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Recentemente Trump deu conselhos à Marinha sobre como aperfeiçoar a tecnologia dos porta-aviões. “Me pareceu ruim. Digital. Eles têm digital. O que é digital? E é muito complicado, é preciso ser Albert Einstein para entender como funciona.” | ELIOT BLONDET/AFP
Recentemente Trump deu conselhos à Marinha sobre como aperfeiçoar a tecnologia dos porta-aviões. “Me pareceu ruim. Digital. Eles têm digital. O que é digital? E é muito complicado, é preciso ser Albert Einstein para entender como funciona.”| Foto: ELIOT BLONDET/AFP

Pesquisadores comportamentais da Brown University promoveram um colóquio em que se discutiu, entre outros tópicos, “o pensamento analítico ... e a sensibilidade às falsas notícias”. Em um bate-papo informal após o encontro, a conversa se voltou para o tópico de Donald Trump, que não deixava de ter alguma relação com o assunto. 

No início dessa semana o colunista George Will tinha proposto uma espécie de diagnóstico de amador. Notando as afirmações infundadas de Trump sobre a Guerra Civil Americana e outros temas, Will escreveu que o presidente sofre de uma “deficiência perigosa” — não apenas porque é ignorante e ignora sua própria ignorância, mas porque “ele não sabe o que é saber alguma coisa”. 

Parece que Will identificou algo real, e não apenas porque alguns acadêmicos concordam com ele. Suas observações sobre Trump podem tê-lo levado a descobrir de modo independente uma espécie de meta-incompetência conhecida como o efeito Dunning-Kruger. 

O psicólogo cognitivo Steven Sloman, da universidade Brown, que mencionou a coluna de George Will após o colóquio, é especialista na ignorância de nossa própria ignorância, sendo co-autor do livro “The Knowledge Illusion: Why We Never Think Alone” (A ilusão do conhecimento: por que nunca pensamos sozinhos), lançado este ano. O livro descreve uma série de experimentos em que pessoas tiveram que avaliar quanto sabiam sobre o funcionamento de sistemas diversos, desde vasos sanitários até sistemas de saúde públicos pagos pelos impostos dos contribuintes. As pessoas geralmente avaliavam seu nível de conhecimento desses sistemas como sendo alto, mas, quando lhes era pedido que explicassem o funcionamento dos sistemas em detalhes, a maioria não conseguia. 

Um palestrante convidado da universidade Brown, o psicólogo Gordon Pennycook, da universidade Yale, também estuda a autorreflexão e a autoconfiança excessiva. Ele e Sloman tinham boas condições de avaliar a análise de Trump feita por George Will. 

Ilusão de conhecimento

Nenhum dos dois chegou ao ponto de descrever como transtorno a falta de consciência dele mesmo apresentada por Trump. Sloman disse que a ilusão do conhecimento é uma forma comum de falibilidade humana, mas que Trump a apresenta em grau excepcional. No caso da maioria das pessoas, a ilusão do conhecimento é rompida quando elas percebem que não conseguem explicar o funcionamento do sistema de saúde, da privada ou do zíper tão bem quanto imaginavam. Mas isso não acontece com Trump. Quando lhe é pedido que explique alguma coisa, ele muda de assunto. Sua confiança em seu próprio conhecimento permanece inabalada. 

A suposição de conhecimento especializado manifestada por Trump não se limita a eletrodomésticos ou questões de política pública. Recentemente ele deu conselhos à Marinha sobre como aperfeiçoar a tecnologia dos porta-aviões. “Me pareceu ruim. Digital. Eles têm digital. O que é digital? E é muito complicado, é preciso ser Albert Einstein para entender como funciona.” 

Reflexidade

Sloman e Pennycook estudam uma característica conhecida como reflexividade, que pode prever a possibilidade de as pessoas serem altamente iludidas em relação a seu próprio conhecimento. O teste padrão de reflexividade inclui perguntas como: “Se cinco máquinas levam cinco minutos para produzir cinco engenhocas, quanto tempo cem máquinas levariam para fabricar cem engenhocas?”. E “Em um lago há uma área de nenúfares. A área dobra de tamanho a cada dia. Se a área leva 48 dias para cobrir o lago inteiro, quanto tempo ela levaria para cobrir metade do lago?”. 

A maioria das pessoas precisa de um momento para pensar sobre essas perguntas, mas as pessoas menos reflexivas oferecem imediatamente a resposta mais intuitiva, que é incorreta: não são cem minutos, no caso das engenhocas, nem 24 dias no caso do lago. 

Pennycook usa a definição de “papo furado” feita pelo filósofo Harry Frankfurt: informação que é apresentada sem nenhuma preocupação em refletir a verdade. Em um estudo anterior, ele apresentou aos participantes frases geradas aleatoriamente, como “sentido oculto transforma beleza abstrata ímpar”, que descreveu como papo furado “pseudo-profundo”. Houve uma correlação entre notas baixas no teste de reflexividade e as pessoas enxergarem um sentido profundo nas afirmações. 

Em outro artigo recente, Pennycook examinou a ligação entre reflexividade e o efeito Dunning-Kruger. O efeito, que deve seu nome aos psicólogos David Dunning e Justin Kruger, descreve o modo como as pessoas menos competentes em uma tarefa frequentemente avaliam sua habilidade como sendo excepcionalmente alta, porque são ignorantes demais para saber o que significaria possuir a habilidade. 

Pennycook e seus colegas concluíram que o efeito Dunning-Kruger se aplica à nossa própria habilidade de raciocinar e refletir. Eles pediram aos participantes que fizessem o teste de reflexividade e adivinhassem seus resultados. Muitos dos que eram pouco reflexivos acharam que tinham se saído bem, porque não faziam ideia do que significaria ser reflexivos; logo, eram incompetentes demais para avaliar seu próprio desempenho. 

Isso se aproxima do diagnóstico feito por George Wills de Donald Trump como sendo uma pessoa que pensa que sabe tudo, mas na realidade não sabe o que é saber uma coisa. O efeito Dunning-Kruger e a ilusão de conhecimento não são transtornos, mas são parte da condição humana. Algumas pessoas, porém, são muito mais sujeitas a eles que outras. E Trump parece estar na extremidade do espectro. 

Existe esperança de Trump mudar? Sua experiência como presidente pode torná-lo mais consciente de quão pouco ele sabe, disse Sloman. Por exemplo, Trump disse a jornalistas recentemente que “ninguém sabia que o sistema de saúde é tão complicado”. Ele não teve coragem de admitir que tinha se equivocado sem compartilhar a culpa com o resto do mundo, mas talvez seja um começo, mesmo assim. 

*Faye Flam é colunista do Bloomberg View. Foi redatora da revista Science e colunista do Philadelphia Inquirer e é autora de “The Score: How the Quest for Sex Has Shaped the Modern Man”.

Tradução de Clara Allain
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