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Há um ceticismo generalizado nos EUA em relação às mudanças climáticas e à responsabilidade do homem nos efeitos do aquecimento global | Pixabay
Há um ceticismo generalizado nos EUA em relação às mudanças climáticas e à responsabilidade do homem nos efeitos do aquecimento global| Foto: Pixabay

A cada quatro anos, os cientistas advindos de diversas agências federais americanas se reúnem para divulgar um relatório que sintetiza o estado atual da ciência climática. Tem se tornado uma situação de rotina com um processo previsível envolvendo extensas análises de estudos, inúmeros rascunhos e, eventualmente, a aprovação da Casa Branca antes da divulgação para o público da Avaliação Nacional do Clima. No entanto, este ano foi diferente.

Ao invés de seguirem os protocolos tradicionais e aguardarem a aprovação de Trump, os cientistas solicitaram que o New York Times divulgasse os documentos em formato de rascunho devido ao medo que possuíam de que a Casa Branca pudesse esconder as descobertas. Tal medo provavelmente se origina de um ceticismo generalizado que permeia a administração de Trump em relação à ciência climática. O relatório, afirmam os cientistas, é importante demais para ser ignorado por conta da política. 

“É o relatório mais atualizado e inteligível sobre a ciência climática no mundo atualmente”, disse Katharine Hayhoe, uma cientista atmosférica da Universidade Tecnológica do Texas e uma das autoras do relatório. “Este relatório cobre toda uma gama sobre a ciência que precisamos saber para tomar decisões importantes sobre nosso futuro”. 

Citando análises de milhares de estudos, a avaliação nacional do clima oferece não apenas uma advertência terrível sobre o que as mudanças climáticas podem trazem em anos futuros, mas uma descrição detalhada dos efeitos que já estão ocorrendo e as contribuições humanas para essas mudanças

“Há uma abundância de evidências sobre as mudanças climáticas, desde o topo da atmosfera até as profundezas dos oceanos”, lê-se no rascunho publicado pelo New York Times. “Muitas linhas de evidência demonstram que as atividades humanas, principalmente as emissões de gases do efeito estufa, são as principais responsáveis pelas mudanças climáticas observadas na era industrial, principalmente nas últimas seis décadas”. 

Comunidade evangélica

Essa mensagem entra em conflito com as ideias reforçadas por muitos membros da administração de Trump, que tem adotado uma visão cética da ciência climática. Parte deste ceticismo está relacionado à comunidade evangélica, que goza de um nível de influência sem precedentes dentro da Casa Branca. Apesar disso, para muitos cientistas e pesquisadores o conflito entre a ciência do clima e a religião é uma cortina de fumaça e uma grande simplificação. 

“A ciência climática tem sido deliberadamente considerada como uma religião alternativa”, diz a Dra. Hayhoe, que também dirige o Centro Tecnológico de Ciências Climáticas do Texas e é uma evangélica que se engajou junto às comunidades religiosas para tratar das questões climáticas. “De forma muito hábil, a questão das mudanças climáticas foi enquadrada como ‘falsos profetas versus verdadeiros crentes’”. 

“É definitivamente o caso de que o ceticismo climático é mais comum entre americanos brancos e evangélicos”, diz Willis Jenkins, professor de Estudos de Religião na Universidade da Virginia em Charlottesville. “Então há algo ocorrendo com esta poderosa porção demográfica”. 

Para alguns pesquisadores, a antipatia que muitos americanos evangélicos sentem em relação à ciência se relaciona fortemente ao julgamento de John Scopes (ocorrido em 1925, em que o professor foi acusado por ensinar o evolucionismo em sala de aula e que resultou na Lei Butler, que tornou proibido o ensino de qualquer teoria que contrariasse a história da criação divina presente na Bíblia, no caso, o criacionismo) e a consequente rejeição à teoria da evolução

“A disputa sobre Darwin plantou uma semente e a discussão sobre evolução estabeleceu os alicerces para a atual discussão sobre o clima”, diz Michael Altman, professor de Estudos da Religião na Universidade do Alabama em Tuscaloosa. 

Os evangélicos aceitaram parcialmente o movimento ambiental nos anos 1960 e 1970, quando este se tratava de um movimento local focado em poluição e o lixo, diz Lisa Vox, historiadora na Universidade de Massachusetts, em Boston, e autora de “Ameaças Existenciais: Crenças apocalípticas americanas na era tecnológica” (tradução livre, sem edição em português). 

Mas quando isto tornou-se uma questão de mudança climática global, Vox aponta que evangélicos como o autor Hal Lindsey denunciaram a ciência climática como um golpe “sendo utilizado para consolidar os governos do mundo em uma coalizão que pode facilitar um dia a ascensão do Anticristo”. 

A antipatia evangélica em relação à ciência do clima está, no entanto, longe de ser uniforme, e tem havido um movimento crescente de ativismo ambiental entre organizações religiosas politicamente ativas. Grupos como a Iniciativa Evangélica do Clima, que inclui mais de 300 líderes evangélicos nos Estados Unidos, dizem que estão convencidos de que “está na hora de nosso país ajudar a resolver o problema do aquecimento global”. 

Outros pesquisadores veem esforços de décadas por parte de grupos conservadores em desacreditar a ciência climática como a força primária por trás do atual ceticismo. “O tipo de fala que estamos ouvindo agora remonta ao início dos anos 1990, e vem de grupos conservadores que – enquanto os Protocolos de Kyoto eram agregados – começaram a publicar artigos, livros e relatórios que enfatizavam incertezas sobre o aquecimento global”, diz John Cook, professor no Centro de Comunicações para as Mudanças Climáticas da Universidade George Mason. 

“Mesmo que a ciência tenha se tornado cada vez mais forte, as falas não se modificaram”, ele continua. “Eles continuam utilizando os mesmos argumentos”, mostrando que agora tornou-se o enquadramento da questão e é um que muitas pessoas aceitam. 

Desconfiança republicana

Também há a crescente desconfiança republicana na ciência. Enquanto há 30 ou 40 anos pesquisas mostravam que a confiança de democratas e republicanos na ciência estava quase no mesmo nível, em décadas recentes a diferença aumentou, mostra Cook. 

Em uma pesquisa recente na internet feita pelo Pew Research Center que examinava o sentimento dos americanos em relação aos cientistas climáticos, a divisão partidária foi gritante. Por volta de 70% dos liberais democratas disseram que confiavam nos cientistas climáticos para darem informações corretas e precisas sobre as causas das mudanças climáticas comparados aos 15% de conservadores republicanos. 

De forma similar, há apenas dois anos, 54% dos republicanos disseram que as universidades americanas tinham um impacto positivo no país, com apenas 37% dizendo que instituições de nível superior tinham um impacto negativo, de acordo com as pesquisas. 

Em uma mudança drástica nos dois anos seguintes, atualmente quase 60% dos republicanos veem o ensino superior como tendo um efeito negativo no país. Em contraste a isso, 72% dos democratas e 55% do país como um todo veem as universidades americanas de forma positiva. 

Para a sua parte, Hayhoe diz que vê os argumentos religiosos como uma cortina de fumaça para as objeções reais: que eles não gostam das soluções apresentadas. 

“A ideia de que cuidar deste mundo que Deus criou para nós é de alguma forma uma crença não-cristã é completamente não bíblica”, ela diz. “Nos Estados Unidos, nossa fé tem sido desviada por nossa política”.

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