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Lucimara: abandonada pelo pai por causa da paralisia, vive com a mãe, de 61 anos | Fabio Luporini
Lucimara: abandonada pelo pai por causa da paralisia, vive com a mãe, de 61 anos| Foto: Fabio Luporini

Lucimara Aparecida Diniz nunca foi à praia. Ao contrário, faz mais de 20 anos que, quase que diariamente, pode ser encontrada no mesmo endereço: Avenida Paraná, 347, em frente a uma agência bancária. Ela tem deficiências, fruto de uma poliomielite contraída ainda antes do primeiro ano de vida. Então, é no calçadão de Londrina, norte do Paraná, que ela recebe esmolas e ajudas de desconhecidos ou velhos conhecidos. 

Mas recentemente uma foto começou a circular pelas redes sociais com uma mulher bastante semelhante a Lucimara. A imagem mostrava a mulher nos braços de um homem, numa praia nordestina. “As pessoas são muito más. Eu senti vergonha e humilhação da minha aparência. Uma sensação horrível”, disse à Gazeta do Povo, que conversou com ela numa tarde dessas, ali mesmo no calçadão. A notícia falsa aproveitava a semelhança para destilar maldade: enquanto as pessoas davam esmola, ela curtia a praia. 

Natural de Osvaldo Cruz, interior de São Paulo, é a filha do meio de três irmãs, das quais a mais velha morreu há muito tempo. Ela conta que foi abandonada pelo pai por causa da paralisia e que desde sempre vive com a mãe, uma guerreira de 61 anos que convive com diversas doenças. “Eu dependo de tudo. Até para comer minha mãe faz e coloca na minha mão. Não posso reagir, eu não ando. Não vou ao banheiro, uso fraldas. Nem ir à igreja eu consigo”, conta. 

Enquanto a reportagem estava ali, passaram algumas pessoas dando esmola, outras que a reconheceram de reportagens da televisão. Uma senhora disse que, mesmo que realmente fosse Lucimara na foto da praia, qual era o problema? “Eu vi a foto que seria minha, as pessoas aqui falando. Eu nunca fui à praia.” 

Foto em postagem no Facebook confunde Lucimara com mulher no Nordeste. Deficiente física, no entanto, nunca foi à praiaReprodução

Crime 

Com o alcance natural das redes sociais, a notícia falsa sobre Lucimara viralizou. “E desde então a vítima vem sendo alvo de ataque e ofensas na internet. Além da publicação principal, diversos outros usuários registraram os seus comentários, que muitas vezes ultrapassam os limites da mera liberdade de expressão, e podem até mesmo ser considerados crime”, avalia Fernando Peres, advogado especialista em direito digital e crimes cibernéticos. “Os usuários são virtuais, mas as vítimas são reais”, diz. 

Esses compartilhamentos poderiam ser considerados violação da imagem ou da privacidade da pessoa, mesmo que reais. Mas como é um boato, uma notícia falsa, pode até ser considerado crime. “Se os comentários agredirem a honra das vítimas, podem ser tipificados criminalmente, como sendo difamação ou até mesmo injúria. Em determinados casos pode ainda ser considerado o crime de ameaça”, ressalta. 

Em todos os casos , segundo Fernando, cabem ações de danos morais contra os autores, contra quem fez comentários ou contra quem compartilhou as mensagens. O que Lucimara não pretende fazer, porque disse desconhecer o autor da publicação. 

“O impacto de algumas notícias falsas, que até parecem inofensivas, podem gerar consequências imensuráveis”, afirma o advogado. 

Vaquinha virtual 

As notícias falsas sobre Lucimara, na realidade, despertaram a solidariedade no gerente administrativo Fábio Paiva e de seu grupo de amigos, que resolveram usar a mesma internet que a difamou para ajudá-la. 

Um amigo compartilhou tirando sarro e, depois que percebeu não haver veracidade no fato, ficou com peso na consciência e quis ajudar. “Começou com arrecadação de donativos para uma cesta básica no grupo do whats. Mas, como a logística era complicada, tomei a iniciativa de criar uma vaquinha virtual”, diz Paiva. 

Até o fim de semana, em poucos dias, foram arrecadados quase R$ 900, sendo que a meta era alcançar R$ 1 mil. 

Alerta de crime

Não somente o autor das ofensas, mas também quem faz comentários, ajudando a propagar a mensagem, pode ter cometido os seguintes crimes, segundo o advogado Fernando Peres:  

  • Difamação, quando é imputado um fato ofensivo à reputação da vítima (previsto no art. 139 do Código Penal – pena: detenção, de três meses a um ano, e multa);
  • Injúria, quanto atacada a dignidade da vítima, com possibilidade de aumento de pena, quando a injúria ataca pessoas portadoras de deficiência. (art. 140 do Código Penal – pena: reclusão de um a três anos e multa); 
  • Ameaça (art. 147 do Código Penal), quando ações, mesmo por palavras e gestos ou qualquer outro meio simbólico, causarem algum tipo de mal injusto e grave – pena: detenção de um a seis meses, ou multa.

Peres orienta que todos devem tomar cuidado com as mensagens que compartilham na internet. “Sempre tomando o cuidado de verificar a fonte ou se não é um fato antigo que surge com o propósito de fomentar discussões inúteis”, diz.

O objetivo das fake news, completa o advogado, é justamente criar intrigas e confusões, confundido as pessoas. “As plataformas virtuais têm permitido uma maior produção de conteúdos. Por conta disso, muitos usuários têm contribuído com a disseminação de notícias, o que leva alguns a terem uma errônea impressão sobre o que pode se expor na internet”, salienta.

Blindagem

Se a notícia é bombástica e viralizou, fique atento a algumas medidas para não cair em uma fake news: 

1- Jamais compartilhe imediatamente sem ler até o fim nem checar a fonte;

2- Use o bom senso: seja crítico em relação ao que se lê; 

3- Verifique se a fonte da notícia é confiável (procedência de portais, sites e blogs); 

4- Pesquise na internet para ter certeza de que essa mesma notícia já foi dada por outras fontes, também confiáveis;

5- Cheque se a notícia é atual, pois ela pode ser velha e compartilhada fora de contexto, mesmo sendo verdadeira.

Como as fake news alteram hábitos do público sobre política //bit.ly/2z0MkhD

Publicado por Ideias em Terça-feira, 31 de outubro de 2017

 

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