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As curtidas dos usuários foram o ponto de partida para que a Cambridge Analytica construísse perfis psicológicos para milhões de eleitores americanos | Pixabay
As curtidas dos usuários foram o ponto de partida para que a Cambridge Analytica construísse perfis psicológicos para milhões de eleitores americanos| Foto: Pixabay

As operações reveladas entre a empresa Cambridge Analytica e o Facebook têm todas as características de um thriller de Hollywood: um CEO vilão que poderia estar num filme de James Bond, um bilionário recluso, um delator inocente e confuso, um cientista hipster que entra no mundo da política, um acadêmico com uma ética visivelmente questionável e um presidente triunfante e sua família influente. 

A maior parte da discussão recente foi sobre como a empresa Cambridge Analytica conseguiu obter dados de mais de 50 milhões de usuários do Facebook – e como supostamente falhou em apagar essa informação quando deveria ter feito isso. Mas há também outra questão: o que a Cambridge Analytica fez com os dados que conseguiu. Na verdade, o método do uso de dados da CA, que agora está acabando com a empresa, representa apenas um passo de uma grande mudança na maneira com que informações de usuários podem virar ferramentas para gerar insights – e exercer influência. 

Por exemplo: pesquisadores sempre usaram a segmentação para atingir grupos particulares de eleitores. São ferramentas como categorizar rigorosamente as audiências por gênero, idade, rendimento, educação e tamanho da família. Segmentos também podem ser criados em torno de filiações políticas ou preferências de compra. A máquina de análise de dados que a candidata à presidência Hillary Clinton usou na campanha de 2016 – chamada Ada em homenagem à matemática Ada Lovelace do século 19, uma das pioneiras da computação – usou técnicas de ponta em segmentação para atingir grupos de possíveis eleitores, da mesma maneira que Barack Obama havia feito quatro anos antes. 

A empresa Cambrigde Analytica foi contratada pela campanha de Trump e forneceu uma arma nova para a máquina da eleição. Ao mesmo tempo que usava segmentos demográficos para identificar grupos de eleitores, como a campanha de Clinton, a Cambridge Analytica também fez segmentações usando psicográficos. As definições de classe, educação, profissão, idade e por aí em diante são informacionais. Os psicográficos são comportamentais – uma maneira de criar uma segmentação por personalidade do usuário. 

Isso faz muito sentido. É óbvio que duas pessoas com o mesmo perfil demográfico (por exemplo: um homem branco, de meia idade, empregado e casado) podem ter opiniões e personalidades marcadamente diferentes. Também sabemos que adaptar uma mensagem para a personalidade de uma pessoa – se são abertas, introvertidas, argumentativas e etc – ajuda muito para que essa mensagem tenha um direcionamento mais eficaz. 

Entendendo melhor as pessoas  

Tradicionalmente existem duas maneiras de verificar a personalidade de alguém. Você pode tanto conhecê-las muito bem – normalmente isso leva bastante tempo – ou você pode pedir que elas façam um teste de personalidade e compartilhem o resultado com você. Nenhum desses métodos é realisticamente prático para pesquisadores. mas a empresa Cambridge Analytica achou uma terceira maneira, com a ajuda de dois acadêmicos da Universidade de Cambridge

Um deles, Aleksandr Kogan, vendeu para a empresa o acesso a 270 mil testes de personalidade preenchidos por usuários do Facebook por meio de um aplicativo online que ele criou com motivos científicos. Fornecer essas informações para a Cambridge Analytica era, ao que parece, contra o código interno de conduta do Facebook, mas só em março de 2018 Kogan foi banido da plataforma. Além disso, as informações de Kogan tinham um bônus: ele coletou as informações disponíveis no Facebook dos amigos das pessoas que realizaram o teste – numa média de 200 amigos por pessoa, são 50 milhões de pessoas a mais.

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Porém, essas 50 milhões de pessoas não tinham respondido os testes de personalidade. Por isso o outro acadêmico da Universidade de Cambridge, Michal Kosinski, foi chamado. Kosinski – que diz acreditar que propagandas dirigidas para a audiência com base em informações que estão online podem fortalecer a democracia – desenvolveu uma maneira de identificar a personalidade de um perfil no Facebook baseando-se nas atividades online da pessoa, como o tipo de informação que ela gosta. Para ele, é possível dizer muito de alguém sabendo se essa pessoa posta fotos do pôr-do-sol, de filhotes ou de outras pessoas. Tanto que, na realidade, baseado apenas em 300 likes, o modelo de Kosinski é capaz de prever a personalidade de uma pessoa com a mesma precisão que um cônjuge

Kogan desenvolveu as ideias de Kosinski, as melhorou e fechou um contrato com a Cambridge Analytica. Munidos com estas análises – além de outros dados coletados de outros lugares – a Cambridge Analytica construiu perfis de personalidade para mais de 100 milhões de eleitores americanos registrados. É dito então que a empresa tenha usado esses dados para criar uma publicidade dirigida para essas pessoas. 

Imagine que, por exemplo, você pode identificar um segmento de eleitores que é muito consciente e neurótico, e outro segmento que é extrovertido mas não muito aberto. Claramente, as pessoas de cada segmento responderiam de maneiras diferentes ao mesmo anúncio político. Mas no Facebook eles não precisam ver o mesmo anúncio – cada um deles vê um anúncio específico produzido para responder a questões específicas, seja sobre votar em um candidato, não votar em um candidato ou doar fundos para a campanha. 

A Cambridge Analytica trabalhou muito para desenvolver dezenas de variações de anúncios em temas políticos diferentes como imigração, economia e direito de porte de armas, todos desenhados para perfis diferentes de personalidade. Não há nenhuma evidência que a eleição de Clinton tenha tido uma máquina com a mesma capacidade. 

Análise comportamental e perfilamento psicográfico são ferramentas que vieram para ficar, independente do que acontecer com a Cambridge Analytica – que criticou abertamente a cobertura do caso e as "falsas declarações da mídia". De certa forma, esse processo industrializa o que os bons vendedores sempre fizeram, ajustando a mensagem e entregando um produto para a personalidade dos seus clientes. Usar essa abordagem nas eleições – e no marketing – vai ser o maior legado da Cambridge Analytica.

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Traduzido por Gisele Eberspächer

©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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