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Como é que um partido de extrema-direita atrai eleitores entre os trabalhadores, um tradicional bastião da esquerda? | GORDON WELTERS/
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Como é que um partido de extrema-direita atrai eleitores entre os trabalhadores, um tradicional bastião da esquerda?| Foto: GORDON WELTERS/ NYT

Guido Reil é mineiro de carvão, como foram seu pai e seu avô; registrou-se no sindicato aos 18 anos e no Partido Social-Democrata, de centro-esquerda, aos 20. Ele fala rápido e alto, e é representante sindical eleito há mais de uma década.  

Porém, há dois anos, após a chegada de centenas de milhares de refugiados na Alemanha, Reil foi para o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, ou AfD. Disputando as eleições legislativas do estado pela primeira vez em maio passado, ganhou 20% dos votos no distrito de Reil, com sua participação – e os sociais-democratas perderam 16 pontos percentuais em comparação com a eleição anterior.  

"Eles são meus antigos camaradas. Vieram comigo", Reil disse, rindo.  

Como é que um partido de extrema-direita atrai eleitores entre os trabalhadores, tradicional reduto da esquerda? A questão não é acadêmica, mas é central na ameaça que a AfD representa para a situação política alemã, incluindo a chanceler Angela Merkel.  

A AfD chocou a Alemanha, no final do ano passado, ao se tornar o primeiro partido de extrema-direita a chegar ao Parlamento desde a Segunda Guerra Mundial.  

Muitos temem que, como a principal voz da oposição, ele esteja na posição ideal para transformar o voto de protesto que recebeu nas eleições nacionais de setembro – terminou em terceiro, com 13% dos votos – em um grupo de adeptos leais.

Mas Reil acredita que seu partido tenha potencial maior em lugares como Bottrop, na região do Ruhr, que já foi o coração industrial da Alemanha Ocidental e há muito tempo é o centro do poder do Partido Social-Democrata e dos sindicatos. 

Guido Reil, um mineiro de carvão e político do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, em BottropGORDON WELTERS/ NYT

O Ruhr produz carvão desde o século XVI e, nesse processo, moldou a Alemanha moderna. A região alimentou a Revolução Industrial, duas guerras mundiais, o milagre econômico do pós-guerra e até mesmo a integração da Europa: a União Europeia germinou na comunidade do carvão e do aço.  

Mas hoje, Bottrop e as cidades vizinhas estão em declínio.  

Reil já trabalhou em seis minas, cinco das quais fecharam. Com cerca de 2.500 outros operários, vai antecipar a aposentadoria, aos 48 anos, depois que a última mina for fechada, em dezembro.  

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Com as minas, a maioria dos bares também fechou, assim como toda uma cena social e cultural que era a vida da região.  

A plataforma "pró-trabalhador" da AfD ("pró-carvão, pró-diesel e anti-imigração", como diz Reil) encontrou simpatizantes em Bottrop, bem como no chão de fábrica das montadoras icônicas da Alemanha, no lado oriental e no rico sul do país.  

Movimento nacional 

Com a aproximação das eleições nacionais para os representantes dos trabalhadores que negociam em nome de seus colegas, as listas de candidatos próximos da AfD estão circulando em várias empresas, incluindo a Daimler e a BMW. Existem planos para criar um movimento nacional da classe, disse Reil. Seu nome: Alternativa Sindical da Alemanha.  

"A revolução será na indústria automobilística", previu ele.  

Dirigentes sindicais rejeitaram publicamente essa ideia, que veem como "marginal", mas, nos bastidores, alguns se preocupam. 

Um dos aliados de Reil, Oliver Hilburger, mecânico na fábrica da Daimler perto de Stuttgart, fundou um sindicato alternativo chamado Zentrum Automobil, em 2009, quatro anos antes de a AfD surgir.  

Guido Reil e outros membros do partido em uma reunião informal em um bar em Bottrop, na AlemanhaGORDON WELTERS/ NYT

Hilburger, que está na empresa há 28 anos, não é membro da AfD, mas é seu eleitor. Ele acha que o partido e seu sindicato são aliados naturais.  

