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Manifestação popular marcou data em que o ETA entregou às autoridades uma lista com a localização de suas armas. | Ander Gillene/AFP
Manifestação popular marcou data em que o ETA entregou às autoridades uma lista com a localização de suas armas.| Foto: Ander Gillene/AFP

Iñaki García Arrizabalaga tinha 19 anos quando um setor dissidente do grupo armado basco ETA assassinou seu pai, afundando-o em uma “espiral de ódio”, antes que mudasse de perspectiva e começasse a trabalhar pela paz em sua terra. Mais de 36 anos depois, o ETA finalmente depôs as armas, mas, para este professor de Economia na Universidade Basca de Deusto, no País Basco, este evento altamente midiático é “pura anedota”. Segundo ele, o verdadeiro acontecimento foi registrado no dia 20 de outubro de 2011, quando o grupo armado – que matou 829 pessoas em seus mais de 40 anos de violência pela independência do País Basco – declarou um cessar-fogo. “O fato de entregarem as armas era um passo inevitável”, declarou antes da cerimônia oficial do “desarmamento” em Bayonne, no País Basco francês.

Sentado em seu escritório na cidade costeira basca de San Sebastián, este homem de 55 anos lembra com serenidade o dia em que seu pai foi encontrado morto a tiros, o cadáver apoiado e acorrentado a um tronco de árvore. “No dia 23 de outubro de 1980, eu era um estudante nesta universidade e estava na aula”, lembra Iñaki. “Às 8h30, minha irmã mais velha veio me buscar e disse: venha para casa porque o aita (“pai”, em basco) não chegou no trabalho. Todos os irmãos foram para casa, e começamos a perguntar em hospitais para ver se havia algum acidente. E não.”

Então, um telefonema informou que um corpo havia sido encontrado em uma colina da cidade. Todos se dirigiram ao local e ali estava o pai de Iñaki, Juan Manuel García Cordero, diretor da companhia Telefónica, empresa que, segundo uma descoberta posterior, havia sido declarada alvo dos Comandos Autônomos Anticapitalistas, uma divisão anarquista do ETA, em represália por escutas telefônicas utilizadas contra membros do grupo.

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No mesmo dia daquele outono de 1980, um dos anos de maior violência, ocorreram outros dois assassinatos por armas de fogo no País Basco, de acordo com arquivos do jornal El País: um político e um professor.

“Tanta dor”

Começaram, então, para Iñaki quatro anos difíceis, nos quais ele afundou no que ele mesmo chama de “espiral de ódio”, antes que sua mãe o enviasse a Londres para estudar. Longe do conflito, foi capaz de pensar com mais clareza e voltou um homem diferente, relata, depois de se dar conta de que os assassinatos não só mataram seu pai, mas também arruinaram sua vida. Mais tarde, começou a trabalhar pela paz e pela reconciliação e não parou desde então, dando palestras sobre sua experiência nas escolas, entre outras iniciativas.

Em outubro de 2011, quando o ETA anunciou um cessar-fogo, Iñaki discursava em uma conferência. “Na hora das perguntas, uma mulher do público tomou a palavra – sabia minha experiência e minha trajetória pessoal – e disse: ‘Iñaki, quero que você saiba e que todo o mundo saiba que o ETA acaba de anunciar o cessar-fogo definitivo’. Lembro que todos ficaram de pé, começaram a aplaudir, foi uma coisa muito emocionante”, conta. “Meus primeiros pensamentos foram para as pessoas que não estavam mais conosco, meu pai, todas as vítimas que conheci. 50 anos para terminar assim... Quanta dor, quanto sofrimento poderia ter sido evitado”, lamenta.

Com a paz de volta e enquanto olha para o futuro, uma das principais preocupações de Iñaki é que a juventude atual está quase se esquecendo do que ocorreu há pouco tempo. “Se agirmos como se nada tivesse acontecido, se não aprendermos uma lição de tudo isso, corremos o risco de repetir tudo de novo”, alerta.

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