do mar, existe uma lição dos holandeses que permanece válida para qualquer lugar: é mais inteligente conviver com a água, permitir que o solo a absorva, do que tentar contê-la e jogá-la para longe.

Os holandeses ficaram famosos por seus diques, mas desde uma grande enchente em 1953 investem em cidades com parques, bosques e calçadas permeáveis. É o que Nova Orleans vem fazendo. 

Depois de anos de reconstrução, a cidade resolveu enfrentar seu maior problema: o fato de que o Katrina conseguiu romper a barragem de água que deveria proteger a cidade. Gastar uma fortuna para impedir a água de entrar não parecia uma opção inteligente. Por isso, Nova Orleans vem redesenhando seu mapa urbano e apostando em melhorar as áreas capazes de absorver água. 

Outros municípios do mundo seguem o exemplo. A China está colocando em prática um projeto em 16 diferentes locais, começando com Wuhan. Elas deverão se tornar “cidades-esponja”, capazes de absorver quantidades muito maiores de chuva. Na Alemanha, no Canadá e na Austrália, por exemplo, são muito populares os telhados verdes, que podem absorver água. 

A receita é basicamente a mesma, diz Álvaro Rodrigues dos Santos: “Há um enorme elenco de medidas não estruturais que podem e devem ser tomadas. Multiplicação de bosques florestados, execução de calçadas e valetas drenantes, pátios, estacionamentos e pavimentos drenantes, implantação de reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva...” Funciona porque retoma o fluxo que a água seguiria se ali não houvesse tanto concreto. 

“Essas medidas são a expressão de uma nova cultura técnico-urbanística”, o especialista continua, “em que o objetivo está no esforço em se recuperar a original capacidade das áreas hoje urbanizadas em reter águas de chuva, aliviando o sistema urbano de drenagem e, adicionalmente, realimentando as reservas hídricas do lençol freático.” 

Falta de iniciativa 

Por que não fazemos nada parecido no Brasil? Por que as autoridades de Houston também sabiam de tudo isso, mas não agiram? Na opinião do especialista brasileiro, falta a famosa vontade política. “O problema está na indisposição dos administradores públicos municipais e estaduais em adotar programas tecnicamente consistentes e completos para o combate às enchentes. Para o que haveria necessidade de coragem política para contrariar interesses econômicos envolvidos na continuidade doas atuais e ineficazes programas.” 

Os especialistas americanos escrevem algo bem parecido. “Nós não podemos continuar pavimentando terrenos, apenas para construir estacionamentos e, assim, reduzir a capacidade do solo de absorver água. Temos que fazer um uso mais sábio da capacidade que a natureza tem de acolher as águas da chuva.” 

“Para uma boa solução do problema a primeira e elementar medida necessária seria parar de cometer os erros básicos que estão na origem de nossas enchentes urbanas”, afirma o geólogo brasileiro. “Incrivelmente, nossas cidades continuam a se expandir cometendo os mesmos graves erros”.

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