Quando se descobriu que já havia tocado em uma banda que foi associada aos neonazistas, a imprensa fez questão de divulgar o fato amplamente, mas isso não impediu que seus colegas dessem 10% de seus votos ao sindicato e o elegessem como um dos seus representantes.  

Em breve, Hilburger, que chama seu passado musical de "pecado da juventude", está indicando mais de 250 candidatos de pelo menos quatro fábricas. Segundo ele, vários são imigrantes que vivem na Alemanha há anos e apoiam a AfD.  

"Os trabalhadores sabem que os velhos sindicatos colaboram com os patrões e o governo", disse Hilburger.  

"Os patrões e a imprensa falam da escassez de trabalhadores especializados, de como precisamos de mais imigração ainda. O que queremos é discutir a falta de empregos decentes para aqueles que já estão no país. A AfD compreendeu isso", disse ele.  

A AfD é ideologicamente dividida, com muitos membros ferrenhamente capitalistas e que desconfiam de sindicatos.  

‘Tiro pela culatra’

O foco estratégico na classe trabalhadora visa transformar os votos de protesto em uma base leal, segundo Oskar Niedermayer, professor de Ciências Políticas na Universidade Livre de Berlim.  

"Invadir o mundo sindicalista é a chave dessa estratégia", disse Niedermayer.  

Ele avisou que a possível intenção de colocar a AfD no ostracismo poderia ser um tiro pela culatra: alguns sindicatos já aconselham seus membros a evitar qualquer um que seja afiliado ao partido; vários clubes de futebol estão planejando barrá-los definitivamente. E como Niedermayer apontou, os legisladores de outros partidos bloquearam sistematicamente todos os candidatos da AfD para cargos parlamentares.  

"Isso confirma seu papel de vítimas das elites. Os trabalhadores que se veem assim apenas vão se identificar ainda mais com o partido."  

Com a AfD atraindo os esquecidos da Alemanha, o partido também está tentando atraí-los com suas outras ideias, como a linha dura contra a imigração.  

Por exemplo, a principal plataforma de Frank-Christian Hansel, membro da AfD no Parlamento estatal de Berlim, é salvar o estado do bem-estar social alemão... para os alemães.  

"Se você quer justiça social, precisa controlar quem vem para seu país. Fronteiras abertas e Estado paternalista não combinam", disse Hansel.  

Esse é o tipo de retórica que diferencia a AfD da esquerda tradicional, agora que o partido busca eleitores das fileiras social-democratas.  

Para a AfD, a questão não é apenas entre os membros das camadas mais baixas contra aqueles das mais altas, disse Niedermayer; tem a ver com os de dentro contra os de fora. Justiça social, sim, mas só para os alemães.  

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Em Bottrop, essa mensagem foi muito bem recebida.  

Os moradores se queixam de que alguns refugiados estão recebendo aulas de "equitação terapêutica" e cursos de paquera, cortesia dos contribuintes, enquanto as escolas públicas estão em declínio.  

"Eles vão para as casas populares reformadas, enquanto os alemães estão na fila há anos, mas quando reclamamos da imigração, nos chamam de racistas", disse Linda Emde, gerente de um dos poucos bares restantes.  

Emde votou nos sociais-democratas a vida inteira, mas, em setembro, ela e o marido preferiram a AfD.  

Reil, que nunca conseguiu crescer na hierarquia local do Partido Social-Democrata, é agora um membro da equipe de liderança nacional da AfD. Nas reuniões mensais, ele se senta à mesma mesa que a princesa Beatrix von Storch e a professora Alice Weidel.  

As duas são, talvez, mais conhecidas por um desabafo recente na mídia social se queixando de "hordas de homens bárbaros, muçulmanos, estupradores". Mas para Reil, o que fez a sua parceria com elas ser possível foi o fato de ele ter subido em importância social.  

"O que um mineiro, uma princesa e uma professora têm em comum? Todos estão na AfD", brinca.  

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